Manaus é primeira cidade a reabrir escolas da rede estadual

Mais de cem mil alunos vão voltar às aulas nas próximas semanas. No resto do país, só São Paulo e Distrito Federal estabeleceram datas. O que é preciso para um retorno seguro?

Foto: Tácio Melo/ Seduc Amazonas
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As aulas presenciais na rede pública de Manaus começaram a voltar ontem, de forma escalonada. É o primeiro lugar do país com o retorno das atividades nas escolas públicas, que tem mais de cem mil estudantes. A prefeitura garante que em todas elas haverá totens com álcool em gel e outras medidas para higienização. Os protocolos de segurança incluem “distanciamento social, uso obrigatório de máscaras e EPIs que serão distribuídos, monitoramento da saúde dos alunos, higiene pessoal e dos ambientes escolares, redução de 50% dos estudantes nas aulas presenciais, entre outras medidas”, segundo uma nota da secretaria de Educação. Na semana passada, a capital completou um mês do retorno nas escolas particulares e, pelo menos até o fim de julho, não houve novos casos de covid-19 confirmados entre os estudantes.

Não sabemos, porém, se trabalhadores e alunos estão sendo testados. “Nós teremos em cada escola uma pessoa que vai ser responsável por receber notificações de casos suspeitos, bem como um aplicativo que nos permite saber em tempo real se existe alguém com a suspeita de covid para que, imediatamente, sejam acionadas equipes da secretaria municipal de Saúde e da FVS, para identificar e testar esses casos e fazer todas as medidas preconizadas de isolamento social”, diz a diretora da Fundação de Vigilância em Saúde do estado, Rosemary Costa Pinto. Não está claro como isso tem sido conduzido. 

A testagem no ambiente escolar deve ser uma preocupação tão grande quanto, ou até maior, do que a garantia da higiene e do distanciamento social. Já vimos por aqui que, em todo o Amazonas, o número de testes PCR – que identificam o vírus durante a infecção, e são portanto fundamentais para identificar e estancar surtos – tem sido bastante reduzido. Nas últimas semanas, menos de 15% dos casos registrados diariamente foram confirmados por PCR. A maioria esmagadora dos resultados positivos veio pelos testes de anticorpos. O problema é que eles são pouco ou nada úteis para isolar contaminados.

Aliás, no Reino Unido um grupo de cientistas convocado pela Royal Society ressalta, em relatório, a importância de testes de rotina na volta às aulas – incluindo em funcionários e alunos assintomáticos. Isso seria fundamental para “evitar o fechamento total ou parcial das escolas ou faltas generalizadas decorrentes da transmissão dentro das escolas, o que causará mais perdas de aprendizagem, com todos os seus efeitos sociais e econômicos de longo prazo associados”.

No resto do país

Em cidades e estados diferentes, alunos do ensino médio da rede pública começam a admitir a possibilidade de repetir o ano de propósito: “No caso, não seria reprovar, seria fazer mesmo o segundo ano. A gente não está fazendo o segundo ano, nem sei o que a gente está fazendo. Todos os meus amigos estão com dificuldade, todos reclamam, ninguém está entendendo nada das matérias”, diz um estudante ouvido pela BBC Brasil. Num vídeo que viralizou nas redes sociais, Júlia Almeida, de 17 anos, diz o mesmo: “Não aprendi uma gota de matéria em cinco meses. Em quatro meses, não vou conseguir recuperar. Não é suficiente para aprender a matéria toda de um ano. O Enem que vou fazer em janeiro vai ser por teste de resistência, porque eu não tenho condições de fazer. Não é que vou tomar bomba, eu só vou realmente fazer meu terceiro ano, ano que vem. Aprender de verdade para ter condições de fazer um Enem decente, digno”. 

Verdade seja dita: ao contrário do que eles imaginam, ninguém garante que em 2021 a situação vá estar tão diferente. A movimentação pela reabertura das escolas acontece em boa parte do país, mas segundo um levantamento do Estadãosó Amazonas, São Paulo e o Distrito Federal estabeleceram datas para os retornos, mesmo assim não em todas as cidades. Outros dez estados têm ou avaliam retorno regionalizado ou parcial (com escolas particulares abrindo primeiro, ou alguns municípios abrindo antes). Talvez, até o início do ano que vem, já tenhamos escolas funcionando em todo o país. Mas isso não necessariamente vai significar um ano estável e inteiramente presencial. Isso porque, enquanto a circulação de vírus fora das escolas continua grande, não há como não crescer no ambiente escolar também. E como o Brasil não consegue testar e rastrear seus casos decentemente, as chances de sucesso são diminutas. 

Ao longo da pandemia, a educação nunca esteve entre as prioridades dos governos municipais, estaduais e muito menos do federal (não é preciso descrever o quanto o MEC se mostra alheio à crise sanitária). Não foram dadas condições objetivas para que os estudantes acompanhassem o ensino remoto, o que necessariamente passa por acesso a computadores e rede de internet  – algo que, por sinal, o Estado deveria prover. Encontrar formas seguras de garantir a volta às aulas presenciais deveria ter sido uma preocupação desde o momento em que elas foram canceladas, mas não foi o que aconteceu.

Em vez disso, vimos o país reabrir comércio de rua, shoppings, bares, igrejas e academias com casos em alta; sem estratégias para detectar surtos, não sabemos onde estamos. As escolas, que poderiam ser ambientes mais seguros do que todos esses outros, devem apenas se tornar novos pontos de multiplicação do vírus. Temos, de um lado, quem defenda que o retorno só aconteça junto com a aplicação em massa de uma vacina (o que pode acontecer dentro de meses, ou anos… ou nunca) e, de outro, quem force a reabertura pelo simples cansaço. A balança pende, sem dificuldade, para essa banda.

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