Brasil 2022: o Resgate Indispensável

Construir e debater, a partir de junho, doze ideias-força para romper com cinco anos de retrocessos políticos e quatro décadas de reprimarização produtiva. Ou: um possível papel para a sociedade civil no cenário pós-pandemia e pré-eleições de 2022

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A pouco mais de um ano de completar dois séculos de vida como nação independente, o Brasil vive sua crise mais profunda e dramática. O aspecto mais aparente é o sanitário: desde março de 2021, o país voltou a ser o epicentro da pandemia de covid-19 – em boa medida, devido à negligência e sabotagem do governo federal. No final de abril, número de óbitos ultrapassou 400 mil. Embora reúna apenas 2,67% da população do planeta, o Brasil já concentrava 12,7% das mortes por coronavírus. Mas esta situação fúnebre é apenas parte de um cenário desolador mais vasto.

No início de um século que promete ser marcado por grandes transformações, o país regride. A economia vive a fase mais aguda de uma reprimarização econômica que se arrasta há quatro décadas – uma marcada pela crise do endividamento externo (1980) e as demais sob intensa pressão das políticas neoliberais (1990-2020). A participação brasileira no PIB mundial, que chegou a 4,4% em 1980, despencou para 2,5%. O país voltou ao mapa da fome da ONU e está, mais uma vez, entre os dez mais desiguais do mundo, em distribuição de renda. O aumento da miséria escancara-se nas ruas coalhadas de famílias sem teto ou abrigo. Em condições tão desoladoras, retomar a esperança exigirá enorme determinação política e capacidade de promover mudança.

O projeto que agora apresentamos pretende ajudar a construí-las. Identifica, em primeiro lugar, alguns pontos de apoio. Embora com enorme atraso, e um número assombroso de mortes desnecessárias, a pandemia deverá refluir, em alguns meses, graças à vacinação. Tudo indica, além disso, que desgaste político e de popularidade do atual governo, que promove ativamente a devastação nacional, irá se ampliar. No início do segundo semestre de 2021, quando faltar aproximadamente um ano para o início da disputa presidencial, é provável que o Brasil se veja como as nações que enfrentam a ressaca de guerras cruentas. Nesses momentos, feito o luto, encara-se a reconstrução.

Mas por que caminhos? Outras Palavras pretende enriquecer o debate nacional propondo a construção de ideias-força para um processo de reerguimento que precisa começar agora – mas deve ter fôlego para buscar mudanças que se desenvolverão nos próximos vinte anos. Não se trata de formular um programa de governo – tarefa mais própria dos partidos políticos, e frequentemente de fốlego curto. Mas de sustentar três noções indispensáveis, porém ainda ausentes:

a) Passada a fase mais dramática da crise, não é aceitável voltar ao “velho normal”; e não bastará afastar o bolsonarismo para “recolocar o país nos trilhos”. Será preciso um enorme impulso de mobilização para lançar a retomada; para passar àquilo que Naomi Klein chamou, em escala mundial de “os anos da reparação”;

b) O debate político brasileiro ainda não considera boa parte das propostas que pode compor este processo. Ao menos desde 2010, quando o projeto petista-lulista chegou a um impasse e as elites reagiram com ferocidade inédita, o país mergulhou numa polarização vazia. Ela tornou difícil enxergar o surgimento, em várias partes do mundo, de ideias e propostas essenciais para que a busca de alternativas ao neoliberalismo seja mais que uma mera repetição de slogans. Estão entre estas propostas:


> A superação das políticas de “austeridade” (aqui, ainda vigentes com força);

> A Teoria Monetária Moderna, que propõe aos Estados emitir dinheiro para garantir direitos sociais, renovar a infraestrutura e iniciar a transição ecológica;

> O Green New Deal, que poderia ser traduzido em português como “Virada Socioambiental”;

> As políticas de Emprego Público Garantido, vinculadas tanto à recuperação dos direitos trabalhistas quanto à realização dos dois objetivos anteriores

c) Não se trata evidentemente, no Brasil, de transplantar ideias estrangeiras, mas de estabelecer um diálogo entre duas tradições democráticas riquíssimas. De um lado, a brasileira, inaugurada na resistência de massas à ditadura, no final dos anos 1980, e que gerou experiências notáveis, como a emergência de um “novo sindicalismo”, de um partido de esquerda com enorme penetração popular e de governos que vertebraram, a partir da virada do século, a “onda rosa” da América Latina. De outro, a internacional, que originou, a partir da crise do capitalismo de 2008, experiências como a liderança de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista britânico; as duas candidaturas presidenciais de Bernie Sanders; movimentos como o dos Indignados; o Momentum; o Sunrise e Black Lives Matter.

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O projeto “Diálogos por Outro Brasil”, aberto em 2020 para debater “O Futuro do Trabalho”, terá em 2021, o título “O Resgate Indispensável”. A partir das bases estabelecidas acima, Outras Palavras proporá 12 ideias-força, pouco presentes no debate político atual mas necessárias para enriquecer os programas de mudança do país, e influenciar as eleições de 2002. São elas:

1. Multiplicar o Investimento Público, em ruptura radical com as ideias de “austeridade” e “ajuste fiscal” Emitir moeda nacional para redistribuir riqueza por meio dos serviços-publicos e da transformação das redes de infra-estrutura. Promover o “quantitative easing for the people”.

2. Resgatar o SUS, que se tornou, durante a pandemia, símbolo da importância do serviço público. Recuperar as ideias de Direito à Saúde que iluminaram a criação do Sistema Único de Saúde nos anos 1970-80. Assegurar, a partir dos êxitos alcançados e das dificuldades e impasses a enfrentar, que o Brasil possua um serviço que seja referência internacional. Tomar este resgate como paradigma para serviços públicos de excelência

3. Construir a rede brasileira de serviços públicos de excelência: A partir dos direitos assegurados na Constituição de 1988 e da importância demonstrada pelo SUS na pandemia, transformar a Saúde, a Educação, e os Transportes Públicos. Garantir que a melhor escola seja a pública. Transformar as redes de transporte coletivo das cidades.

4. Virada socioambiental (Green New Deal brasileiro). Recuperar e transformar a infraestrutura, com transição ambiental acelerada. Rever, em especial, a matriz energética, que precisa privilegiar as fontes solar e eólica, e o sistema de transportes, com restauração e modernização da antiga rede de ferrovias.

5. Introduzir o direito ao Trabalho Digno Garantido e à Renda Básica da Cidadania, como políticas para executar a Virada Socioambiental, reduzir drasticamente a desocupação, enfrentar o empobrecimento e a fome e introduzir formas pós-capitalistas de distribuição de riquezas. Restaurar os direitos laborais e sindicais eliminados pelas contrarreformas pós-2016. Buscar ativamente a Redução da Jornada de Trabalho

6. Iniciar a revolução urbanística das periferias, como base para enfrentar uma desigualdade central na vida brasileira contemporânea: a que reproduz, nas metrópoles, a relação Casa Grande – Senzala (transmutada em Centro-Quebradas). Assegurar moradia digna, em bairros urbanizados e seguros, servidos de transporte público eficiente, para cerca de 70 milhões de brasileiros hoje desprovidos deste direito básico. Enfrentar a ditadura do automóvel e da especulação imobiliária nas cidades

7. Estabelecer uma Rede de Bancos Públicos e Comunitários, como passo indispensável para livrar as famílias, os Estados e Municípios e as pequenas e médias empresas de um volume de dívidas massacrante. Rever a desestatização sem critérios das últimas décadas. Reconstruir as empresas públicas brasileiras, associadas a projetos estratégicos ao desenvolvimento sustentável, à transição ecológica, à restauração da infra-estrutura e à garantia dos direitos sociais.

8. Estimular e articular uma rede de pequenas e médias empresas, cooperativas e empreendedores individuais. Reverter o processo de falências em massa e de ultraconcentração empresarial que era anterior à pandemia e foi muito agravado por ela. Desenvolver, inclusive com base em exemplos internacionais, políticas para proteger estes empreendimentos e para estimular seu ressurgimento. Adotar medidas anticoncentradoras, em especial no comércio e serviços.

9. Recuperar a Petrobras e a soberania sobre o Pré-Sal. O papel estratégico da empresas, como indutora do desenvolvimento industrial, das regiões petroleiras e da própria produção cultural. Em paralelo, o Pré-Sal como garantia da geração de divisas fortes, que o Estado brasileiro não pode emitir. Constituir, com parte dos recursos do petróleo, um fundo que garanta da liquidez internacional e acesso a bens e serviços indisponíveis em moeda nacional – em especial a tecnologia necessária para os Anos do Resgate.

10. Lançar um Programa de Reindustrialização Qualificada, articulado a partir dos serviços públicos. Transformar a grande demanda brasileira por serviços de Saude, Educação, Transportes e Habiação em alavanca para desenvolver, com base em compras públicas, uma indústria moderna e robusta nestes ramos. Adotar medidas para que este avanço se difunda para outros setores industriais.

11. Iniciar a Transição Agroecológica com Reforma Agrária. Superar a gravíssima subutilização da terra no país, reduzindo as pastagens e o plantio de commodities. Estimular a Agroecologia por meio de terras, crédito, tecnologias. Interromper e reverter a grilagem de terras públicas. Adotar política de aproveitamento econômico sem desmatamento dos biomas brasileiros, em especial a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica

12. Desenvolver a vocação do país para a Economia do Imaterial. Estimular os serviços sofisticados ligados a Conhecimento, Ciência, Cultura, Comunicação e Artes. Tirar proveito de traços culturais brasileiros como a sociabilidade e a inventividade para estimular a produção imaterial qualificada. Multiplicar a presença destes eixos nos currículos escolares. Retomar, de forma ampliada, a experiência dos Pontos de Cultura. Implantar, em especial nas periferias, uma vasta rede de Laboratórios de Criação

* * *

Outras Palavras pretende dar à proposta do Reagate Indispensável lugar central em seu plano editorial para 2021 e 2022. Uma nova seção do site será criada para abrigar os textos, entrevistas e diálogos referentes ao tema. Ela será lançada em maio de 2021, quando o conceito será apresentado aos leitores e a nova seção aberta.

A partir de junho, começará a produção editorial temática. Cada um dos doze temas será tratado em detalhes durante um mês: de junho a novembro, em 2021 (neste ano, de forma não-presencial); e de fevereiro a julho em 2022. A visão é que a proposta granhe força progressivamente, à medida em que a vacinação afaste o pesadelo da pandemia e que o país se aproxime das eleições presidenciais e parlamentares de outubro do próximo ano.

O tratamento dado a cada ideia-força incluirá:

a) A publicação de um texto breve de abertura (cerca de 1500 palavras), produzido por Outras Palavras.

b) A realização de três entrevistas de desenvolvimento (uma por semana) com especialistas e ou ativistas que se dedicam ao tema

c) A publicação, na seção especial do site, de um conjunto de textos de referência, capazes de alimentar o debate a respeito.

d) A publicação, também sob responsabilidade de Outras Palavras, de um texto-síntese (5000-7000 palavras) sobre cada ideia-força, reunindo as contribuições advindas das entrevistas e dos textos de referência.

Atividades previstas :

> Produção do novo site e publicação do texto de lançamento da proposta (maio de 2021)

> Produção de um texto de apresentação de cada ideia-força relacionada ao Resgate do Brasil (entre junho e novembro de 2021 e entre fevereiro e junho de 2022)

> Três entrevistas em vídeo a cada mês, reunindo em cada uma um ou mais pensadores e ativistas, para cada uma das doze ideias-força. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.

> As transcrições destas entrevistas.

> Publicação, sobre cada uma das ideias-força, de uma série de textos (artigos, ensaios, livros, capítulos de livro) e vídeos que alimentem o respectivo debate.

> Produção, sobre cada uma das ideias-força, de um texto-síntese que incorpore as contribuições das entrevistas e dos textos publicados.

  1. Cronograma de atividades previstas:


> A partir de 15/4:+ Definição, entre o elenco de ideias-força, das seis que serão tratadas em 2021+ Início da construção da seção especial do site
+ Início da redação do texto de apresentação do projeto}
+ Identificação, em cada uma das seis ideias-força a ser tratadas em 2021, do elenco inicial de entrevistados.

> Maio
+
Lançamento da seção especial do site
+ Lançamento do texto de apresentação
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 1

> Junho:
+ 3/6 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 1.
+ 10, 17 e 24/6 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 1. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 2.

> Julho
+ 1º/7 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 1+ 8/7 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 2.
+ 15, 22 e 29/7 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 2. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ 31/7 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 2.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 3.

> Agosto
+ 5/8 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 3.
+ 12, 19 e 26/8 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 3. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 4.

> Setembro
+
2/9 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 3
+ 2/9 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 4+ 9, 16 e 23/9 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 4. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ 30/9 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 4.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 5.

> Outubro
+ 7/10 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 5.
+ 14, 21 e 28/10 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 5. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 6.

> Novembro
+ 4/11 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 5
+ 4/11 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 6.
+ 11, 18 e 25/11 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 6. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.

> Dezembro
+
2/12 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 6.
+ 15/12 – Publicação do livro digital com os textos-síntese e as transcrições das entrevistas
+ Início do planejamento sobre o trabalho relacionado às ideias-força 7 a 12, a ser lançado em fevereiro de 2022

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