Assim a África ensina o mundo produzir vacinas de RNAm

Um passo importante foi dado, em uma viagem recente de cientistas brasileiros e argentinos ao laboratório sul-africano Afrigen, para receber treinamento de transferência de tecnologia para produção de imunizantes. Fiocruz foi uma das escolhidas

Com apoio da OMS, o laboratório sul-africano Afrigen Biologics desenvolveu sua vacina de mRNA. Créditos: OMS
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A Fiocruz, junto da farmacêutica privada argentina Sinergium Biotech, está começando a se preparar para produzir vacinas com a tecnologia de RNA mensageiro – a mesma que gerou as vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna (não disponível no Brasil), que têm grande eficácia contra a covid. Entre os dias 7 e 9 de março, representantes do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) estiveram na Cidade do Cabo, na África do Sul, para receber a primeira parte do treinamento de transferência de tecnologia do laboratório Afrigen. A iniciativa é parte de uma plataforma regional da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para impulsionar a fabricação de imunizantes no continente – região mais afetada pela covid no mundo. 

A tecnologia de RNAm é fruto de décadas de pesquisas, mas a primeira vacina a ter sucesso em humanos foi a de covid – já largamente disseminada em países ricos, a essa altura. Mas o conhecimento para fazer tais imunizantes – necessário para ajudar o mundo a superar a pandemia – está trancado pela propriedade intelectual. Tentando reverter a desigualdade que se alarga, a África do Sul, com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e cientistas de todo o mundo, conseguiu recriar a tecnologia de produção no início de fevereiro. Agora, a Organização busca disseminar a experiência por países emergentes para tentar diminuir a desigualdade vacinal – inclusive por meio de treinamentos como o que a Fiocruz está participando. O cientista-chefe da Afrigen, Gerhardt Boukes, demonstra a importância da quebra das patentes: “Fizemos isso sozinhos para mostrar ao mundo que pode ser feito, e feito aqui no continente africano”.

“O benefício deste treinamento é enorme”, disse o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento de Bio-Manguinhos, Sotiris Missailidis. “Ele permite que os países desenvolvam e produzam suas próprias vacinas de mRNA e as forneçam onde são mais necessárias.” A Fiocruz tem dado passos importantes para autonomia de produção de imunizantes. O mais recente foi a produção da vacina da Oxford/AstraZeneca totalmente nacional – sem necessidade da importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). A entidade também está construindo o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS). Quando estiver pronto, deverá ter capacidade para produzir cerca de 120 milhões de frascos da vacina brasileira ao ano. Para se ter ideia, representa quase um terço de todas as doses aplicadas no Brasil para deter e controlar o auge da covid, no ano passado.

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