Brasil 2022: o Resgate Indispensável
Construir e debater, a partir de junho, doze ideias-força para romper com cinco anos de retrocessos políticos e quatro décadas de reprimarização produtiva. Ou: um possível papel para a sociedade civil no cenário pós-pandemia e pré-eleições de 2022
Publicado 02/05/2021 às 17:18 - Atualizado 02/05/2021 às 19:16
A pouco mais de um ano de completar dois séculos de vida como nação independente, o Brasil vive sua crise mais profunda e dramática. O aspecto mais aparente é o sanitário: desde março de 2021, o país voltou a ser o epicentro da pandemia de covid-19 – em boa medida, devido à negligência e sabotagem do governo federal. No final de abril, número de óbitos ultrapassou 400 mil. Embora reúna apenas 2,67% da população do planeta, o Brasil já concentrava 12,7% das mortes por coronavírus. Mas esta situação fúnebre é apenas parte de um cenário desolador mais vasto.
No início de um século que promete ser marcado por grandes transformações, o país regride. A economia vive a fase mais aguda de uma reprimarização econômica que se arrasta há quatro décadas – uma marcada pela crise do endividamento externo (1980) e as demais sob intensa pressão das políticas neoliberais (1990-2020). A participação brasileira no PIB mundial, que chegou a 4,4% em 1980, despencou para 2,5%. O país voltou ao mapa da fome da ONU e está, mais uma vez, entre os dez mais desiguais do mundo, em distribuição de renda. O aumento da miséria escancara-se nas ruas coalhadas de famílias sem teto ou abrigo. Em condições tão desoladoras, retomar a esperança exigirá enorme determinação política e capacidade de promover mudança.
O projeto que agora apresentamos pretende ajudar a construí-las. Identifica, em primeiro lugar, alguns pontos de apoio. Embora com enorme atraso, e um número assombroso de mortes desnecessárias, a pandemia deverá refluir, em alguns meses, graças à vacinação. Tudo indica, além disso, que desgaste político e de popularidade do atual governo, que promove ativamente a devastação nacional, irá se ampliar. No início do segundo semestre de 2021, quando faltar aproximadamente um ano para o início da disputa presidencial, é provável que o Brasil se veja como as nações que enfrentam a ressaca de guerras cruentas. Nesses momentos, feito o luto, encara-se a reconstrução.
Mas
por que caminhos? Outras
Palavras pretende
enriquecer o debate nacional propondo
a construção de ideias-força
para
um
processo
de reerguimento que
precisa começar agora – mas
deve ter fôlego para buscar mudanças que se desenvolverão nos
próximos vinte anos.
Não
se trata de formular
um
programa de
governo –
tarefa
mais
própria dos partidos políticos, e
frequentemente de fốlego curto.
Mas de
sustentar três
noções
indispensáveis, porém ainda ausentes:
a) Passada
a fase mais dramática da crise, não é aceitável
voltar
ao “velho normal”; e
não bastará afastar o bolsonarismo para “recolocar o país nos
trilhos”. Será preciso um enorme impulso de mobilização para
lançar a retomada; para passar àquilo que Naomi Klein chamou, em
escala mundial
de “os
anos da reparação”;
b) O
debate político brasileiro ainda não considera boa parte das
propostas que pode compor este processo. Ao menos desde 2010, quando
o projeto petista-lulista chegou a um impasse e
as elites reagiram com ferocidade inédita,
o
país mergulhou
numa polarização vazia. Ela
tornou difícil enxergar o surgimento, em várias partes do mundo, de
ideias
e propostas essenciais
para que a busca de alternativas ao neoliberalismo seja mais que uma
mera repetição de
slogans.
Estão entre estas propostas:
>
A
superação das políticas de “austeridade” (aqui, ainda vigentes
com força);
> A
Teoria Monetária Moderna, que propõe aos Estados emitir dinheiro
para garantir
direitos sociais,
renovar a infraestrutura e
iniciar a transição ecológica;
> O
Green New Deal,
que poderia ser traduzido em português como “Virada
Socioambiental”;
> As
políticas de Emprego Público Garantido,
vinculadas
tanto
à recuperação dos direitos trabalhistas quanto à realização dos
dois objetivos
anteriores
c) Não se trata evidentemente, no Brasil, de transplantar ideias estrangeiras, mas de estabelecer um diálogo entre duas tradições democráticas riquíssimas. De um lado, a brasileira, inaugurada na resistência de massas à ditadura, no final dos anos 1980, e que gerou experiências notáveis, como a emergência de um “novo sindicalismo”, de um partido de esquerda com enorme penetração popular e de governos que vertebraram, a partir da virada do século, a “onda rosa” da América Latina. De outro, a internacional, que originou, a partir da crise do capitalismo de 2008, experiências como a liderança de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista britânico; as duas candidaturas presidenciais de Bernie Sanders; movimentos como o dos Indignados; o Momentum; o Sunrise e Black Lives Matter.
* * *
O projeto “Diálogos por Outro Brasil”, aberto em 2020 para debater “O Futuro do Trabalho”, terá em 2021, o título “O Resgate Indispensável”. A partir das bases estabelecidas acima, Outras Palavras proporá 12 ideias-força, pouco presentes no debate político atual mas necessárias para enriquecer os programas de mudança do país, e influenciar as eleições de 2002. São elas:
1. Multiplicar o Investimento Público, em ruptura radical com as ideias de “austeridade” e “ajuste fiscal” Emitir moeda nacional para redistribuir riqueza por meio dos serviços-publicos e da transformação das redes de infra-estrutura. Promover o “quantitative easing for the people”.
2. Resgatar o SUS, que se tornou, durante a pandemia, símbolo da importância do serviço público. Recuperar as ideias de Direito à Saúde que iluminaram a criação do Sistema Único de Saúde nos anos 1970-80. Assegurar, a partir dos êxitos alcançados e das dificuldades e impasses a enfrentar, que o Brasil possua um serviço que seja referência internacional. Tomar este resgate como paradigma para serviços públicos de excelência
3. Construir a rede brasileira de serviços públicos de excelência: A partir dos direitos assegurados na Constituição de 1988 e da importância demonstrada pelo SUS na pandemia, transformar a Saúde, a Educação, e os Transportes Públicos. Garantir que a melhor escola seja a pública. Transformar as redes de transporte coletivo das cidades.
4. Virada socioambiental (Green New Deal brasileiro). Recuperar e transformar a infraestrutura, com transição ambiental acelerada. Rever, em especial, a matriz energética, que precisa privilegiar as fontes solar e eólica, e o sistema de transportes, com restauração e modernização da antiga rede de ferrovias.
5. Introduzir o direito ao Trabalho Digno Garantido e à Renda Básica da Cidadania, como políticas para executar a Virada Socioambiental, reduzir drasticamente a desocupação, enfrentar o empobrecimento e a fome e introduzir formas pós-capitalistas de distribuição de riquezas. Restaurar os direitos laborais e sindicais eliminados pelas contrarreformas pós-2016. Buscar ativamente a Redução da Jornada de Trabalho
6. Iniciar a revolução urbanística das periferias, como base para enfrentar uma desigualdade central na vida brasileira contemporânea: a que reproduz, nas metrópoles, a relação Casa Grande – Senzala (transmutada em Centro-Quebradas). Assegurar moradia digna, em bairros urbanizados e seguros, servidos de transporte público eficiente, para cerca de 70 milhões de brasileiros hoje desprovidos deste direito básico. Enfrentar a ditadura do automóvel e da especulação imobiliária nas cidades
7. Estabelecer uma Rede de Bancos Públicos e Comunitários, como passo indispensável para livrar as famílias, os Estados e Municípios e as pequenas e médias empresas de um volume de dívidas massacrante. Rever a desestatização sem critérios das últimas décadas. Reconstruir as empresas públicas brasileiras, associadas a projetos estratégicos ao desenvolvimento sustentável, à transição ecológica, à restauração da infra-estrutura e à garantia dos direitos sociais.
8. Estimular e articular uma rede de pequenas e médias empresas, cooperativas e empreendedores individuais. Reverter o processo de falências em massa e de ultraconcentração empresarial que era anterior à pandemia e foi muito agravado por ela. Desenvolver, inclusive com base em exemplos internacionais, políticas para proteger estes empreendimentos e para estimular seu ressurgimento. Adotar medidas anticoncentradoras, em especial no comércio e serviços.
9. Recuperar a Petrobras e a soberania sobre o Pré-Sal. O papel estratégico da empresas, como indutora do desenvolvimento industrial, das regiões petroleiras e da própria produção cultural. Em paralelo, o Pré-Sal como garantia da geração de divisas fortes, que o Estado brasileiro não pode emitir. Constituir, com parte dos recursos do petróleo, um fundo que garanta da liquidez internacional e acesso a bens e serviços indisponíveis em moeda nacional – em especial a tecnologia necessária para os Anos do Resgate.
10. Lançar um Programa de Reindustrialização Qualificada, articulado a partir dos serviços públicos. Transformar a grande demanda brasileira por serviços de Saude, Educação, Transportes e Habiação em alavanca para desenvolver, com base em compras públicas, uma indústria moderna e robusta nestes ramos. Adotar medidas para que este avanço se difunda para outros setores industriais.
11. Iniciar a Transição Agroecológica com Reforma Agrária. Superar a gravíssima subutilização da terra no país, reduzindo as pastagens e o plantio de commodities. Estimular a Agroecologia por meio de terras, crédito, tecnologias. Interromper e reverter a grilagem de terras públicas. Adotar política de aproveitamento econômico sem desmatamento dos biomas brasileiros, em especial a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica
12. Desenvolver a vocação do país para a Economia do Imaterial. Estimular os serviços sofisticados ligados a Conhecimento, Ciência, Cultura, Comunicação e Artes. Tirar proveito de traços culturais brasileiros como a sociabilidade e a inventividade para estimular a produção imaterial qualificada. Multiplicar a presença destes eixos nos currículos escolares. Retomar, de forma ampliada, a experiência dos Pontos de Cultura. Implantar, em especial nas periferias, uma vasta rede de Laboratórios de Criação
* * *
Outras Palavras pretende dar à proposta do Reagate Indispensável lugar central em seu plano editorial para 2021 e 2022. Uma nova seção do site será criada para abrigar os textos, entrevistas e diálogos referentes ao tema. Ela será lançada em maio de 2021, quando o conceito será apresentado aos leitores e a nova seção aberta.
A partir de junho, começará a produção editorial temática. Cada um dos doze temas será tratado em detalhes durante um mês: de junho a novembro, em 2021 (neste ano, de forma não-presencial); e de fevereiro a julho em 2022. A visão é que a proposta granhe força progressivamente, à medida em que a vacinação afaste o pesadelo da pandemia e que o país se aproxime das eleições presidenciais e parlamentares de outubro do próximo ano.
O tratamento dado a cada ideia-força incluirá:
a) A publicação de um texto breve de abertura (cerca de 1500 palavras), produzido por Outras Palavras.
b) A realização de três entrevistas de desenvolvimento (uma por semana) com especialistas e ou ativistas que se dedicam ao tema
c) A publicação, na seção especial do site, de um conjunto de textos de referência, capazes de alimentar o debate a respeito.
d) A publicação, também sob responsabilidade de Outras Palavras, de um texto-síntese (5000-7000 palavras) sobre cada ideia-força, reunindo as contribuições advindas das entrevistas e dos textos de referência.
Atividades previstas :
> Produção do novo site e publicação do texto de lançamento da proposta (maio de 2021)
> Produção de um texto de apresentação de cada ideia-força relacionada ao Resgate do Brasil (entre junho e novembro de 2021 e entre fevereiro e junho de 2022)
> Três entrevistas em vídeo a cada mês, reunindo em cada uma um ou mais pensadores e ativistas, para cada uma das doze ideias-força. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
> As transcrições destas entrevistas.
> Publicação, sobre cada uma das ideias-força, de uma série de textos (artigos, ensaios, livros, capítulos de livro) e vídeos que alimentem o respectivo debate.
> Produção, sobre cada uma das ideias-força, de um texto-síntese que incorpore as contribuições das entrevistas e dos textos publicados.
- Cronograma de atividades previstas:
>
A
partir de 15/4:+
Definição,
entre o elenco de ideias-força, das seis que serão tratadas em
2021+
Início da construção da
seção especial do
site
+
Início da redação do texto de apresentação do projeto}
+
Identificação, em cada uma das seis ideias-força a ser tratadas em
2021, do elenco inicial de entrevistados.
>
Maio
+
Lançamento
da
seção especial do
site
+
Lançamento do texto de apresentação
+
Definição final
das entrevistas relativas à ideia-força 1
>
Junho:
+
3/6
– Publicação do texto-base sobre a ideia-força 1.
+ 10, 17
e 24/6 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento
da ideia-força 1. Serão
transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para
intervenção e perguntas do público.
+
Publicação constante, na seção especial do site, de textos que
alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das
entrevistas relativas à ideia-força 2.
>
Julho
+
1º/7
– Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 1+
8/7
– Publicação do texto-base sobre a ideia-força 2.
+
15,
22
e 29/7
(sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da
ideia-força 2.
Serão
transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para
intervenção e perguntas do público.
+
31/7
– Publicação do texto-síntese sobre
a ideia-força 2.
+
Publicação constante, na seção especial do site, de textos que
alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das
entrevistas relativas à ideia-força 3.
> Agosto
+ 5/8 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 3.
+ 12, 19 e 26/8 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 3. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 4.
> Setembro
+ 2/9 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 3
+ 2/9 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 4+ 9, 16 e 23/9 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 4. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ 30/9 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 4.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 5.
> Outubro
+ 7/10 – Publicação do texto-base sobre a ideia-força 5.
+ 14, 21 e 28/10 (sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da ideia-força 5. Serão transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para intervenção e perguntas do público.
+ Publicação constante, na seção especial do site, de textos que alimentem o debate sobre o tema.
+ Definição final das entrevistas relativas à ideia-força 6.
>
Novembro
+
4/11 – Publicação do texto-síntese sobre a ideia-força 5
+
4/11
– Publicação do texto-base sobre a ideia-força 6.
+
11,
18
e 25/11
(sempre às quintas-feiras) Entrevistas para desenvolvimento da
ideia-força 6.
Serão
transmitidas ao vivo, em plataforma digital, e terão espaço para
intervenção e perguntas do público.
+
Publicação constante, na seção especial do site, de textos que
alimentem o debate sobre o tema.
>
Dezembro
+
2/12 –
Publicação do texto-síntese sobre
a ideia-força 6.
+
15/12 – Publicação do livro digital com os textos-síntese e as
transcrições das entrevistas
+
Início do planejamento sobre o trabalho relacionado às ideias-força
7 a 12, a ser lançado em fevereiro de 2022