Terra, Aquecimento e Carne: o novo relatório do IPCC

Documento publicado ontem alerta: é urgente mudar agricultura e mudar sistema alimentar. Leia também: Fiocruz consegue publicar estudo sobre drogas censurado pelo governo; exposição tentou usar lei da Cultura para promover marcas de comida

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Por Raquel Torres

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A CARNE, A TERRA E O CLIMA

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas lançou ontem um relatório importante – cheio de alertas e recomendações – focado nas relações entre o sistema alimentar, os usos da terra e a mudança climática. Há círculos viciosos: o sistema alimentar demanda uma produção que degrada o solo e afeta as temperaturas, enquanto o solo degradado e o aquecimento global prejudicam a produção e vão minar a segurança alimentar; solos e florestas doentes agravam as mudanças climáticas, enquanto essas mudanças prejudicam a saúde das florestas e do solo.

O relatório pode marcar uma mudança de eixo nas conversas sobre mudanças climáticas, que tendem a se concentrar pouco  em agricultura e alimentação, segundo a matéria do site Health Policy Watch. Um ponto-chave é a necessidade de reduzir drasticamente o consumo de carne vermelha, cuja produção não só emite muitos gastes de efeito estufa como também exige muita terra, energia e água – incluindo tudo o que é gasto na produção de grãos para ração. De acordo com o relatório, o ideal seria um sistema baseado no consumo de grãos, frutas, legumes, verduras e outras fontes de proteína animal, como aves, porco e laticínios, que têm um impacto comparativamente menor. Essas recomendações são semelhantes àquelas feitas pela OMS em dezembro do ano passado, na última Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. 

Fora isso, o relatório aponta que o desperdício de alimentos também afeta o clima. Entre 25% e 30% do que é produzido se perde em algum momento da cadeia de fornecimento, e esses desperdícios respondem por até 10% de todas as emissões climáticas. Além, é claro, de não fazerem sentido se tem gente passando fome. O relatório sugere três destinos: distribuição de excedentes para quem tem fome, conversão dos resíduos em ração animal e reciclagem para produção de energia. 

Florestas, pradarias, pântanos, mangues e turfeiras são reservatórios naturais de gás carbônico que o impedem de subir à atmosfera. Quando desmatados, viram o oposto, liberando esse gás. O documento diz que devem esses ecossistemas devem ser imediatamente protegidos. Nas terras voltadas para a agricultura, é preciso substituir monoculturas por cultivos diversificados.

ÁGUA EM RISCO

Cerca de 40% do território brasileiro tem níveis de ameaça aos corpos hídricos que vão de moderado a elevado, segundo um relatório divulgado ontem pelo Painel Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. O trabalho foi baseado em pesquisas publicadas nos últimos anos e mostra que as principais ameaças são as mudanças climáticas, as mudanças no uso do solo (como o desmatamento), a fragmentação de ecossistemas e a poluição. O estado de São Paulo é o que está em piores condições: quase 70% do território está em situação crítica, por conta do adensamento populacional e do uso intenso da terra para agropecuária. 

FINALMENTE, O ESTUDO

A Fiocruz conseguiu divulgar ontem sua pesquisa sobre drogas que foi censurada em maio pelo governo federal. Finalmente, depois de um acordo com a AGU e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, os resultados estão neste link. É o levantamento sobre drogas mais completo já realizado no país, e incluiu também municípios de pequeno porte e áreas de fronteira. A pesquisa ouviu quase 17 mil pessoas entre 12 e 65 anos em 2015 e envolveu 400 pesquisadores, técnicos, entrevistadores de campo e equipe de apoio. Os entrevistados responderam sobre o uso, abuso e dependência das mais diversas substâncias, como álcool, tabaco, cocaína, maconha, crack, solventes, anabolizantes, barbitúricos e ayahuasca. 

Alguns dos resultados haviam sido divulgados antes, obtidos pelo site Vice. Agora fica oficialmente publicado que a maior preocupação é com o consumo do álcool. Mais de metade dos entrevistados já beberam alguma vez na vida, e 30,12% beberam nos 30 dias anteriores à pesquisa. Cerca de 2,3 milhões de pessoas apresentaram critérios para a dependência nos 12 meses anteriores. Além disso, 14% dos homens dirigiram depois de beber no ano anterior (e 1,8% das mulheres); 1,1% dos homens disseram já ter destruído ou quebrado algo que não era seu depois de beber (e 0,3% das mulheres).  O consumo do cigarro vem caindo mas já foi usado alguma vez na vida por 33,5% das pessoas, e por 13,6% nos últimos 12 meses.  

A maconha é a droga ilícita mais consumida, mas o percentual dos brasileiros que usaram alguma vez na vida não é tão alto:  7,7%. Em segundo lugar fica a cocaína em pó (3,1%). Nos 12 meses anteriores à pesquisa, 3,2% dos brasileiros haviam usado alguma droga ilícita, e esse percentual é muito maior entre os homens (5%) do que entre mulheres (1,5%), e também é bem acima da média entre os jovens (7,4%). O uso de crack e similares alguma vez na vida foi relatado por 0,9% das pessoas. O relatório destaca, porém, que no caso do crack é preciso ter cautela, já que a pesquisa foi domiciliar e muitos usuários vivem na rua, em abrigos ou presídios.

Motivo de briga com o governo federal, a pesquisa mostra que não há epidemia de drogas ilícitas no país, mas isso não significa que não haja um problema de saúde pública. “Os jovens brasileiros estão consumindo drogas com mais potencial de provocar danos e riscos, como o próprio crack. Além disso, há uma tendência ao poliuso [uso simultâneo de drogas diferentes]. Por isso é tão importante atualizar os dados epidemiológicos disponíveis no país, para responder às perguntas de um tema como o consumo de drogas, que se torna ainda mais complexo num país tão heterogêneo quanto o Brasil”, diz Francisco Inácio Bastos, coordenador do estudo.

NADA EDUCATIVO

O que dizer de uma exposição chamada “O Museu Mais Doce do Mundo“, voltada para crianças e cheia de referências explícitas (favoráveis) a grandes marcas da indústria alimentícia – que queria ser financiada por dinheiro público? N’O Joio e o Trigo, Natália Silva conta que os organizadores do evento chegaram a ser autorizados a arrecadar mais de R$ 2,5 bilhões pela Lei Rouanet. Atrairam o interesse de gente disposta a financiar, como a Multiplan, que administra shoppings centers.  Conseguiram captar R$ 360 mil, fora R$ 500 mil de um patrocínio da Bauducco. Felizmente, depois de semanas com a exposição em cartaz, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura recomendou a suspensão do financiamento, porque não há  “valor artístico ou cultural”.  Segundo o parecerista, a exposição parece “um playground para brincadeiras” no qual o visitante pode fazer “selfies”. Pelas fotos postadas por Natália e por seu relato, é isso mesmo. “Subindo as escadas, brigadeiros, biscoitos, gomas de mascar, garrafas de refrigerante, biscoitos e sorvetes compõem o cenário. As referências às marcas ficam por conta da identidade visual, da ambientação e das guloseimas ricas em açúcar distribuídas para os visitantes”, narra ela. 

COMUNICAÇÃO LIBERAL

Vice dos EUA conta como a Pro-Choice America, uma das maiores organizações em defesa do aborto legal no país, está mudando sua estratégia de comunicação numa era em que crescem os ataques a esse direito. Vai enfatizar o termo “liberdade reprodutiva“, em vez de “direitos reprodutivos” e “acesso ao aborto”. A mudança vem a partir de pesquisas encomendadas a uma empresa de consultoria. Descobriu-se que, embora entre 60% e 70% das pessoas no país sejam favoráveis ao aborto, há um subconjunto específico de apoiadores que se opõem pessoalmente à prática, mas acreditam no direito de outras pessoas terem acesso a ela, sem intervenção do Estado. Essas pessoas têm mais chances de engajamento se as restrições ao aborto forem enquadradas como “ataques à liberdade pessoal” e “controle desfavorável do governo”.

EBULIÇÃO

Três médicos da República Democrática do Congo foram presos por suposta participação no assassinato de um médico camaronês da OMS, morto em abril,que trabalhava na contenção da epidemia de ebola. Eles são acusados de tramar o crime, e um quarto médico, suspeito de estar pessoalmente envolvido no assassinato, está foragido. Os promotores afirmam que os acusados pertencem ao grupo armado União Patriótica para a Libertação do Congo. Em uma carta ao prefeito de Butembo, o conselho de médicos disse que vai entrar em greve caso os colegas não forem libertados em 48 horas. O clima, é claro, é de preocupação geral.

NEGÓCIOS

A Rede D’Or, maior grupo hospitalar do país, assinou ontem um contrato para comprar 10% das ações da Qualicorp, maior administradora de planos de saúde por adesão. O valor do negócio não foi divulgado e ainda precisa ser aprovado pelo Cade. 

E a operadora de planos privados Hapvida segue nos planos de comprar o Grupo São Francisco, que administra hospitais, clínicas e planos de saúde. A empresa convocou uma assembleia extraordinária de acionistas, no próximo dia 22, para aprovar a medida. Se acontecer, vai ser um negócio de R% 5 bilhões – a segunda maior transação da saúde no país, perdendo só para a compra da Amil pela UnitedHealthGroup em 2012. 

UM ENCONTRO E TANTO

Esta semana a ministra Damares Alves se reuniu com “ex-gays” e psicólogos que defendem a cura gay. Os dois grupos publicaram fotos com Damares nas redes sociais, mas não comentaram sobre o que exatamente foi tratado. 

ATÉ O FIM

A Justiça alemã vai julgar em outubro um ex-membro da SS de 92 anos por cumplicidade na morte de mais de cinco mil prisioneiros em um campo de concentração na Polônia. O réu, que na época tinha entre 17 e 18 anos, reconheceu que atuou no campo de concentração e que viu pessoas sendo levadas para serem executadas em câmaras de gás. Mas afirmou que nunca foi nazista. 

JOGUINHO

Um jogo para celular desenvolvido pela Fiocruz mostra os principais marcos do SUS e difunde serviços menos conhecidos. O jogador assume o papel do próprio SUS e tem que vencer desafios enfrentados pelo sistema na sua trajetória. 

AGENDA

Estão abertas as inscrições para um seminário da Fiocruz sobre os seis meses do desastre em Brumadinho. Vai acontecer na própria cidade na semana que vem

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