Para compreender na prática o racismo ambiental

Em província antes idílica da Turquia, corporações estrangeiras criaram inferno de doença e mortes. Governo atraiu empresas como Bayer e BASF, rejeitadas em seus países de origem. Leia também: novos rumores da saída de Mandetta do Ministério

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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RACISMO AMBIENTAL

Na Turquia, a província Kocaeli, localizada a 45 quilômetros de Istambul, sofreu um processo de acelerada industrialização. Bom? Depende. Para o PIB per capita, sim. Mas para a saúde da população tem sido bem ruim. E o foco da reportagem do Der Spiegel é justamente esse. Ao longo das últimas seis décadas, mas particularmente a partir de 2003 com a chegada de Recep Erdogan ao poder, o que era antes um lugar idílico se transformou numa zona com mais de duas mil fábricas, ar poluído, rios e solos contaminados com metais pesados, como ferro, níquel, fósforo… Coalhado de empresas estrangeiras, como a Bayer e a BASF, o lugar é alvo de todo tipo de prática irregular de descarte de resíduos. 

Pesquisas da Universidade de Kocaeli revelaram que o índice de mortes por câncer na província é duas vezes maior do que no resto do país. E também que o leite materno contém traços de mercúrio e alumínio. Tudo isso levou, em 2007, uma comissão parlamentar a recomendar que o governo declarasse a região como uma “zona de desastre sanitário”. Mas o presidente Erdogan, conhecido internacionalmente pelo autoritarismo, ignorou o Congresso e ainda foi na direção contrária: continuou a dar estímulos para que mais indústrias se instalassem em Kocaeli. As isenções tributárias já bateram a casa dos bilhões na última década.

A resistência vem dos mais frágeis. Sevgi Cebeci tem 50 anos e foi diagnosticada com câncer de mama em 2010. Ela e o marido resolveram processar o governo: pediram uma quantia simbólica de uma lira turca, ou 17 centavos de dólar. Queriam que a Corte concordasse que o Ministério da Saúde ignorou alertas de poluição ambiental na cidade onde moram, Dilovasi. Tiveram o processo rejeitado. Protestos denunciando a poluição, particularmente do ar, difícil de respirar, são sufocados pelo governo. Além disso, a população se sente abandonada também pela União Europeia, cujo banco de desenvolvimento empresta dinheiro para as empresas estrangeiras construírem fábricas lá. “Nós somos um país de Terceiro Mundo. Todo mundo pode vir aqui e produzir às nossas expensas”, resume Ismail Sami, um dos entrevistados.

ADIAMENTO… E QUEDA?

Ontem, a Anvisa adiou a votação sobre o cultivo e a comercialização da Cannabis medicinal para o dia 15 de outubro. Aconteceria hoje. A justificativa da agência é a de que dois diretores do órgão encaminharam sugestões de mudança e os técnicos pediram mais tempo para analisá-las. Ainda não se sabe o teor das proposições, mas parece bastante improvável que as coisas tenha se passado dessa forma. Para Emiliano Figueiredo, advogado que trabalha junto a pessoas doentes que lutam pelo direito do cultivo doméstico, o adiamento não tem a ver com a pressão do lado mais reacionário do governo. Na Folha, Valéria França escreve que, nos bastidores, corre a notícia de que os planos para defenestrar Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde estariam avançados. “Não é segredo a insatisfação com a postura pouco ‘ideológica’ do ministro”, diz. Será que a diretoria da Anvisa resolver esperar o desenrolar dos acontecimentos? 

AUTOCARIDADE

Por que hospitais investiriam no setor imobiliário? Nos EUA, parece ser uma nova tendência, segundo a reportagem da Kaiser Health News. E o motivo é financeiro. Quando um paciente não tem casa e dá entrada no hospital por algum problema de saúde, às vezes o problema é resolvido, mas a pessoa não tem para onde ir. Legalmente, os hospitais não podem dar alta, e com isso há leitos ocupados durante semanas, ou meses, sem gerar muita renda para a instituição. Afinal, não são necessários muitos procedimentos, exames ou medicações, nada além da hotelaria, e maior parte desses pacientes é coberta pelo Medicaid, cujos reembolsos não são muito altos. Enquanto isso, pacientes gravemente enfermos esperam por vagas. O que é ruim para eles mas também para o hospital, já que são pacientes mais lucrativos.

Então, algumasinstituições começaram a explorar formas de conseguir casa para essas pessoas. Sai mais barato, para eles, bancar um mês de moradia do que manter uma diária no ambiente hospitalar. Ainda que o hospital precise construir uma unidade habitacional. A prática é impulsionada por mudanças recentes em políticas federais, que incentivam hospitais a alocar dólares de caridade para a habitação. Atualmente, eles podem reivindicar investimentos em moradia como sendo gastos de caridade, exigidos para terem isenção de impostos. E, com uma lei de redução de impostos de 2017, há uma boa economia tributária para investidores em “novas zonas de oportunidade”, o que aumenta seu interesse em projetos de moradias populares.

PRESSA REPENTINA

Há mais de um mês, manchas de petróleo se alastram pelas águas do Nordeste. A essa altura, o óleo já chegou a nove estados e se tornou o vazamento de maior extensão já registrado no país. Na Reserva Biológica Santa Isabel, em Pirambu, o óleo chegou no período reprodutivo das tartarugas-olivas, as menores entre as tartarugas marinhas no Brasil. Outras áreas reprodutivas das tartarugas também estão sendo afetadas, e 600 filhotes estão ameaçados. Para o turismo e os pescadores, o problema é bem óbvio.

Durante todo esse tempo, a origem do vazamento segue desconhecida, e o governo federal não agiu. Ontem, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles chegou a Aracaju para acompanhar a situação. E, no fim de semana, Bolsonaro determinou que o Ministério da Justiça e o Ministério da Defesa, investiguem as manchas junto ao Ibama e ao ICMBio. Assim, de repente, ele pediu urgência. Ontem, o presidente declarou já saber “com certeza” que o petróleo derramado não é produzido nem vendido no Brasil – diagnóstico que já havia sido feito pelo Ibama no fim de setembro –, mas a investigação não acabou. “Temos no radar um país que pode ser a origem”, disse, sem revelar qual era. Segundo a Folha, as análises da Petrobras apontaram para a Venezuela. A afirmação, porém, não foi feita oficialmente, e estaria em um relatório sigiloso entregue ao Ibama.

TERRA DE NINGUÉM

“É um ambiente de desregulação total”: a frase é do procurador do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul, Marco Antonio Delfino, sobre a estrutura do Sisagua, sistema que armazena dados sobre a água no Brasil. Ele falou à Repórter Brasil e à Agência Pública sobre a contaminação da água por agrotóxicos e, mais especificamente, sobre como não há transparência em relação a isso. Segundo ele, há situações em que os testes não são enviados ou os resultados indicam concentrações de agrotóxicos perigosas para a saúde, e ainda assim não há fiscalização, penalidades ou cobrança por providências

INCENTIVO AOS PLANOS

Outra entrevista, desta vez ao El País Brasil, trata de um tipo diferente de caixa preta: o sistema tributário brasileiro. O especialista em desigualdade de renda Pedro Herculano (Ipea) falou sobre mudanças que uma reforma na área deve atacar num país como o Brasil. “Um ótimo começo seria resolver os problemas do Imposto de Renda, fechando os seus buracos, que são as deduções”, deu como exemplo. Segundo ele, as deduções beneficiam a fatia que vai entre os 10% e os 20% mais ricos de toda a população. “Em alguns casos, como no caso de deduções de saúde, que não têm limite, acabam sendo muito altas. E acaba sendo uma forma de subsídio do Estado para pagar plano de saúde.”

PLACEBO HONESTO

O efeito placebo é estudado há décadas e, recentemente, se tornou ainda mais intrigante: alguns estudos começaram a observar o que acontece quando pacientes sabem que estão ingerindo placebo – uma substância inerte, sem nenhum princípio ativo. E, em muitos casos, há melhora nos sintomas. Pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP acabam de divulgar na Plos One o primeiro estudo do mundo sobre a intervenção com este chamado ‘placebo aberto’, ou ‘honesto’, para o desempenho de atletas. 

A pesquisa foi feita com ciclistas profissionais mulheres e apontou que, na média, elas melhoraram seus resultados em teste de curta distância ao receber uma pílula, mesmo sabendo que era placebo. Mas nem todas melhoraram… E algumas pioraram os resultados, então é preciso compreender melhor como o placebo age em cada pessoa. Segundo as pesquisas mais recentes, o efeito é afetado por muitas variáveis. A crença no funcionamento da substância é apenas uma, mas tem ainda outros fatores, como traços de personalidade, experiências prévias e a genética. A equipe pretende, agora, partir justamente para um estudo de perfil genético. 

FAMÍLIA TRADICIONAL

Tramita na França um projeto de lei para permitir que mulheres lésbicas e/ou solteiras tenham acesso à procriação medicamente assistida, como por fertilização in vitro e doação de esperma. Daí, dezenas de milhares de pessoas marcharam em Paris para protestar contra o texto no domingo. “Liberdade, Igualdade, Paternidade“, entoaram muitas delas. 

PRÊMIO NOBEL

Todo mundo só pensa no prêmio Nobel da Paz, que será anunciado na sexta e tem na lista de indicados tanto o cacique Raoni, quanto a ativista teen Greta Thunberg. Mas ontem foi a vez da premiação das inovações ligadas à saúde. E quem levou para casa o prêmio foi o trio de pesquisadores William Kaelin (EUA), Peter Ratcliffe (Reino Unido) e Gregg Semenza (EUA) por terem descoberto “como as células sentem e se adaptam ao oxigênio disponível”. O sensor de oxigênio celular é um mecanismo fundamental no câncer e em doenças cardiovasculares, por exemplo.

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