Perseguição à ciência no Butantan?

Pesquisadora afirma estar sofrendo boicote no instituto depois de descobrir que não há doses seguras de agrotóxicos. Leia também: Senado vota Previdência em primeiro turno; parasita misterioso infecta mais de 140 pessoas em Sergipe

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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PERSEGUIÇÃO À PESQUISA

No mês passado, tiveram imensa repercussão os resultados de uma pesquisa de Monica Lopes Ferreira, do Instituto Butantan, sobre agrotóxicos. Analisando o efeito em peixes-zebra de dez venenos muito usados no Brasil, ela observou mortes e malformação de fetos, mesmo em dosagens baixíssimas. Logo depois, o diretor da Anvisa, Renato Porto, e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, deram entrevistas contestando o estudo.

Mas talvez a pior reação tenha vindo do próprio Butantan, onde Monica atua há 30 anos. Em entrevista à Agência Pública, ela afirma que a direção está fazendo um boicote contra ela, acusando-a incorretamente de fazer o estudo sem o conhecimento do instituto. Barreiras estão sendo impostas para impedir que ela dê cursos e palestras e, o mais grave, ela recebeu um comunicado proibindo-a de submeter projetos de pesquisa para aprovação durante seis meses. Na semana passada, Monica conseguiu uma liminar do TJ de São Paulo suspendendo essa punição, mas há outros efeitos em curso. Sua participação em um evento da Fiocruz sobre peixes-zebra, por exemplo, foi cancelada. 

“Eu já participei de várias pesquisas e nada tinha sido dessa maneira. Eu desagradei a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que foi contestar o estudo publicamente. O que que a Tereza Cristina tem a ver com o Instituto Butantan, para o instituto estar me punindo? Eu não sou uma pessoa irresponsável. O meu pai é um plantador de cana-de-açúcar; se não fosse pela cana-de-açúcar, eu não teria educação, eu não estaria aqui. Então eu sei da importância do agronegócio, da importância da agricultura. Eu só acho que a gente não tem que brigar com o dado, com a ciência. A gente tem que trabalhar a partir dela”, diz a pesquisadora.

NOUTRA PARTE

Bülent Şık, um engenheiro de alimentos e ativista de direitos humanos turco, foi condenado a 15 meses de prisão por divulgar os resultados de uma pesquisa em um jornal. O estudo foi encomendado pelo Ministério da Saúde da Turquia para verificar se havia uma conexão entre toxicidade no solo, água e alimentos e a alta incidência de câncer no oeste do país. Ao longo de cinco anos, Şık e sua equipe descobriram níveis perigosos de substâncias como pesticidas e metais pesados em várias amostras de alimentos e água da região. Na água, havia também poluição por chumbo, alumínio, cromo e arsênio. Em 2015, finda a pesquisa, ele pediu ao governo que tomasse providências; em abril de 2018, após três anos de espera, decidiu levar as descobertas a público por conta própria. 

CRISE DE VACINAS

Ontem, Luiz Henrique Mandetta participou de uma reunião com outros ministros da saúde na sede da Organização Pan-americana de Saúde, em Washington. E disse à imprensa que o mundo vive uma crise de produção de vacinas, particularmente em relação à proteção contra o sarampo que voltou a ser um problema generalizado. “Os preços das vacinas, a gente imagina que deve ter tendência de alta, porque vai acabar prevalecendo a lei de mercado”, disse, apontando que a OMS deveria discutir o assunto. Segundo ele, por aqui, ficou decidido que o Ministério vai financiar o projeto do complexo industrial de vacinas na Fiocruz. De acordo com Mandetta, é “um investimento alto, mas é uma questão de segurança ter seu fornecedor principal de suas vacinas principais”.

Uma reportagem especial da Carta Capital relembra que há dois anos e meio, o Ministério da Saúde anunciou um aporte de R$ 54 milhões para outro grande produtor de vacinas, o Instituto Butantan. A ideia era reforçar a produção de biológicos, dentre eles a vacina pentavalente que está em baixa nos estoques brasileiros. Mas, segundo o instituto, o dinheiro nunca chegou. Segundo a repórter Thais Reis Oliveira, ao longo dos anos o Butantan foi de afastando da produção de vacinas para o SUS e deu uma guinada em direção a parcerias com o setor privado. “Em setembro, a cúpula do instituto foi à China assinar uma carta de intenções para desenvolver outro tipo de pentavalente, para o rotavírus, em parceria com uma empresa asiática, a BravoVax, e outra americana chamada ExxellBio. A intenção é abastecer esses mercados, bastante afetados pela doença. Ao contrário daquela que rareia no estoque do SUS, essa vacina para o rotavírus não é oferecida pela rede pública. E nas clínicas privadas custa 250 reais a dose”, escreve. Funcionários criticam esse direcionamento, mas sob anonimato.   

FATO CONSUMADO?

Nem parece que esse é o assunto mais importante do país. É com pouco destaque tanto nos sites dos grandes, quanto no dos pequenos veículos de imprensa que a reforma da Previdência deve ser votada hoje em primeiro turno no plenário do Senado. Para passar, a proposta de emenda à Constituição precisa ser apreciada em dois turnos. A meta do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), acordada com líderes de vários partidos, é que isso aconteça até o dia 10 de outubro. Segundo ele, são necessários 49 votos para a PEC ser aprovada e ela já tem o apoio de 60 senadores.

Os movimentos estudantil e sindical convocaram para amanhã e quinta 48 horas de lutas… mas contra os cortes na educação. De olho no timing, o MEC anunciou ontem o desbloqueio de quase R$ 2 bilhões para universidades e institutos federais.

Aliás, as centrais sindicais articulam no Congresso uma outra PEC, que garanta sustentabilidade às entidades de patrões e empregados. De acordo com o texto em discussão, só os trabalhadores sindicalizados se beneficiariam do resultado de negociação dos sindicatos, como aumentos salariais.

NOVO PARASITA

Segundo pesquisadores brasileiros, pelo menos desde 2011 uma doença misteriosa está infectando pessoas em Sergipe, particularmente em Aracaju. A enfermidade tem sintomas parecidos com os da leishmaniose visceral, mas é causada por um parasita diferente, não documentado, semelhante a outro que infecta apenas insetos, não mamíferos. A descoberta aconteceu a partir do caso de um paciente que morreu em 2012. O homem apresentou alguns sintomas de leishmaniose, mas não respondeu a tratamentos e, diferente do quadro dessa doença, desenvolveu lesões na pele pelo corpo inteiro. Os tecidos da pele foram analisados e, através do sequenciamento genético, o parasita foi comparado a outros protozoários. Além disso, testes em camundongos foram feitos e os bichos desenvolveram as mesmas lesões que a primeira vítima documentada. Depois, pacientes foram rastreados e se descobriu que 141 deles foram vítimas do novo parasita. A investigação foi publicada na Emerging Infectious Diseases e é liderada por Sandra Regina Costa Maruyama, da UFSCar. 

AMEAÇA NAS CRIAÇÕES

Um estudo publicado na Science concluiu que a resistência antimicrobiana está se espalhando rápido nas criações animais de países em desenvolvimento, principalmente no nordeste da Índia e no norte da China. O sul do Brasil e partes da Turquia, Quênia, Egito, Vietnã e África do Sul também foram apontadas como áreas de grande preocupação. 

Os pesquisadores apontam que a produção industrial de animais consome nada menos que 73% de todos os antimicrobianos produzidos anualmente. Para impedir que a resistência continue crescendo, os países em pior situação precisam tomar uma “ação imediata” para regular o uso desses remédios e adotar práticas de biossegurança que já são mais comuns nos de alta renda. Mas os autores também afirmam que os países mais ricos da Europa e da América do Norte precisam fazer algo para apoiar a “transição para a produção animal sustentável”. É que, embora muitos tenham regulamentos estritos sobre o uso de antibióticos agrícolas, ainda importam carne de locais com leis mais frouxas. 

SEM DEBATE?

A Abrasco lançou nota sobre as alterações que o Ministério da Saúde quer fazer no financiamento da atenção primária, anunciadas em julho. Como dissemos aqui, a ideia é que o repasse aos municípios leve em conta o número de pacientes cadastrados e o desempenho das equipes a partir de certos indicadores, e o próprio secretário de Atenção Primária da pasta, Erno Harzheim, deu a entender que os recursos para os municípios devem cair. É uma baita mudança. E, segundo o texto da Abrasco, esse debate deve ser ampliado, com a discussão de alternativas em atores como o Conselho Nacional de Saúde, o Conass e o Conasems, além da academia e de entidades da sociedade civil.

ELE NÃO

Era esperado: a Folha de hoje traz uma reportagem informando que o novo diretor da Anvisa, o militar Antônio Barra Torres, deverá ser um ponto de resistência dentro da própria agência no momento de discussão da norma sobre plantio de cannabis medicinal. Para ser aprovada, a regra precisa da aprovação da maioria dos cinco diretores da agência. Barra Torres foi indicado por Bolsonaro, que já o convidou até para ir ao Planalto em meio a especulações de que ele poderia assumir o controle da Anvisa antes do fim do mandato do atual diretor-presidente, William Dib. 

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