As pérolas de Moro e a violência doméstica

No aniversário da Lei Maria da Penha, ministro afirma que homens são violentos por se sentirem “intimidados”. Leia também: barganha pela reforma da Previdência retira R$1 bilhão da educação; a instigante relação entre inflamações e saúde mental

Imagem: Kenneth Agnello
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Por Raquel Torres

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FALTA MUITO

Antes da Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher era tratada como “crime de menor potencial ofensivo”; a própria mulher deveria levar ao seu agressor a intimação para que ele comparecesse à delegacia, e as penas não passavam do pagamento de cestas básicas. A Lei, que ontem completou 13 anos, foi um marco inegável. 

Mas ainda há problemas no cumprimento – o que ajuda a explicar o aumento nos casos de violência e feminicídio. A falta de capacitação dos agentes de segurança, prevista na lei, é uma das maiores questões. Também está previsto o atendimento 24 horas, mas, das 500 delegacias da mulher no país, só 21 oferecem o serviço. A criação de juizados especiais para julgar casos específicos de violência doméstica, também prevista na lei, nunca vingou (hoje, só existe um, no Mato Grosso do Sul). A lei ainda estabelece que deveriam ser destacados em currículos escolares e planos de ensino “conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher”, o que, em vez de melhorar com o tempo, piorou. 

Nos últimos três anos, foram 12 mil vítimas de feminicídio e quase 900 mil mulheres pediram medida protetiva no Brasil. E a matéria do Jornal Nacionalconta que medidas protetivas não necessariamente garantem a segurança: muitas vezes a mulher está sozinha quando o homem se aproxima. “Nós já tivemos casos no Brasil de mulheres que já morreram com medida protetiva dentro do bolso”, fala a major Cláudia Moraes, do Programa de Prevenção da PM-RJ.

A pérola do dia veio do ministro Sergio Moro. Participando da assinatura de um pacto do governo federal para combate à violência contra a mulher, disse: “Talvez, nós homens nos sintamos intimidados. Talvez, nós, homens, percebamos que o mundo está mudando e, por conta dessa intimidação, infelizmente, por vezes, recorremos à violência para afirmar uma pretensa superioridade que não mais existe”. Não satisfeito com a bola fora, ainda tuitou a mesma declaração. Mas a fala ao vivo foi mais completa. Moro disse também que “no início a gente pensava que era necessário políticas de proteção às mulheres porque elas são vulneráveis. Mas isso não é correto, isso não é verdadeiro. É o contrário. Nós precisamos de políticas de proteção de mulheres porque elas são fortes, elas estão em maior número”. Puxado.

E o Senado aprovou dois projetos de lei sobre violência doméstica ontem. Um para permitir, como medida protetiva a vítimas de violência doméstica, a apreensão imediata de arma de fogo em posse do agressor e outro que assegura prioridade nos processos judiciais de separação ou divórcio à mulher vítima dessa violência.

PREVIDÊNCIA

A Câmara terminou ontem à noite a votação da reforma. A sessão, que durou dez horas, foi para votar os destaques que procuraram mudar a proposta, mas os oito foram rejeitados.

E a Educação, já maltratada, deve sofrer mais um baque. Dos R$ 3 bilhões que Bolsonaro pediu ontem para ajudar a bancar as emendas parlamentares usadas para barganhar votos de deputados, quase R$ 1 bilhão deve sair do orçamento do MEC. Sairão dos recursos que já estavam ‘contingenciados’, o que, como garantia o governo, não significava corte, mas congelamento com possibilidade de uso no futuro…

“SIGNIFICATIVAMENTE ALARMANTE”

Esse foi o termo usado por Douglas Morton, diretor do Laboratório de Ciências Biosféricas no Centro de Voos Espaciais da Nasa, para se referir à demissão de Ricardo Galvão do comando do Inpe. “Não acredito que o presidente Jair Bolsonaro duvide dos dados produzidos pelo Inpe, como diz. Na verdade, para ele, são inconvenientes. Os dados são inquestionáveis”, acrescenta. 

DESISTIU PARA EXISTIR

Na Agência Pública, o relato de uma liderança de agricultores que deixou a luta por terra no Pará depois de sofrer ameaças de morte. “Alguns companheiros sentiram o choque da nossa saída. Mas, por outro lado, eles olharam e se conscientizaram que eu precisava sair. Ou eu saía ou eu morria. Eles iam me perder de qualquer maneira”, conta. Ele vivia em Mata Preta, no município de Anapu, na mesma gleba onde Dorothy Stang foi morta. Foram 20 assassinatos desde o ano 2000 na região.

MULHERES DA COCA

Na Colômbia, maior produtor mundial de coca, mais de 150 mil famílias vivem do cultivo dessa planta. Quase 46% dos agricultores são mulheres, e 29% delas são chefes de família. A matéria do El Paísfala dessas mulheres e de como elas querem ter outra vida e não conseguem. As famílias produtoras são pobres, muito pobres, e não lucram quase nada. Ainda assim, o retorno é maior do que o de outras plantas. “É mais fácil carregar um quilo ou dois de pasta-base em uma sacola e caminhar 10 horas do que tirar 20 ou 30 carregamentos de cacau que não vão dar nem para o custo do transporte”, explica María Carvajal, liderança da Associação de Camponeses de Catatumbo.

QUEBRANDO O LOOP

Nos últimos 20 anos, diferentes cientistas começaram a estudar uma possível relação entre inflamações e problemas de saúde mental. Um bom punhado de pesquisas mostra que pessoas com altos níveis de inflamação têm mais chances de desenvolver problemas como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Parece que inflamações no corpo podem causar esses transtornos, e ao mesmo tempo que os transtornos podem provocar inflamações… “criando um loop de feedback muito perigoso”, de acordo com a matéria na Vice. A chave para quebrar esse círculo pode estar na terra.

Christopher Lowry, um neuroendocrinologista comportamental da Universidade de Colorado Boulder, comandou estudos em animais na última década e mostrou que uma bactéria em particular do solo, a M. vaccae, pode reduzir inflamação e sintomas comportamentais problemáticos que vêm disso. Ele explica que o sistema imunológico precisa ter dados, como uma memória, para decidir quando e como responder a ameaças externas. Quando se vive em ambientes muito estéreis e com menor diversidade de microrganismos, o sistema não aprende muito, e se torna frágil. Não se trata de uma questão de limpeza x sujeira (higiene é importante, evidentemente), mas de usar muito antibiótico, fazer cesariana, comer coisas industrializadas e ter pouco contato com a terra. Na rotina urbana, Lowry acredita que no futuro a M. Vaccae possa vir a ser introduzida nas pessoas em forma de vacina, no início da vida, junto com outras imunizações.

ECOS DO INCÊNDIO

Quando a Catedral de Notre-Dame pegou fogo, em abril, centenas de toneladas de chumbo da agulha e do telhado se fundiram e se dispersaram no ar em forma de partículas. Quatro meses depois, os resíduos seguem preocupando – e as autoridades francesas estão sendo acusadas de falta de transparência. Trabalhadores que atuavam na reconstrução, por exemplo, podem ter sido bem afetados. As obras foram paralisadas no fim de julho para revisar as regras de proteção a eles, mas já devem retomar na semana que vem. Também em julho, foram paralisadas as atividades de duas escolas perto da Catedral. Sindicatos e associações familiares e do meio ambiente pedem que a igreja seja isolada, mas o arcebispo rejeita a opção.

CERTINHO

Ontem comentamos que a FDA (agência de alimentos e medicamentos dos EUA) deve levar a Novartis à Justiça porque a empresa sabia de manipulações de resultados nos testes sobre um novo tratamento, mas só contou à agência depois que ela já havia lhe concedido o registro do produto. Pois o CEO da Novartis, Vas Narasimhan, disse ontem que a empresa tentou “fazer a coisa certa” nesse caso. De acordo com ele, a fraude foi ocultada durante três meses não para garantir a aprovação do remédio, mas “para que pudéssemos fornecer as melhores informações”. A mentira foi descoberta pela empresa em março, e Narasimhan disse que  a multinacional está agora, cinco meses depois, no “processo de desligamento” dos envolvidos.

EM EVIDÊNCIA

Retraction Watch é o nome de um interessante blog que surgiu em 2010 para colecionar retratações de artigos científicos e falar sobre elas. Criado pelo jornalista norte-americano Ivan Oransky e mais um colega, o site já tem hoje quase 20 mil retratações. Em entrevista ao site da revista Pesquisa Fapesp, Oransky diz que o trabalho tem contribuído para melhorar a atuação das instituições de pesquisa em relação à má conduta de cientistas, inclusive passando a publicar os relatórios de investigações. Mas que a atuação das editoras e das instituições ainda está longe do que deveria ser. “Vejo casos demais em que nada acontece. Centenas, milhares de comentários sobre problemas em artigos no PubPeer [site que permite a usuários discutir e revisar artigos científicos]. Correspondências entre as revistas e as instituições, em que as instituições pedem retratações, as revistas não fazem nada, ou demoram dois ou três anos para reagir”, diz. 

DESTINO ERRADO

Na semana passada, vieram à tona detalhes de uma ação judicial contra um centro de pesquisa chamado The Biological Resource Center, nos EUA, onde autoridades descobriram em 2014 centenas de partes de cadáveres descartadas. O centro é acusado de vender ilegalmente partes de corpos que haviam sido doados por familiares para pesquisas científicas. Como no caso de Jim Stauffer, que doou o corpo da mãe para o estudo da doença de Alzheimer, mas descobriu que o cadáver foi usado por militares para analisar os efeitos de explosivos. Nos EUA, a doação de corpos é desregulamentada. 

PRIMEIRA LEVA

O governo da Tailândia recebeu ontem o primeiro lote de cannabis medicinal para ser usado em hospitais estatais. São 4.500 embalagens com o óleo da planta. Em dezembro, o país mudou sua lei de drogas para permitir o uso medicinal licenciado não só da maconha como do kratom, uma planta cultivada localmente e que é usada como estimulante e analgésico.

EXPLOSÃO

A demanda pela importação de tratamentos à base de cannabis cresceu 700%desde 2015, segundo dados da Anvisa. Segundo a Agência, a procura subiu sem que aumentassem os recursos disponíveis para atendê-la. Daí o aumento no período de análise. 

NOME SOCIAL

Mdicos transgêneros e travestis vão poder usar os nomes sociais incluídos no cadastro dos Conselhos Regionais de Medicina. A informação é do CFM, que analisou o tema a pedido de alguns profissionais. 

DENGUE NA ÁSIA

O governo das Filipinas declarou epidemia de dengue depois que 622 pessoas morreram desde janeiro. Foram 146 mil casos, quase o dobro dos registrados no primeiro semestre de 2018. O problema está forte em outros países asiáticos. Bangladesh está vivendo seu pior surto de dengue, e Malásia e Vietnã também viram seus casos subirem exponencialmente

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