Fiocruz demonstra: testar em massa no Brasil é possível

Três núcleos em comunidades da periferia do Rio atendem população, detectam presença da covid e orientam sobre isolamento e cuidados – além de sequenciar amostras. O que falta para aplicar modelo no país?

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Em plena zona norte do Rio de Janeiro está em marcha uma iniciativa de controle da covid que poderia ser replicada com sucesso Brasil afora – caso houvesse mais interesse do poder público. São os polos de testagem em massa, que fazem parte do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid, desenvolvido pela Fiocruz em parceria com a prefeitura da cidade. Começaram a funcionar no dia 21/1, primeiro em dois pontos na comunidade de Manguinhos, próximos a Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Ontem, mais um entrou em operação na Maré, bairro vizinho. Ambas as localidades ficam nas imediações da Fiocruz. 

Hermano Castro, pneumologista e ex-diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), que também está envolvido na coordenação da Conexão Saúde, falou à redação a partir de um dos polos de Manguinhos. Explicou que desde o início de janeiro, já havia um grande posto de testagem em funcionamento no Complexo do Alemão. Porém, os coordenadores do projeto perceberam que os moradores de bairros vizinhos com sintomas estavam se tendo de se deslocar para conseguir fazer os testes – algo perigoso para a comunidade. Foi daí que surgiu a ideia de montar polos com capacidade menor, mas mais espalhados. A articulação é sempre feita com lideranças locais.

A primeira consequência bem-vinda da instalação dos postos de testagem foi o desafogamento das UBSs da região – lotadas por conta do grande salto de casos causado pela variante ômicron. Nos primeiros dias da iniciativa, os polos realizavam entre 100 e 150 testes, e a taxa de resultados positivos era alta, como tem-se observado na nova onda: cerca de 40% dos indivíduos que faziam exame estavam contaminados. Hoje, caiu para cerca de 10% – indicando um arrefecimento da crise. Para aqueles com testes positivos, as equipes do projeto, aliadas a agentes de saúde, agem para passar orientações sobre cuidados e isolamento. Também aconselham as famílias e pessoas da convivência a fazer o teste também. Nos polos, qualquer um pode fazer o exame, com ou sem sintomas, de graça – orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2020 para a contenção da pandemia, mas que o governo brasileiro insiste em ignorar.

Hermano explica a importância social da iniciativa, em um momento em que a Anvisa acaba de aprovar a venda de autotestes de covid em farmácias – favorecendo a classe média –, mas que não há qualquer política pública para que sejam distribuídos à população pelo SUS. “Tem um sentido social da inovação dentro do território, um sentido de garantia de acesso às camadas populares, que não têm acesso aos autotestes”, esclarece. E há ainda uma outra finalidade de extrema importância: a Fiocruz fará a análise genômica de todos os testes positivos, para saber qual cepa da covid está circulando pelo território e em que proporção. Dessa maneira, explica Hermano, as autoridades poderão saber, por exemplo, se a subvariante BA.2 da ômicron já está presente na cidade – e poder tomar medidas sanitárias mais inteligentes.

Iniciativas como essa demonstram a enorme capacidade que o SUS, a saúde pública e a ciência brasileiras detém para que o país possa ter um controle sanitário de excelência, e proteger sua população. Bastava acioná-los, e talvez grande parte das 630 mil mortes poderiam ter sido evitadas.

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