Como os governos financiam doenças

Subsídios a combustíveis fósseis custam US$ 300 bilhões em todo o mundo — e mais US$ 2,7 trilhões para lidar com seus impactos na saúde. Leia também: comissão aprova criação de PL sobre uso medicinal da maconha

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Por Raquel Torres

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FINANCIANDO DOENÇAS

Governos ao redor do mundo gastam quase US$ 300 bilhões para subsidiar combustíveis fósseis – mas o ‘retorno’ disso é um gasto de US$ 2,7 trilhões devido aos impactos da poluição do ar na saúde, com doenças, mortalidade e perda de produtividade. E ainda tem, é claro, o impulso para a crise climática.  As informações fazem parte de um artigo divulgado ontem pela Vital Strategies e pela NCD Alliance, que traz não só dados globais como divididos por países. Nos de baixa e média renda, os custos atribuíveis a esses subsídios chegam a ser cinco vezes maiores do que o investimento total em saúde dos governos. Na União Europeia e nos EUA, os subsídios ficam em torno de dois bilhões de dólares por ano, enquanto os problemas da poluição do ar geram custos cem vezes maiores – 200 bilhões.

E a poluição do ar é a maior causa ambiental de doenças e mortes, segundo outro estudo, também lançado ontem por pesquisadores do Brasil, África do Sul, EUA e Alemanha. São pelo menos cinco milhões de mortes por ano. A matéria do Health Policy Watch lembra que hoje, especificamente na área da saúde, já se defende bastante o corte de subsídios a produtos como bebidas açucaradas, tabaco e álcool, mas pouco se fala sobre fazer o mesmo com combustíveis, que ainda são em geral considerados um ‘tópico’ do meio ambiente.

É verdade que, na Cúpula do Clima da ONU, o secretário-geral do organismo António Guterres pediu que os líderes mundiais pensem nisso, e havia a intenção de se lançar um plano geral para combate à poluição do ar – mas os Estados Unidos bloquearam a iniciativa, segundo o Valor.

Lembrando: aqui no Brasil, os subsídios a esses combustíveis somaram R$ 85 bilhões no ano passado. O orçamento do Ministério da Saúde ficou em torno de R$ 130 bi. As internações por doenças respiratórias custaram R$ 1,3 bilhão ao SUS e, na última década, as mortes causadas pela poluição do ar aumentaram 14%

NO MAR…

Um vazamento de petróleo cru já se espalhou por oito dos nove estados do Nordeste, e foi identificado numa faixa de mais de dois mil quilômetros da costa brasileira. Segundo o governo federal, é de origem desconhecida, e de um tipo não produzido aqui. Os órgãos ambientais afirmam que o vazamento foi causado por uma embarcação no alto-mar. 

MULHERES NA RUA

Além das violências diárias sofridas pelas populações de rua em geral, as mulheres têm mais um quinhão. Não raro, são vítimas de violência sexual,  e têm acesso limitado a serviços de saúde – assim como ao aborto legal – quando engravidam. Lola Ferreira, da Gênero e Número, passou três dias ouvindo mulheres que vivem nessa situação no Rio de Janeiro. Conversou também com Elicarla Álvares, ex-moradora de rua que atualmente vive em uma ocupação e é uma das articuladoras na Comissão Especial para a População em Situação de Rua da Câmara Municipal. “Ela vivenciou as suas duas gestações em situação de rua, e explica que, para se proteger, escondeu até o último momento seu ‘estado’. O principal medo é a sondagem para que o filho seja entregue à adoção por intermédio de agentes do Estado, mas também há o receio de ser mal atendida em um pré-natal”, diz a matéria.

Quem mais chega perto dessas mulheres são os Consultórios de Rua, elogiados por Elicarla, mas considerados insuficientes. Em outros serviços, ela avalia que o tratamento é pior. “No posto de saúde, [os profissionais] tratam mal, fazem a pessoa ficar na fila. Todos [que não moram na rua] são atendidos na frente. Por mais que o Consultório de Rua exista, sempre há falhas. Sempre há a troca de médicos, e as mulheres em situação de rua se queixam muito. Muitas mulheres não fazem pré-natal, não fazem preventivo. Existe uma barreira e elas se questionam: ‘Vou abrir as pernas para o médico [fazer exame], mas e se ele me violentar?’. Elas têm medo”, diz.

PRA COMPLETAR

Oito em cada dez municípios brasileiros não têm nenhuma estrutura de apoio a mulheres que são vítima de violência. Nenhuma. E ainda há casos em que essa estrutura só existe no papel. A matéria da Piauí conta como, em muitos lugares, as mulheres não são bem atendidas, sofrem constrangimentos e levam até cantadas depois do boletim de ocorrência. “No interior, quando não tem delegacia especializada, muitas vezes os delegados querem que o casal faça as pazes. A mulher foi espancada pelo marido. O delegado chama os dois e os faz conversarem”, diz a advogada Paula Lopes, coordenadora da ONG Centro de Defesa dos Direitos da Mulher, em Maceió. Mais de uma vez, ela ouviu mulheres dizendo que, após denunciarem agressões em delegacias, receberam mensagens com cantadas no número de telefone que deixaram no B.O.

MUDANÇAS À VISTA

A crise dos cigarros eletrônicos nos EUA não pára: agora, o número de mortes chegou a 12, e os casos investigados dispararam para 850. No meio disso, a Juul, empresa que domina o mercado e que até pouco tempo ia de vento em popa, já não caminha tão bem. Na quarta, Kevin Burns, seu presidente-executivo, renunciou depois que os planos de fusão entre suas maiores investidoras – Altria e Philip Morris – entraram em colapso. Seria um negócio de quase US$ 200 bilhões, mas a Philip Morris se afastou da jogada.

Nisso, Burns vai ser substituído por K.C. Crosthwaite, ex-executivo da Altria, que é uma das maiores produtoras de tabaco do mundo e recentemente havia comprado 35% das ações da Juul. “A instalação de um CEO da indústria do tabaco, depois que uma empresa de cigarros comprou uma participação importante na Juul, levanta uma questão: a Juul se tornou o Big Tobacco?“, pergunta a matéria da Vox

Pois é. A empresa se firmou em cima de uma propaganda de que os cigarros eletrônicos seriam melhores do que os convencionais, e inclusive uma alternativa para que fumantes largassem o vício. A ideia era que, em breve, o tempo dos cigarros ficaria para trás. Já não está mais colando. A empresa largou o antigo slogan (‘Make the switch‘, que literalmente significa ‘Faça a troca’) e ainda não tem um novo bordão. 

VAI VIRAR PL

Ontem a Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou uma sugestão legislativa da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc) para estabelecer regras para a fiscalização e a tributação da cannabis medicinal. Com isso, a matéria vai passar a tramitar como projeto de lei. Ela trata dos produtos, processos e serviços relacionados à maconha medicinal e ao cânhamo industrial; prevê que as normas sobre plantio, cultura e colheita sejam de responsabilidade de uma autoridade agrícola do Estado; e que a pesquisa sobre medicamentos e sobre a produção do cânhamo industrial sejam fomentados pelo poder público.

O texto não passou na íntegra: inicialmente com 113 artigos, ficou com apenas seis. Antes, propunha normas de procedimento e regulamentação sobre aspectos como pesquisa, registro, rotulagem e publicidade; também sugeria a criação de associações de pacientes para produção, processamento, armazenamento e compartilhamento de produtos entre os sócios, cultivo caseiro e produtos caseiros de maconha medicinal. Segundo o relator, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a redução do texto foi necessária para contornar problemas de inconstitucionalidade e injuridicidade. 

PROTEÇÃO DE DADOS

A Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor daqui a menos de um ano, em agosto de 2020. Mas só 8,7% das empresas de saúde afirmam que já estão prontas para atender a suas exigências, segundo uma pesquisa da Serasa Experian divulgada pelo Valor. Um “desafio” ressaltado pela reportagem é que não será permitido compartilhar dados de saúde com o objetivo de obter vantagem econômica

SEMANAL

A partir de outubro, o Ministério da Saúde vai adotar um novo modelo de divulgação de informações epidemiológicas: vai ser um boletim único para diferentes doenças, a ser publicado semanalmente.  Ontem, foi lançado um boletim especial com dados sobre os últimos 16 anos, com 39 doenças e 16 agravos e eventos em saúde pública. 

EM IMAGENS

Vista aérea de gelo se desfazendo na Groenlândia, uma terrível cena de enchente no Quênia, corais que produzem um ‘protetor solar’ fluorescente para evitar o superaquecimento fatal… Fotografias sobre a crise climática estão na seleção das melhores imagens de ciência da Nature em setembro.

AGENDA

Em João Pessoa, começa hoje o 8º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, o Abrasquinho. A programação está aqui

E amanhã é o Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. em várias cidades vai se encerrar o Festival pela Vida das Mulheres, um conjunto de atividades puxado pela Frente Nacional pela Legalização do Aborto. Aqui, o que está programado em diversas regiões. 

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