Cannabis: o abismo entre o Brasil e o México

Enquanto Bolsonaro briga até contra o cultivo para fins medicinais, López Obrador propõe estatal para comercializar a planta. Leia também: fogo na Amazônia faz dobrar número de crianças internadas; casos de sarampo passam de 6 mil

Imagem: Cannical.com
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

LÁ E CÁ

Na terça-feira que vem, a Anvisa vai apresentar sua proposta de regulamentação da Cannabis medicinal. Com a data se aproximando, uma empresa chamada Schoenmaker Humako emitiu um comunicado informando que entrou com uma ação judicial contra a União e a agência reguladora pelo direito de importar e plantar sementes da planta para fins medicinais. Ganhou atenção geral, é claro. A companhia fundada por holandeses afirma que entrar na Justiça “é a única forma de produzir legalmente essa cultura”. A empresa pretende cultivar o cânhamo, que não é psicoativo. 

Em entrevista à Folhao diretor-presidente da Anvisa, William Dib, se disse otimista em relação ao desfecho dessa verdadeira novela, que tem no ministro da Cidadania Osmar Terra seu grande vilão: “Essas coisas [pressão do governo] para mim são normais. Tem gente que não admite o jogo democrático. Acho que faz parte do processo. Vai parecer que estou criticando o governo, mas não estou. Não faz parte da minha cultura discutir o que não é meu dever. Só posso discutir medicamento à base de Cannabis. Fora isso, não é meu papel.” 

Enquanto isso, no México, o partido do presidente Lopez Obrador quer criar uma empresa estatal para garantir o monopólio da comercialização da planta. A companhia – Cannsalud – seria encarregada de comprar maconha dos produtores e vendê-la aos donos das lojas e à indústria farmacêutica. Mas a reforma apresentada pelo coordenador da bancada do Movimento Regeneração Nacional (Morena) na Câmara, Mario Delgado, vai além e prevê que os mexicanos possam cultivar até seis plantas em suas casas. Para ver como as coisas por lá estão opostas ao Brasil, a proposta de Delgado surpreendeu muita gente, mas ele pode ter buscado nessa pauta mais visibilidade pois disputa a presidência do Morena. Isso porque já existe outra proposta de legalização tramitando por lá, mas no Senado. Enviada pelo próprio governo, regula até o consumo do produto em locais públicos. A previsão é que seja votada ainda em outubro.

IMPACTOS DO FOGO

Nas áreas da Amazônia Legal mais afetadas pelo fogo, o número de crianças internadas com problemas respiratórios dobrou nos meses de maio e junho. Isso, na média. Porque em algumas cidades específicas, as internações quintuplicaram. Este ano, já foram nada menos que 30 mil internações, e os estados mais afetados foram Pará, Rondônia, Maranhão e Mato Grosso. O que é ruim para as famílias e também para o SUS, já que as hospitalizações geraram um custo excedente de R$ 1,5 milhão aos cofres públicos.

A conclusão é de um estudo do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz. Os pesquisadores apontam ainda que em cinco dos nove estados da região amazônica houve aumento na morte de crianças hospitalizadas por problemas respiratórios. Em Rondônia, por exemplo, de  janeiro a julho de 2018 foram cerca de 287 mortes a cada 100 mil crianças com menos de dez anos. No mesmo período deste ano, o número pulou para 393. Em Roraima, a taxa subiu de 1.427 para 2.398.

MAIS MORTES, MAIS CAMPANHA

Ontem, foram confirmadas mais quatro mortes por sarampo pela secretaria estadual de saúde de São Paulo. O anúncio elevou o número total de óbitos no estado para nove. As novas vítimas foram uma neném de 11 meses (não vacinada); uma mulher de 46 (em condições de risco); outra mulher, de 59 anos (sem registro de imunização); e um homem de 25 anos (também sem registro de vacinação). As mortes ocorreram em Itanhaém, Francisco Morato, Osasco e na capital, que detém 59% do total de infecções confirmadas em laboratório no estado, que chegaram a 5.411 ontem. Além destes, segundo O Globo, há 976 casos confirmados com base em sintomas e avaliação clínica, o que eleva o total para a casa dos 6,3 mil. 

Por tudo isso, o governo decidiu retomar campanhas de vacinação em SP. A primeira será iniciada na próxima segunda (7) e terá como público-alvo crianças de seis meses a cinco anos que ainda não foram imunizadas. O esforço vai até 25 de outubro e terá no sábado, dia 19, seu “Dia D”, com os postos de saúde abertos para a ação.

Já entre 18 e 30 de novembro, entra em cena a campanha para quem tem entre 20 e 29 anos. Esse grupo poderá receber a dose da tríplice viral (sarampo, rubéola e caxumba) ou da dupla viral (sarampo e rubéola), conforme a indicação do profissional de saúde.

PASSOU

O Senado concluiu ontem a votação em primeiro turno da reforma da Previdência. Faltavam seis destaques e foram todos rejeitados ou retirados, de modo que a única mudança ficou sendo a preservação das regras atuais do abono salarial a quem ganha até dois salários mínimos. Como isso “desidratou” a reforma, o governo prepara ajustes na articulação política para barrar mudanças de última hora na proposta de emenda à Constituição. De acordo com a Folha, Paulo Guedes ficou irritado e decidiu rever o “pacto federativo”, além da distribuição de recursos do megaleilão do petróleo para estados e municípios. As agendas do ministro da Economia com bancadas de senadores do PP, PSD e MDB foram canceladas ontem. Antes de ser votada em segundo turno, a reforma ainda passará por três sessões de discussão na Casa. O presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) reconheceu que a votação decisiva pode ficar para a segunda quinzena de outubro.

POR VOZ

Em audiência pública na Câmara, o Conselho Nacional de Saúde criticou a ausência de sua participação na proposta do Ministério de adotar uma ‘carteira de serviços’ para a atenção primária. “Esta carteira se serviços já foi rejeitada pelo Conselho, porque vai contra a nossa Constituição de 1988. Mesmo assim, ela tem sido aprovada na Comissão Intergestora Tripartite [CIT] e tem portarias pactuadas no âmbito da atenção primária à saúde”, disse a conselheira Shirley Marshall. Como sabemos, não é de hoje que a CIT, formada por representantes da gestão federal, estadual e municipal, ignora as posições do Conselho.

POR RECURSOS

Ontem aconteceu a Marcha pela Ciência. Representantes de cerca de 40 instituições de ensino superior e entidades estiveram no Congresso Nacional para pressionar deputados e senadores da comissão mista de orçamento. O objetivo é convencê-los a aumentar os recursos destinados à ciência, tecnologia e educação em 2020. Para ficar num exemplo, o valor colocado pelo governo Bolsonaro no PLOA, o Projeto de Lei Orçamentária Anual, corta 87% da verba do CNPq para o fomento à pesquisa em 2020. 

OUTRA DIREÇÃO

Um estudo publicado no ontem no New England Journal of Medicine traz mais informações sobre a misteriosa doença pulmonar relacionada a cigarros eletrônicos nos EUA. Após fazer biópsias de 17 amostras de tecidos retiradas de pacientes, os cientistas não encontraram evidências de que o problema esteja nos óleos usados pelas pessoas nos dispositivos. Isso contradiz a investigação do Centro de Controle de Doenças do país, que indicava justamente uma relação com esses óleos – na semana passada, o órgão anunciou uma possível relação com o uso de THC. A pesquisa sugere que as mortes e hospitalizações tenham a ver com vapores tóxicos que os cigarros eletrônicos podem emitir em certas situações. O número de mortes chegou a 16

Pra ler com calma, na Time: como a indústria do tabaco agiu para contornar e retardar leis anti-tabaco – e como a Juul, líder dos cigarros eletrônicos, está indo pelo mesmo caminho. 

No Brasil, a Anvisa solicitou a 252 instituições de saúde que enviem alertas sobre relatos de problemas relacionados ao uso de cigarros eletrônicos. A comercialização e a propaganda desses dispositivos são proibidos aqui, mas o uso é observado em várias cidades. 

EQUIDADE

Ontem, uma comissão da Organização Pan-americana de Saúde lançou o relatório Sociedades justas: Equidade em saúde e vida com dignidade, que observa a desigualdade dentro dos países e entre os países das Américas. O documento reúne evidências sobre a relação entre saúde e fatores sociais, como posição socioeconômica, etnia, gênero, orientação sexual, condição de deficiência e situação de migrante. Outros fatores estruturais, como ameaças ambientais, também são apontados como determinantes. Segundo a organização, a saúde na região melhorou nas últimas décadas, mas os avanços desaceleraram ou até regrediram em alguns países. Nos EUA, por exemplo, a expectativa de vida caiu por três anos consecutivos. O relatório traz 14 recomendações para alcançar equidade, entre elas, a promoção de trabalho decente, renda e proteção social.

27 ANOS DO MASSACRE

Ontem fez 27 anos do massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos pela tropa de choque da PM paulista. Centenas de pessoas marcharam pelo Centro de São Paulo, cobrando justiça. Hoje, a cada dez vítimas do massacre, só duas famílias receberam indenização, num valor que não passou de R$ 35 mil; nenhuma pessoa foi presa nem responsabilizada e, no ano passado,  a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça decidiu por unanimidade anular a condenação de 74 policiais militares.

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