Entre o otimismo e a realidade

Declaração da OMS não é pessimista: uma vacina eficaz ainda não significaria o fim da crise

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Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 5 de agosto. Leia a edição inteira.
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Gerou bastante alarde a declaração dada na segunda-feira pelo diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS).Tedros Ghebreyesus afirmou que talvez nunca exista uma vacina eficaz contra o novo coronavírus. O governador de São Paulo João Doria (PSDB), por exemplo, disse que “é preciso ter um pouco de otimismo realista“. Ontem, o diretor de Doenças Transmissíveis da Organização Pan-Americana da Saúde, Marcos Espinal, esclareceu que não se trata uma constatação de que não vai haver vacina, mas sim de entender que não dá para concluir nada até que tenhamos algum teste de fase 3 concluído. 

A preocupação não é recente, se estende para além da descoberta e da fabricação de uma vacina, e aqui no Outra Saúde temos falado muito disso: a produção de insumos, a logística na conservação e na distribuição, as possíveis limitações dos novos imunizantes (como o não oferecimento de proteção total e uma eficácia que pode variar de acordo com a idade das pessoas) e a resistência de parte da população em se imunizar são alguns dos maiores problemas que devem ser enfrentados depois que uma boa vacina for aprovada. Não à toa, ainda em maio o diretor-executivo da OMS, Michael Ryan, avisava: “Desculpem se pareço cínico, mas vejam quantas doenças poderíamos ter eliminado com vacinas perfeitamente eficazes, como a do sarampo, e não o fizemos”. A descoberta de uma vacina pode dar a falsa ideia de que o problema estaria resolvido, quando a realidade provavelmente será outra.

No Brasil, acordos vão garantir a compra das primeiras dezenas de milhões de doses. Para o restante, deve haver transferência de tecnologia para a fabricação própria das vacinas pela Fiocruz e pelo Instituto Butantan. “Não vamos depender de uma circunstância que alguém, ainda que de forma insana, intercepte carga aérea em algum ponto do planeta”, declarou ontem João Doria, referindo-se à pirataria dos Estados Unidos na compra de respiradores. Será?

Especialistas não têm muita certeza e, na Reuters, explicam que o processo não é tão simples. “É impossível”, crava o ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, sobre a meta de produzir vacinas no Brasil em 2021. “Isso leva muito tempo. Talvez eles possam acelerar um pouco, mas não tanto”, completa. Um ex-diretor da Anvisa afirmou, anonimamente, que “um processo de transferência de tecnologia dura em média de cinco a dez anos. Quando o Brasil tiver a tecnologia completa, uma vacina covid-19 provavelmente não será mais necessária“.

Em tempo: a empresa de biotecnologia Novavax, dos Estados Unidos, apresentou ontem resultados (ainda não publicados com revisão de pares) de testes de sua vacina em seres humanos. São de fase 1 – muito preliminares, feitos com apenas 131 voluntários. Foi demonstrado que os participantes desenvolveram anticorpos (o que não é sinônimo de imunidade), mas 60% tiveram efeitos colaterais, e em 6% foram efeitos graves. A empresa recebeu US$ 1,6 bilhão do governo dos EUA, que garantiu cem milhões de doses até o início de 2021.

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