Os efeitos da operação que prendeu secretário de Doria e pesquisador da Fiocruz

Ação queima João Doria – que tenta conter danos – e pode beneficiar Bolsonaro

Imagem: Reprodução
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A Polícia Federal deflagrou, ontem pela manhã, a Operação Dardanários, mirando ‘conluios’ entre empresários e agentes públicos para favorecer determinadas empresas em contratações, especialmente na Saúde. Com ordens expedidas pelo juiz Marcelo Bretas, três pessoas foram presas: Alexandre Baldy, que é ex-deputado (pelo PSDB-GO), ex-ministro das Cidades do governo Temer e atual secretário dos Transportes de São Paulo; Rafael Lousa, ex-presidente da Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg), que teria sido indicado por Baldy para ocupar o cargo; e Guilherme Franco Netto, pesquisador da Fiocruz. A pedido do MPF, a Justiça bloqueou R$ 12 milhões dos alvos da operação. 

Havia outros três mandados de prisão, mas as pessoas não foram localizadas. Um dos foragidos é primo de Baldy: Rodrigo Dias, ex-presidente da Funasa no governo Temer e e ex-presidente do (bilionário) Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação no governo Bolsonaro. Como lembra o jornalista Guilherme Amado, Dias chegou a ser indicado para uma diretoria da Anvisa, mas nunca assumiu, devido a acusações de agressão à ex-mulher. 

Segundo a Procuradoria do Rio, a ação é de um desdobramento das operações Fatura Exposta, Calicute e SOS, que investigam desvios de verbas do estado para a Organização Social Pró-Saúde – e já resultaram na prisão de Sérgio Cortês, ex-secretário de Saúde do Rio, e do ex-governador Sérgio Cabral. 

Em delação premiada, ex-membros da Pró-Saúde disseram que houve “pagamento de vantagens indevidas para agentes que pudessem interceder em favor da OS em relação aos pagamentos do contrato de gestão do Hospital de Urgência da Região Sudoeste (HURSO), em Goiânia”. O dinheiro teria vindo a partir de contratos superfaturados, pagos em parte com verba do estado do Rio. Os investigadores identificaram também um esquema em que a Baldy e Rodrigo Dias agiam para beneficiar a empresa Vertude, ligada à tecnologia da informação, em contratos da Juceg  e da Fiocruz, por meio de sua Fundação de Apoio, a Fiotec. Em três imóveis de Baldy, a PF encontrou R$ 250 mil em espécie. Ao todo, o MPF indica que ele recebeu R$ 1,4 milhão.

Quem perde, quem ganha

As acusações contra Alexandre Baldy não têm nada a ver com o atual cargo dele no governo de São Paulo: as propinas teriam sido recebidas entre 2014 e 2018. Mesmo assim, a prisão obviamente pegou mais do que mal para João Doria – outras autoridades do seu governo já foram alvo de investigação, mas essa foi a primeira vez em que um secretário em exercício foi preso. “O incidente é bastante diferente das agruras recentes do PSDB, que viu seus antigos caciques José Serra e Geraldo Alckmin, ambos ex-governadores paulistas como Doria, acusados de crimes como caixa dois e lavagem de dinheiro. O constrangimento de estar numa sigla com líderes sob investigação, ao fim, poderia ser absorvido pelo fato de que nenhum dos alvos fazia parte de sua equipe. Baldy, por outro lado, era uma das estrelas do secretariado de Doria, e uma ponte com o Centrão – desde 2017 ele está no Progressistas, depois de ter entrado na política em 2010 no PSDB e tido uma curta passagem pelo Podemos. Além disso, o secretário tem grande interlocução tanto com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aliado de Doria, e o ministro Fábio Faria (Comunicação), o homem do PSD no governo federal. Baldy era visto com candidato certo a senador ou governador de Goiás em 2022.”, analisa o repórter Igor Gielow, na Folha.

Daí que, segundo o Estadão, o governador atuou o dia todo para que o secretário se afastasse de suas funções, buscando evitar o desgaste político de demiti-lo. Foi assim com Gilberto Kassab – que pediu licença da Casa Civil de Doria porque foi alvo de acusações de caixa dois – e Aloysio Nunes Ferreira – que, alvo da Lava Jato,  pediu demissão da presidência da Investe SP no ano passado. No começo da noite, Baldy enfim pediu licença do cargo para “se concentrar na sua defesa”. 

Não tem como passar desapercebido o fato de que, mais uma vez num curto período de tempo, uma operação da PF atinge em cheio um possível adversário do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Em maio, quando o alvo foi o governador do Rio Wilson Witzel (que, agora, sofre risco de impeachment), Bolsonaro deu “parabéns” à Polícia Federal. Ontem, seu filho Carlos postou em rede social uma foto em que Baldy aparece ao lado não apenas de Doria, mas também de Sergio Moro.

Pois é. Mesmo com todas as trapalhadas e quedas na popularidade de Jair Bolsonaro, ele ainda lidera as intenções de voto para o primeiro turno da disputa ao Planalto, segundo a Pesquisa PoderData, divulgada à noite pelo site Poder 360. Se as eleições fossem hoje – no meio da pandemia, das rachadinhas de Flavio Bolsonaro, do leilão de cargos para o Centrão – ele seria o preferido de 38% dos eleitores. A pesquisa não mencionou o nome de Lula mas sim de Fernando Haddad, que viria nada menos que 24 pontos abaixo, com 14%. Sergio Moro teria 10%. Como candidatos, o levantamento também incluiu Ciro Gomes (6%),  Luiz Henrique Mandetta (5%), João Doria (4%) e Flávio Dino (3%).  Entre as 2,5 mil pessoas entrevistadas, 12% votariam branco ou nulo e 8% não souberam responder 

Lacunas

Ainda não estão muito claras as circunstâncias que levaram à prisão de Guilherme Franco Netto, epidemiologista e pesquisador da Fiocruz. Ele foi citado na delação do empresário Ricardo Brasil Correa como integrante de um esquema ilícito que funcionou em Goiás: teria intermediado um contrato de R$ 4,5 milhões entre a Funasa e a Vertude em 2016, beneficiando a Vertude. Segundo a denúncia, a empresa foi subcontratada pela Fiocruz por meio de sua fundação de apoio, a Fiotec, e propinas a Alexandre Baldy e a Rodrigo Dias foram pagas a partir de então. Porém, os procuradores não apontam nenhum recebimento de dinheiro por parte de Netto por conta da suposta intermediação.

Ele é um nome respeitado na área de meio ambiente e sustentabilidade, responsável por estudos sobre o impacto do desastre da Vale em Brumadinho e sobre os recentes vazamentos de óleo no litoral nordestino. Ocupou cargos técnicos na secretaria de Saúde do Rio e na Funasa; foi diretor do departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do trabalhador do Ministério da Saúde entre 2007 e 2013; e foi ainda consultor de Desenvolvimento Sustentável e Saúde Ambiental da Opas, a Organização Pan-Americana de Saúde. Ao colunista do UOL Chico Alves, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão afirmou que os colegas estão “em choque“: “Estamos tentando entender o que aconteceu”.

Em nota, a Fiocruz afirmou que abriu um procedimento apuratório interno e que tem “convicção de que os fatos serão devidamente esclarecidos”. Já a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e o Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) dizem, também em nota: “Exigimos transparência e imediato esclarecimento sobre as razões dessa medida extrema, bem como ressaltamos a importância da presunção de inocência. Chamamos a atenção de toda a sociedade brasileira, da comunidade acadêmica, dos profissionais de saúde, bem como dos órgãos de imprensa comprometidos com a verdade, a democracia e a justiça, para que fiquem especialmente atentos em relação ao ocorrido. Além disso, é essencial que acompanhemos, com firmeza e em busca de justiça, seus desdobramentos. Não devemos permitir que acusações e conclusões precipitadas atinjam a honra de instituições e pessoas comprometidas com o país”. O sindicato dos trabalhadores da Fiocruz também publicou uma nota de solidariedade.

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