O “Cannabusiness” já age no Brasil

Plantio segue ilegal, mas corporações já se movimentam para dominar o mercado brasileiro da maconha medicinal — que pode gerar até R$ 4,7 bilhões por ano. Leia também: as ilegais regras do Conselho de Medicina sobre grávidas

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Por Raquel Torres

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CANNABUSINESS

A capa da Folha ontem chamou a atenção para o potencial mercado da cannabis medicinal no Brasil. Apesar de ainda não haver legislação favorável – e de o atual governo desaprovar a regulação do plantio –, alguns empresários seguem otimistas. Inclusive, no mês passado vários deles participaram de um evento realizado pelo Lide Futuro e patrocinado pela indústria farmacêutica chamado Cannabusiness: um mercado bilionário. Mesmo que não se consiga regulamentar o plantio, há uma expectativa de que o registro do medicamentos seja facilitado. 

Há exemplos do quanto algumas companhias estão investindo. Como a Canopy Growth, com ações na Bolsa de Nova York e avaliada em mais de R$ 50 bilhões. Ela abriu recentemente uma filial da Spectrum Therapeutics (dedicada aos produtos medicinais) em São Paulo e pretende colocar R$ 60 milhões no Brasil até 2020, dependendo de como ficar a situação na Anvisa. Uma estimativa das empresas de dados do setor New Frontier e Green Hub prevê que poderiam ser movimentados entre R$ 1,1 bilhão e R$ 4,7 bilhões por ano; a projeção mais entusiasta considera que o país tenha ao menos 3,9 milhões de pacientes que poderiam ser tratados com cannabis. Hoje, cerca de quatro mil pessoas têm autorização da Anvisa para importar os produtos, o que custa R$ 1,2 mil reais por mês a cada paciente.

No mesmo jornal, uma reportagem nos leva a João Pessoa para mostrar conta como funciona o cultivo da cannabis e a fabricação de produtos medicinais pela Abrace Esperança, única associação de pacientes que tem autorização judicial para fazer isso no Brasil. Há mais de dois mil pés de maconha crescendo em estufas, e os remédios vão para 2,5 mil associados que pagam uma anuidade de R$ 350 e entre R$ 150 e R$ 200 pelo óleo. Há pelo menos mil pessoas na fila de espera. 

No Twitter, o ministro da Cidadania Osmar Terra acusou a Folha de apoiar o “poderoso lobby maconheiro“. 

COM CIÊNCIA

Ainda não há evidências suficientes apoiando o uso dos tratamentos à base de cannabis para a maior parte das doenças. Entre 1988 e 2018, o número de estudos sobre isso cresceu de 33 para mais de mil, e eles investigam os efeitos em condições diversas, desde vômitos causados por quimioterapia até esquizofrenia. Só que a maior parte dessas pesquisas envolveu poucos pacientes, com pouco tempo de acompanhamento e sem um bom controle de outras variáveis que podem influenciar resultados. A aplicação com o maior número de estudos é o uso do CBD (sem efeito psicoativo) em casos graves de epilepsia e, nesse caso, há medicamentos com eficácia comprovada. 

Revisões sistemáticas – que analisam vários estudos ao mesmo tempo a partir de critérios rigorosos – têm apontado tanto limitações dos tratamentos quanto efeitos colaterais relevantes, como temos acompanhado aqui na news. Claro que isso não significa que os remédios não funcionem, mas, sim, que são necessárias mais pesquisas.  

NOS ELETRÔNICOS

Novidades sobre a doença pulmonar relacionada aos cigarros eletrônicos nos EUA. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças afirmou na sexta-feira que, segundo sua investigação, provavelmente a vaporização de líquidos com THC, o elemento psicoativo da maconha, tem um papel importante nos casos. Em 77% deles, os pacientes haviam usado a substância. A notícia vem bem no momento em que empresas canadenses de cannabis investem milhões de dólares em derivados de maconha  – incluindo produtos para vaporização.

ABORTO LEGAL

O ‘calvário’ que as brasileiras enfrentam para ter acesso ao aborto legal é descrito pelo Brasil de Fato nesta reportagem, que inclui o caso de Rebeca Mendes – primeira mulher que recorreu ao STF para interromper a gestação. Com o pedido negado, ela decidiu fazer o procedimento na Colômbia e sua história se tornou um marco. Sua saga, como a de outras mulheres, mostra que o aborto até é permitido quando põe em risco a saúde das mulheres, mas só até a página 2: a saúde mental não entra nessa equação. “Eu tinha um laudo psiquiátrico falando de todas as minhas doenças e não aceitaram. A saúde que eles consideram é só física, mas não a mental. Percebi que a minha doença não era uma doença”, conta Fernanda, de 38 anos, que já tinha cinco filhos e crises de pânico.

E a Folha traz um grande apanhado da legislação brasileira sobre isso (que já tem 80 anos), aponta onde estão os riscos de retrocesso e cita mulheres que foram legalmente punidas por praticar o aborto.  Há um caso impressionante que deve ir a julgamento em breve: a mulher fez aborto legal após ser estuprada e até fazer boletim de ocorrência (o que nem deve ser exigido, em tese, para ter acesso ao procedimento). Mas, depois, a delegacia contestou sua versão. “O órgão entendeu que ela não havia sido vítima de crime porque estava embriagada e, portanto, não poderia ter abortado”. 

OUTRAS ESCOLHAS

O Ministério Público Federal publicou uma recomendação para que as gestantes brasileiras não sejam obrigadas a passar por intervenções contra a sua vontade, durante o parto. Parece uma coisa básica, mas se torna necessário depois que o Conselho Federal de Medicinal expediu uma resolução dizendo que essa autonomia podia ser considerada “abuso de direito” da mulher em relação ao feto, não devendo, portanto, ser acatada pelos médicos. Segundo o MPF, as regras recém-estabelecidas são “flagrantemente ilegais”, porque ignoram a exigência de perigo de morte para que tratamentos recusados sejam impostos aos pacientes. “Tais regras esvaziam integralmente a autonomia das parturientes sobre seu próprio corpo, afastando suas escolhas e decisões quanto ao nascimento de seus filhos. De igual forma, conferem ao médico, de forma ilegítima e antijurídica, uma liberdade de atuação profissional ilimitada durante a assistência ao parto, independentemente do grau de risco a que se submetem mãe e feto, seja ele baixo, médio ou alto”, destaca a recomendação.

Os procuradores também afirmam que, além de contrariar o Código de Ética Médica, o desrespeito à autonomia da gestante é crime e os profissionais podem responder por constrangimento ilegal. Os médicos até podem discordar da gestante mas, se não há risco iminente de morte, eles não podem forçá-las a nada, apenas encaminhá-las a outros profissionais. 

CRIANÇAS VIOLENTADAS

A cada dez crianças e adolescentes que foram atendidos nos serviços de saúde após violência sexual em 2018, quatro já tinham sido agredidas antes. Os dados foram obtidos pela Folha com o Ministério da Saúde. E faz tempo que se relata o quanto é difícil para mulheres denunciarem estupros, mas o caminho que deve percorrido pelas crianças é menos conhecido. Segundo a reportagem, ele é péssimo também. Em 2017 foi aprovada a chamada Lei da Escuta Protetiva, para diminuir ao mínimo possível a quantidade de vezes que a criança relata o abuso.  O problema é que ainda há desconhecimento disso nos tribunais: “A criança chega ao conselho tutelar, e o conselheiro faz uma série de perguntas para entender o que aconteceu. Mas não é atribuição dele fazer esse interrogatório. Aí encaminha ao Creas [Centro de Referência Especializado de Assistência Social], e o assistente social faz ela relatar de novo a situação do abuso. Quando chega ao Judiciário, que é quem tem que lidar com isso em termos de responsabilização criminal, a criança já foi ouvida sete, dez vezes. E, em cada vez, ela é revitimizada”, diz Jennifer Luiz, da Fundação Abrinq. 

STARTUPS DE TERAPIA

Crescem – e aparecem – os problemas de saúde mental dos trabalhadores do Vale do Silício. E a reportagem do New York Times traduzida pelo Estadão conta como se desenvolve junto uma forma de tratar os males da tecnologia… com mais tecnologia: “Agora, temos a terapia sob demanda. Métricas de avaliação das terapias. Terapeutas oferecendo alto retorno do investimento. Aplicativos que encontram o melhor terapeuta para o usuário com base em ferramentas típicas do namoro”. Na startup de terapias Kip, por exemplo, as anotações dos terapeutas se tornam dados, os clientes registram seu humor em tempo real e tudo isso se serve para determinar o quanto os níveis de felicidade e ansiedade estão se alterando. Sem garantias nem proteções jurídicas nos apps, os riscos são bem evidentes. 

AGENDA SECRETA

No site do Ministério do Meio Ambiente, são dias “sem compromissos”. Na vida real, há encontros com a farmacêutica e produtora de agrotóxicos Bayer, com a Volkswagen e com “investidores ingleses” de mineração, petróleo e gás e energia, entre outros setores. Assim é a agenda secreta do ministro Ricardo Salles no exterior, nestes dias. O que ele estará conversando? O Intercept promete descobrir. 

INQUÉRITO

No Rio, o Ministério Público abriu na sexta um inquérito civil para apurar o aumento da letalidade policial este ano, no governo Witzel. Já foram 1,2 mil mortes até agosto.

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