A eleição que pode mudar a sina da Bolívia

Empobrecida, população rechaça o golpe de 2019. Presidente apoiada por Washington vai à lona e abandona candidatura. Luis Arce, ex-ministro de Evo Morales, lidera pesquisas. Contra ele, trama-se uma grande coalizão conservadora

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Por Katu Arkonada | Tradução: Antonio Martins

A quatro semanas das eleições gerais na Bolívia, marcadas para 18 de outubro, o panorama é cada vez mais complexo. A polarização entre o Movimento Ao Socialismo (MAS), de Evo Morales, e os golpistas torna-se mais aguda. O conservador Carlos Mesa tenta manter um perfil baixo, para capturar votos de uma direita desencantada com o governo, que derrete depois de quase um ano de escândalos de corrupção e negligência diante da crise sanitária.

As últimas pesquisas são favoráveis ao MAS-IPSP (Instrumento Político pela Soberania dos Povos),que tem o ex-ministro da Economia, Luis Arce, como candidato presidencial. O partido-movimento de Evo Morales chega a 26,2% na pesquisa mais recente do instituto Mori (o único que acertou o resultado do referendo de fevereiro de 2016). Quando se computam apenas os votos válidos, o percentual sobre para 37,3%, diante dos 24,2% de Carlos Mesa e 14,4% de Jeanine Áñez. Ou seja, Luís Arce estaria próximo de ser presidente eleito no primeiro turno, desde que alcance 40% dos votos válidos e dez pontos percentuais de diferença sobre Mesa. Isso poderia ocorrer, com uma boa campanha eleitoral e se os golpistas não descartarem Áñez da corrida presidencial. [Aturalização: a presidente em exercício desde o golpe renunciou, em 17/9, à disputa presidencial. No entanto, a transferência de seus votos para Carlos Mesa não se concretizou de imediato, já que o candidato de ultradireita, Fernando Camacho, recusou-se a deixar a disputa em favor do conservador moderado – Nota de Outras Palavras].

Caso ninguém alcance os 40%, ou Mesa chegue a menos de 10 pontos de diferença de Arce, o segundo turno será inevitável. Nesse caso, os 14% dos golpistas, somados aos de Fernando Camacho (12,4%), que lidera as intenções de voto na cidade mais populosa do país, Santa Cruz, aos do conservador Chi Hyun Chung (5,9%) e aos do homem do Departamento de Estado dos EUA na Bolívia, Tito Quiroga (3,8%) se uniriam contra Evo Morales e Luis Arce, com grande risco de derrota para o MAS. [Atualização: Uma pesquisa mais recente, do Instituto Jubileu, atribuiu 40,3% a Luis Arce, 26,2% a Carlos Mesa e 14,4% a Fernando Camacho].

Duas semanas antes das eleições, em 4 de outubro, haverá o debate entre os candidatos, organizado pela Associação Nacional de Jornalistas da Bolívia, a Confederação de Empresários Privados, a Fundação Jubileu, a Universidade Maior de San Andrés e uma rede de meios de comunicação. Os 14 dias posteriores ao debate serão decisivos para que diferentes setores possam consolidar seu voto.

Enquanto isso, o governo golpista procura por todos os modos lavar sua imagem e turvar as de Evo Morales e do MAS. Uma “denúncia” protocolada pela Procuradoria Geral do Estado diante da Corte Penal Internacional acusa Evo de incorrer em delitos de lesa-humanidade. Os autores físicos e intelectuais dos massacres de Sacaba e Senkata – em que foram assassinadas mais de 30 pessoas por tiros das forças de segurança – “acusam” o ex-presidente boliviano da morte de mais de 40 pessoas por falta de oxigênio, durante os bloqueios de estradas e avenidas, em agosto.

Ao mesmo tempo, após uma viagem aos Estados Unidos de Arturo Murillo, ministro de Governo, em que se reuniu com o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, representantes do Departamento de Estado e os senadores republicanos Ted Cruz e Marco Rubio, começou a operar na Bolívia a empresa norte-americana CLS Strategies, vinculada aos serviços de inteligência de Washington, e que supostamente dará ao governo boliviano “de transição” assessoria em temas relacionados à “democracia”.

De maneira complementar, e segundo vazamentos do entorno do gabinete presidencial, os golpistas têm no bolso uma proposta para eliminar o registro jurídico do MAS-IPSP, junto com uma análise do que implicaria tal ato, em questão de mobilização e resposta social. A aposta é clara: um segundo turno entre dois candidatos conservadores, em que só haveria um ganhador: os Estados Unidos e seus interesses na Bolívia.

Nas ruas, ao menos na classe média urbana, a sensação é que se desejava uma mudança, mas não como a que ocorreu. Isso fez com que Mesa se deslocasse para a direita, para ganhar o voto mais extremista, que já não se sentia representado por Áñez. Isso poderia carrear para o MAS o voto mais moderado de centro. Entre a disjuntiva de pensar quando estavam melhor, em setembro de 2019 (as eleições foram em outubro, e o golpe em novembro) ou em setembro de 2020, é claro que esta classe urbana tinha melhores condições sociais, e sobretudo econômicas, há um ano.

A crise econômica faz com que as pessoas tenham saudades de setembro de 2019. Nos 14 anos do processo de mudanças, recebia-se em dia e era possível economizar. Nos nove últimos meses, muitos perderam seu trabalho e gastaram suas poupanças. Este é o novo sentido comum que se constrói entre boa parte da população boliviana.

Se este sentido comum crescer, movendo a balança a favor do MAS-IPSP, então a alternativa a ser buscada pelos que hoje governam pode ser um novo golpe dentro do golpe, que impeça Evo Morales, chefe de campanha do Movimento Ao Socialismo, de retornar a uma Bolívia governada por Luís Arce Catacora.

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2 comentários para "A eleição que pode mudar a sina da Bolívia"

  1. Dilvo Bele disse:

    Vocês são tendenciosos mesmo, não publicaram meu comentário. Só publicam de esquerdistas

  2. José Mário Ferraz disse:

    Tendo o mundo de seguir a orientação dos parasitas ricos donos do mundo de parasitar a humanidade, não pode haver governo capaz de se meter a besta e não cuidar dos interesses deles que são contra os interesses do povo. Entretanto, não devia haver dúvida em votar maciçamente em quem ainda não provou ser totalmente fiéis às mentalidades mumificadas, geralmente apegadas à rançosa religiosidade.

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