Pazuello: 60 dias com ele (e sem ministro)

Gato de Schrödinger da vez, general está vivo e morto na pasta. “Essa interinidade é uma intervenção política. É o álibi para que o Ministério da Saúde não funcione”, avalia pesquisador da Abrasco

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Eduardo Pazuello é o gato de Schrödinger da vez. Hoje, o general completa 60 dias à frente do Ministério da Saúde – na condição de interino. Virou de cabeça para baixo a política sanitária brasileira ao levar para a pasta mais de 20 militares – 14 da ativa –, quase todos sem experiência na área, mas colocados em postos estratégicos. O esquadrão usa um mesmo expediente para intimidar funcionários de carreira em reuniões: citam o nome do general. Para gestores traumatizados pela confusão da gestão Nelson Teich, Pazuello tem sido elogiado pelo mínimo que se espera de alguém na sua posição: estabelecer canais de diálogo. Desse ponto de vista, o general está vivo dentro da caixa.

Contudo, há um constrangimento no ar – e ele não se deve aos quase dois milhões de casos confirmados do novo coronavírus, ou às 72 mil mortes em si, mas à percepção delas. A dura crítica feita pelo ministro Gilmar Mendes no sábado, quando disse que o Exército está se associando a um “genocídio”, parece ter gerado um desconforto diferente que dá a impressão de que o gato pode estar morrendo.

Segundo o Estadão, militares estariam “muito incomodados com o tempo que Pazuello já ocupa a pasta da Saúde”. O general teria sido orientado a ir para reserva caso queira continuar como ministro interino ou deixar o cargo se a opção for permanecer como militar da ativa. No caso dele, a situação é tão precária quanto sua posição. Ao contrário de Luiz Eduardo Ramos – que, depois de meses como ministro sendo general da ativa, foi pressionado a ir para a reserva se quisesse continuar na Secretaria de Governo –, Pazuello renunciaria à carreira no Exército em troca da interinidade. 

E, de acordo com a colunista Mônica BergamoJair Bolsonaro e seu núcleo mais próximo teriam recomeçado a buscar nomes para assumir o Ministério da Saúde. Mas a configuração pode ser tão problemática quanto na gestão Teich, já que Pazuello poderia continuar como iminência parda, voltando para o comando da Secretaria Executiva da pasta. O general estaria morto e vivo ao mesmo tempo.

O fato de olharmos para o Ministério da Saúde sem nunca saber o que ‘há dentro da caixa’ pode ser, na verdade, um efeito de ótica do qual o governo resolveu não abrir mão. “Essa interinidade é uma intervenção política. É o álibi para que o Ministério da Saúde não funcione. E ele não funcionando, acaba delegando para os outros entes atividades de coordenação que não competem a eles”, analisou Dário Pasche, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), para o El País Brasil

A reportagem do site, aliás, traz os relatos que abriram essa nota – feitos por trabalhadores do Ministério da Saúde que vivem essa situação tão excepcional na história da pasta, que já foi agredida antes (inclusive por ministros em exercício, como Ricardo Barros), mas nunca tão descaracterizada. 

“Estamos vivendo há meses uma situação muito difícil. Lá dentro, os colegas estão muito angustiados. Muitos técnicos continuam trabalhando presencialmente, mas ficam constrangidos até em usar máscara, como se fosse uma atitude ideológica. É como se tivesse virado coisa de comunista. Quem está com o governo não usa máscara”, desabafou um funcionário terceirizado que atua há 15 anos no Ministério, mas tem medo de ser demitido. “A situação interna hoje é muito ruim. As agendas são muito restritas e anti-técnicas. Os militares não conhecem a área e não dão muito espaço para os técnicos se posicionarem. Muitos estão aos poucos deixando de opinar porque é muito constrangimento. Eu sou um deles”, disse, por sua vez, um servidor, também em entrevista à repórter Beatriz Jucá.

Perna quebrada

A crítica de Gilmar Mendes de que o “vazio” no Ministério é uma estratégia para jogar a responsabilidade da resposta à pandemia no colo de estados e municípios gerou reações. Ontem, em nota conjunta com os comandantes das Forças Armadas, o ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva anunciou que entraria com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Mendes. Já o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse que o ministro do Supremo “cruzou a linha da bola ao querer comparar com genocídio o fato das mortes ocorridas no Brasil durante a pandemia, querer atribuir essa culpa ao Exército, porque tem um oficial-general do Exército como ministro interino da Saúde”. 

Quem bem definiu a reação dos militares foi o próprio Gilmar Mendes, que teria dito a interlocutores que sua fala “bateu em uma perna quebrada” do governo Bolsonaro. Segundo a colunista Bela Megale, o ministro se diz ‘tranquilo’ com a notícia de que será acionado na PGR. Talvez ele saiba que nada tem a temer. De acordo com a coluna Painel, da Folha, as cúpulas do Judiciário e do Legislativo não acreditam que a crise vá escalar. “Na PGR e no Centrão, o clima é de redução da fervura”. Sinal disso é que a tal representação não havia sido enviada à PGR até a noite de ontem. E, chegando lá, a análise deve demorar. “Jair Bolsonaro ficou distante e não quis entrar na discussão. Gilmar Mendes é o relator do caso de Flávio no Supremo”, notou a jornalista Camila Mattoso.

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