Ermínia Maricato e o habitar com dignidade

Ninguém vive com conforto nas periferias brasileiras. Por isso, políticas urbanas que garantam Transporte, Educação, Saneamento e Saúde de qualidade – gratuitos ou acessíveis – são tão fundamentais quanto redistribuição de renda

Distribuição de renda não basta para assegurar minimamente condições dignas de vida urbana, aponta a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, professora aposentada da USP. Afinal, insiste ela, mais renda não soluciona o inferno da mobilidade que faz com que a média diária de viagem dure três horas, como é em São Paulo, que as pessoas vivam em condições insalubres em áreas de mananciais ou que gastem mais com passagens de ônibus que com alimentação, como mostrou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE), de 2017.

São cruciais, portanto, políticas públicas que garantam o direito à cidade e amainem o sofrimento cotidiano de quem vive nas cidades brasileiras, cerca de 85% da população.

“A pessoa não mora apenas na habitação – quando a habitação é urbana, mora-se na cidade. Por que se Habitação não estiver ligada à rede de equipamentos sociais – como Transporte, Educação, Saneamento Básico, Saúde etc –, a tudo aquilo que é a vida urbana, a pessoa está ilhada”, aponta Maricato. “Falar em cidades é também falar em poder local e de campo, por que uma das propostas mais importantes que temos para as cidades é a de um anel de produção de alimentos no entorno das cidades para diminuir a irracional e absurda viagem dos alimentos – e poderia garantir melhor qualidade do ar, dos reservatórios de água, das nascentes e a produção de alimentos in natura”.

A urbanista é uma das articuladoras da rede Br Cidades, que reúne pesquisadores e militantes de todo o país para retomar o debate sobre o poder local e a Reforma Urbana – temas, segundo ela, ainda negligenciado pelas esquerdas. As políticas urbanas, portanto, é fundamental para reconstruir um país arrasados por política ultraliberais e pela pandemia.

“Não redemocratizaremos o Brasil sem passar pelo poder local e pelas cidades. Temos que voltar para o chão das cidades, em vez de discutir nossos problemas como se o Brasil fosse apenas o Planalto Central e a Praça dos Três Poderes. É ir aonde o povo mora. Voltar aos bairros, às escolas, às igrejas. Nossa retirada desses espaços não os deixaram vazios”, analisa ela. “Nossas periferias, sem o Estado, foram ocupadas pelo crime organizado, pelas milícias e pelas religiões pentecostais. Isso explica muito a queda do poder da classe trabalhadora. Veja, nos anos 1970 a cidadania não vinha das condições de moradia urbana, era uma situação sem Estado e de ilegalidade, mas principalmente pelos sindicatos. Hoje, quem presta serviços às comunidades, que tem suas auguras cotidianas costumeiramente ignoradas, são criminosos, milicianos e pastores”.

Assista, no vídeo acima, a importante fala de Ermínia Maricato. Na quinta-feira, o economista e assessor econômico da Bancada do PSOl na Câmara,
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