Mortes entre vacinados: como discuti-las sem cair na armadilha bolsonarista?

Pressão negacionista tem bloqueado importante debate sobre proteção aos grupos mais vulneráveis. Reforçar que as vacinas funcionam, minimizam internações e mortes e são estratégia coletiva é tão necessário quanto abrir discussão sobre adoção ou não de reforço vacinal

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A morte de Tarcísio Meira já causaria imensa comoção em tempos pré-pandêmicos, por ele ser um dos nomes mais marcantes da dramaturgia brasileira, com décadas de atuação na TV, cinema e teatro. Mas o ano é 2021, o ator foi vítima da covid-19 e essa comoção veio em três frentes: o pesar por mais uma perda; o desalento porque cada ícone que morre nos faz lembrar os outros 566 mil brasileiros que também se foram; e a dúvida sobre a eficácia das vacinas. 

Tarcísio Meira, de 85 anos, havia tomado em março a segunda dose da CoronaVac – justo alvo preferido das críticas do presidente Jair Bolsonaro. Sua esposa, a atriz Glória Menezes, recebeu o mesmo imunizante e está internada, mas já em vias de ter alta. Obviamente, não tardou para que as redes bolsonaristas politizassem o adoecimento do casal e a morte do ator.

Vários veículos de imprensa publicaram reportagens reforçando o que já sabemos: não há dúvidas de que as vacinas funcionam e reduzem muito o risco de alguém ser hospitalizado e morrer por covid-19, mas nenhuma oferece blindagem total. Quanto maior a circulação do vírus na comunidade, maior o risco que os vacinados correm. E isso é especialmente perigoso para quem já tem o sistema imune mais fragilizado e naturalmente responde pior às vacinas em geral – como os idosos e imunodeprimidos.

Tudo indica que todos os imunizantes em uso até agora apresentam uma queda de eficiência nesses grupos. Não à toa, vários países estão discutindo ou pondo em prática a aplicação de terceiras doses para os mais vulneráveis – ontem foi a vez de o governo dos Estados Unidos anunciar essa decisão. Mas também há que se considerar que as vacinas não são todas iguais (mesmo que seja difícil compará-las a partir dos ensaios clínicos e outros estudos já realizados, uma vez que os protocolos são sempre diferentes uns dos outros). Por isso, o Chile optou por dar o reforço apenas quem recebeu a CoronaVac. Também por isso, o governo do Uruguai optou por oferecer a vacina da Pfizer aos idosos e profissionais de saúde, e a CoronaVac aos adultos com menos de 70 anos.

Infelizmente, o Brasil parece ter caído em uma espécie de armadilha bolsonarista em relação a isso: como esse debate sempre pode servir de munição ao movimento antivacina no país (ainda pequeno, mas profundamente incentivado por Bolsonaro), ele acaba sendo evitado. O problema é que, com isso, podemos estar perdendo a chance de agir para melhorar a proteção aos mais vulneráveis. 

Há várias questões importantes em jogo. A proteção das vacinas cai com o tempo? Essa queda é mais acentuada em idosos? Como é o desempenho de cada uma delas em diferentes faixas etárias? Idosos e imunodeprimidos com esquema vacinal completo ainda têm mais risco de morrer do que jovens não-vacinados?

Algumas pesquisas ajudam a embasar essa discussão. Já comentamos aqui este trabalho que avaliou especificamente o desempenho da CoronaVac em idosos. No geral, a proteção para maiores de 70 anos foi de 59% contra hospitalizações e 71,4% contra mortes; o problema é que ela foi muito menor para pessoas com mais de 80 anos: 43% contra hospitalizações e apenas 50% contra óbitos. Outro estudo tratando do uso da vacina de Oxford/AstraZeneca no Brasil verificou 90% de proteção contra mortes para maiores de 70 anos em geral; no Uruguai, onde só a Pfizer/BioNTech foi usada para maiores de 70, os dados do Ministério da Saúde mostram uma efetividade de 96% para reduzir mortes. 

O que fazer?

Com ou sem debate, a decisão sobre o que fazer em relação aos idosos é do poder público. Segundo apuração do Estadão, a câmara técnica do Plano Nacional de Imunização (PNI) vai discutir hoje a tendência de internações de idosos. Já o Ministério da Saúde diz que acompanha estudos de efetividade das vacinas e, “caso seja necessária a administração de doses adicionais, o tema será levado à Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis”. Como se sabe, a pasta está financiando um estudo, conduzido pela Fiocruz, para avaliar o resultado da aplicação de doses de reforço a quem recebeu a CoronaVac há mais de seis meses. Os resultados, porém, só devem sair em novembro.

Enquanto não há nenhum outro movimento nesse sentido, é importante demais reforçar o tempo todo, em todos os canais, que a vacinação serve para diminuir – e não zerar – o risco de morte. E que todos, especialmente a população mais vulnerável, deve continuar se protegendo o máximo possível.

Em relação a isso, é muito difícil desfazer a imagem que o governo de São Paulo e a comunicação do Instituto Butantan criaram no começo do ano, quando divulgaram amplamente que quem tomasse a CoronaVac tinha “chance zero” de morrer (João Doria, aliás, até hoje não apagou esse tuíte). É certo que o ensaio clínico de fase 3 não encontrou mortes entre os vacinados, mas o próprio Butantan reconheceu que não havia casos graves em número suficiente no grupo placebo para que o resultado tivesse alguma relevância estatística. 

Foi uma grande falha de comunicação que não apenas deve ter impactado o comportamento das pessoas após a vacina – afinal, por que manter os cuidados se a chance de morrer é zero? –, como ainda vem ajudando a disseminar o pânico depois que as (previsíveis) internações e mortes entre vacinados começaram a pipocar. Não à toa, prints com posts do Butantan e de Doria sobre a eficácia de “100%” não param de se espalhar nas redes bolsonaristas – com a mensagem errada de que não vale a pena acreditar nos dados dos imunizantes, e que portanto não vale a pena se vacinar.

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