Saúde indígena entre a decisão do STF e a inação de Bolsonaro

STF decide obrigar governo federal a proteger indígenas na pandemia. Plano irá sair do papel?

Foto: Alex Pazuello / Prefeitura de Manaus
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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, obrigar o governo Jair Bolsonaro a adotar medidas para proteger a população indígena durante a pandemia. Na verdade, o Executivo já deveria estar atuando nesse sentido (mesmo que não por iniciativa própria). Uma decisão liminar em favor da ação julgada ontem já está valendo desde o dia 8 de julho. Por coincidência, foi nessa data que o presidente retalhou um projeto de lei aprovado no Congresso com o objetivo de proteger não só indígenas, mas também quilombolas e outros povos tradicionais na crise sanitária. A caneta de Bolsonaro riscou, por exemplo, a obrigação de fornecer água potável a esses territórios. O PL, que se tornou o mais vetado da história brasileira, previa a execução de um plano emergencial com várias ações, como testagem e controle do acesso às terras indígenas.

Por isso, a decisão do Supremo está sendo considerada outra derrota para o governo, obrigado a cumprir um papel constitucional que recusa.  Entre as ações impostas, está a elaboração de um plano de enfrentamento à pandemia voltado para os povos indígenas, a criação de uma sala de situação para monitorar mortes e casos, a instalação de barreiras sanitárias para proteger aldeias em isolamento e o desenho de outro plano, desta vez para retirar ocupantes ilegais de áreas protegidas. 

Esse último ponto causou divisão entre os ministros do STF. A ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em conjunto com partidos políticos pedia a retirada de invasores de sete terras. No território Yanomami, por exemplo, a situação chegou ao limite, e há cerca de 20 mil invasores atraídos pelo garimpo ilegal. Até ontem, já havia 227 casos de indígenas infectados por lá. Edson Fachin defendeu que a retirada deveria ser imediata, dado o risco de contaminação pelo vírus. O restante votou com o relator da ação, Luís Roberto Barroso, entendendo que a União precisa planejar a desintrusão para depois executá-la. 

É de se duvidar que o plano saia do papel num contexto em que o órgão federal criado para proteger os indígenas prioriza o licenciamento de uma linha de energia ao invés da proteção de índios isolados. O repórter André Borges revela que o presidente da Funai enviou uma carta aos indígenas Waimiri Atroari, de Roraima, em que argumenta que ‘não dá para esperar o fim da pandemia’ para enviar tradutores ao local. Esse trabalho é necessário para que a ligação entre o estado e o sistema de transmissão de energia nacional seja feita – “e o presidente Jair Bolsonaro cobra a liberação desde que entrou no Palácio do Planalto”, ressalta a matéria. Os indígenas tiveram de responder o óbvio a Marcelo Xavier: “Não vemos novas alternativas eficientes que impeçam essa doença de chegar à terra indígena senão o isolamento social e respeito à quarentena”.

Xavier completou um ano de Funai. Sua atuação segue o script bolsonarista de colocar em postos-chave pessoas que atuam contra a missão dos órgãos que comandam: “Nos 365 dias em que esteve à frente da Funai, ele seguiu à risca a promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro de não demarcar ‘nenhum centímetro’ de terra indígena e não deu sequência a nenhum processo de homologação de terras indígenas. Mais: o órgão vem desistindo de processos de demarcações em disputa na Justiça, mesmo quando há decisão favorável aos indígenas em instâncias anteriores”, resume o site De Olho nos Ruralistas, que desencavou uma história e tanto. 

Em 2014, Xavier foi afastado da coordenação das ações de desintrusão da terra indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso, depois que interceptações telefônicas mostraram que ele colaborava com os invasores. Mais tarde, Xavier atuaria como consultor dos ruralistas na escandalosa CPI da Funai e do Incra aberta no Congresso para criminalizar indigenistas.

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