Cachaciclismo: a viagem segue, pelas curvas e cores da Mantiqueira

Ê Minas Gerais! Aqui a linha reta não existe, no caminho e no pensamento. As estradas cobreiam pelos morros e a cada instante a perspectiva é outra. É preciso enxergar além do horizonte curto para seguir

Da Garganta do Registro, na divisa entre Rio e Minas, até Aiuruoca, casa da cachaça Tiê.

Crônica de viagem, por Maurício Ayer

No capítulo anterior, contei que, após a visita ao alambique da Reserva do Nosco, o criador dessa fina cachaça, Marcelo Nordskog, me deu uma carona serra acima até a divisa com o estado de Minas Gerais, de onde segui pedalando.

O nome deste lugar é Garganta do Registro. No tempo dos tropeiros, era uma espécie de “aduana”, um local onde os produtos transportados eram identificados e registrados, inclusive o ouro. Com os tropeiros, muita cachaça circulou pela Estrada Real e suas ramificações.

Nas bordas do Parque Nacional de Itatiaia

Quebrei pelo caminho de terra que me levaria “mais diretamente” a Alagoa, por dentro do Parque Nacional de Itatiaia. Fiz as contas, seriam 33 quilômetros até a cidade, depois mais 15 até a fazenda onde fica o alambique da cachaça Tiê, meu próximo objetivo.

Comecei a subir, subir, subir… três, quatro, cinco quilômetros e nenhuma perspectiva de chegar ao topo. Marcha leve, o pedal gira rápido e a bicicleta quase não sai do lugar, a 5 ou 6 km/h, mas com paciência se vence os morros. O incessante circular do pedivela libera o calmo pensar, fui ao tempo dos tropeiros, como se eu fosse um deles, e minha carga fosse cachaça, farinha, peixe seco… Na verdade, mais do que o tropeiro, nessa hora sou mesmo é um perseverante burrico de carga – e humildemente extraio força dessa identificação.

Do alto da Serra da Mantiqueira, dentro do Parque Nacional de Itatiaia.

Foram 8 quilômetros ininterruptos de subida forte. Parei um carro pra confirmar o caminho. O motorista, todo tatuado e com forte sotaque carioca, se surpreendeu:

– Lagoa? Tem uma lagoa sim, mas está longe, uns dois quilômetros ainda. Alagoa??? Ih, rapaz, aí tu tem que passar Vargem Grande, Fragária, tá muito longe – a tônica de Fragária fazia uma longa curva em sua fala.

– Uns 20 quilômetros?

– É mais, é bem uns 25.

À esquerda na encruzilhada, comecei uma longa e íngreme descida, pois na serra é assim, não tardaram a voltar as subidas, e nesse sobe-desce morro danado passei muito além dos 25 quilômetros depois daquele ponto, e me contaram que ainda faltavam mais de 40 quilômetros até Alagoa. Ê Minas Gerais! Aqui a linha reta não existe, no caminho e no pensamento, como meu pai, mineiro de Botelhos, sempre me alertou. As estradas cobreiam pelos morros e a cada instante a perspectiva é outra, o mundo se mostra de um jeito novo, é preciso enxergar além do horizonte curto para seguir. Como a prosa de Guimarães Rosa, ele sempre insistiu.

Encruzilhada na serra, na altura de Fragária.

Percebi que não chegaria a Alagoa. Estava tremendamente cansado, ainda sem ritmo e no trecho de relevo provavelmente mais acidentado de toda a viagem. Um homem que reparava a estrada com uma enxada, me recomendou: fique em Campo Redondo, lá tem onde dormir e onde comer.  Na altura de Fragária, em uma das últimas subidas antes de Campo Redondo, desci da bicicleta para empurrar. Um homem ia à minha frente, esperou que eu o alcançasse e subiu ao meu lado, nós mais seu cachorrinho.

– Bicicleta é muito bom, vi a reportagem sobre as ciclovias de São Paulo – puxou assunto.

Ele contou que teve uma moto, e que em pouco tempo criou barriga. Até que foi parado numa batida sem capacete e sem carteira de motorista, como não tinha licenciado a moto, as multas foram todas mais altas. Descolou uma bicicleta e passou a usar para ir até o trabalho, a cinco quilômetros de casa. Tudo melhorou, ganhou fôlego de novo, e assim conversei com o seo Jacinto. Topo de morro, hora de se despedir:

– E o cachorrinho, qual o nome dele?

– Esse aqui é o Tartaruguinha, meu companheirinho. Vira-lata é o cachorro mais inteligente que tem, quando eu vinha de moto ele cortava caminho pelo mato lá atrás e me encontrava aqui em cima. Aí eu mandava e ele voltava pra casa.

Pega o bichinho nas mãos e mostra a pata de trás:

– Nessa pata aqui ele levou um coice de mula, engessaram, só que não coloquei o cone no pescoço e ele comeu a tala. Aí quebrou de novo, o veterinário disse que ia ter que sacrificar, eu não deixei, e não é que aos pouquinhos ele se recuperou e agora está aqui comigo.

Trocamos sorrisos e cumprimentos, era como se fôssemos amigos. Eu já me sentia participante de outro patamar de humanidade. Cada pessoa que encontro no caminho e a quem digo “bom dia” ou “boa tarde” e que me responde com naturalidade e olhar desarmado é alguém com quem sinto que posso contar no desenrolar de minha estrada. Estamos disponíveis, somos algo assim como uma comunidade.

Campo Redondo

Exausto, cheguei ao distrito de Campo Redondo. Na primeira esquina havia um bar, bati, dona Neiva poderia me hospedar, num recém-construído chalé, perfeito para o que eu precisava, e servir um jantar. Ali na frente, um garoto de uns 12 anos, saindo da escola, me pediu para andar de bicicleta. Um pouco embriagado pelo recém-degustado espírito comunitário, emprestei.

Dona Neiva tinha ido lá dentro buscar uma toalha e ao ver o garoto sair pedalando fez aquela cara de “vai dar m…”. O menino virou na esquina e sumiu. Eu não sabia se devia me preocupar, me parecia improvável que ele me roubasse a bicicleta, mas precisava ir embora, então dei uns gritos, outros meninos ali gritaram também quando viram a bicicleta aparecer lá no alto, do outro lado da praça. O menino voltou, passou por nós sem nem esbarrar um pouquinho e já ia descer em direção à outra ladeira, quando eu dei um berro de pulmão inteiro, ele voltou. Dona Neiva me ensinou:

– Aqui ninguém mexe na bicicleta. Só não ofereça às crianças, que elas não têm noção, outro dia o rapaz emprestou o cavalo, o menino foi lá na outra cidade, só foi voltar à noite!

Cena: Treinando mira na rua

Nessa esquina, só que à noite, o pessoal treinava mira.

Um grupo de homens, entre 20 e 60 anos, está todo voltado para a esquina da rua que desce, onde não há iluminação. Nesta esquina há um bar, com uma mureta baixa na frente. É para a quina da mureta que todos se voltam neste momento.

HOMEM 1: Arruma essa latinha aí que agora é minha vez!

HOMEM 2: Não tem como errar com o brilho dessa latinha. Não tem como errar!

HOMEM 3: Ele vai errar.

HOMEM 1: Vamos ver se eu vou errar. Arruma direito essa latinha aí.

Ciclista (momentaneamente a pé) caminha em direção ao grupo pela rua sem iluminação. 

CICLISTA (A PÉ), pensa: Que que esses caras tão fazendo?

HOMEM 1: Põe a parte amarelinha pra lá, a parte prateada fica pra cá.

HOMEM 2: Xi… com tanto protocolo, vai errar!

HOMENS 4, 5 E 6, falam todos juntos: Hahaha! Vai errar! Tá valendo uma cachaça! Cachaça não, cerveja! Cachaça e cerveja! Hahaha! Vai errar, vai errar!

HOMEM 3: Tá facim, mas ele não acerta, já bebeu umas dez dessas!

CICLISTA (A PÉ), pensa alto: Meu, os caras vão atirar pra cá!

HOMEM 2: Atira logo, homem!

HOMEM 1: Vou atirar!

HOMEM 3: Que luz é aquela ali?

HOMEM 1: Tá na mira, vou mandar fogo!

CICLISTA (A PÉ), grita: Ô!!!

HOMEM 2: É um homem de lanterna!

HOMEM 1: Vou atirar e…

HOMEM 3: Peraí! Ô, pode passar.

CICLISTA (A PÉ): Pode atirar, eu espero aqui.

HOMEM 3: Cê é louco de ficar aí.

CICLISTA (A PÉ): Aqui já estou fora da mira…

HOMEM 3: Cê que pensa, ele é muito ruim de mira.

Pé!

HOMENS 2, 3, 4, 5 E 6: Errou! Hahahaha! O cara conseguiu errar.

HOMEM 1: Não tem luz ali, não dá pra ver nada!

Ciclista (a pé) passa correndo e bate na porta ao lado ao bar, onde a dona lhe prometeu servir o jantar.

CICLISTA (A PÉ): Ó do bar!

Mulher abre a porta.

MULHER: Boa noite, moço, pode entrar, a gente já vai servir. Mas o que eles estão fazendo? Ah, não, treinando mira de novo.

Mulher caminha até a calçada.

MULHER, para os homens: Escutem, vou pedir pra vocês por favor, atirem lá pra cima, ali onde não tem ninguém, onde não passa ninguém.

HOMEM 2: Eeeeeuuu??? Eu tô atirando??? Eu não tô atirando não!

HOMEM 3: Foi ideia do Marcão, ó!

HOMEM 1: Minha ideia nada!!!

MULHER, à parte, para o Ciclista (a pé): Não vou nem contar para a dona Neiva, a dona do bar, senão ela vai estourar com eles.

MULHER, para os homens: Eu não estou obrigando ninguém, estou pedindo por favor, para vocês.

CICLISTA (A PÉ), pensando: Mas será que aqui todo homem é pra sempre criança, que precisa que apareça uma mãe pra pôr ordem na casa!

Pano rápido.

Epílogo da cena

O jantar foi truta ao alho, com arroz, creme de couve-flor e salada de alface, rúcula e cenoura ralada. Pedi uma cachaça da região, não tinha, só uma branquinha de Itamonte. Aceitei uma dose, ê, foguinho ruim… Ao terminar, estendi meu momento ali, para usar a internet. Do lado de fora, homens bêbados faziam uma algazarrinha, me lembrando da realidade da cachaça farta e de má qualidade país afora. Dois homens assistiam no celular um vídeo de um desses programas de cobertura criminal sensacionalista que passam à tarde, algo que me parecia totalmente deslocado naquele contexto, mas naturalmente isso chega agora em qualquer lugar, e os interessava.

Araucária, presença constante na Mantiqueira.

Cena: Monólogo do seo Francisco

Dia seguinte, rodas na estrada. Passados uns 12 quilômetros, cheguei a uma encruzilhada. Um homem passava ali, pedi-lhe para confirmar o caminho, ele iniciou seu monólogo:

– O asfalto? É por ali, pode ir por ali. O senhor vai onde? Alagoa? Pode ir por ali mesmo, mas o senhor vai andar mais, vai contornar esse morro todo. Mais perto é pela Penha ou melhor ainda por Itaoca. O senhor vai por este lado, aí tem uma ponte, passa por cima dela, vê uma entrada à esquerda, entra nela. Como é que não vai errar? É a primeira, é, depois da ponte. Sobe ali, antes da estrada fazer essa vooorta nesse morro aqui, assim para a esquerda, o senhor vê um caminho de tropeiro para o outro lado, descendo, pra direita. O senhor não vai errar, é um caminho bom, passa cavalo, passa moto, o senhor passa também com a sua bicicreta. Eu estou indo nessa direção, se o senhor quer me acompanha.

Eu moro ali de onde o senhor veio, do outro lado do rio, tenho sítio. Tenho outro sítio que eu tô vendendo, se o senhor souber de alguém… fica do lado de cá, subindo esse morro. Tem um chalé que eu fiz, tem cachoeira, cachoeira grande, são uns seis alqueires, seis alqueires e meio, estou vendendo barato, pra juntar as terras, vou comprar do lado de lá. É terra boa, se o senhor souber de alguém que queira comprar, ou o senhor mesmo pode se interessar aí eu vendo pro senhor. O senhor de onde é? São Paulo, mas veio de bicicreta de lá? Ah, sim, Engenheiro Passos, mas está vindo de onde? Conheço Campo Redondo, nós conhece tudo aqui, eu sou nascido e criado aqui. Esse lugar é a nossa casa. Estava frio lá? É, ali geia, no meu sítio não gela não, geia aqui pra baixo, mas lá não. É terra boa, dá pra plantar o que quiser, lá é a terra do meu pai, eu moro pra cá, na terra de minha mãe.

Eu já morei na cidade, morei em Brasília. O senhor conhece. Ô terra ruim, calorão, secura, lá não tem cultivo que pegue, não aguenta. Eu era caseiro. O pessoal de Brasília vem pra cá, são mil e quatrocentos quilômetros até aqui, faz numa pernada só. Aí eu achei um emprego de caseiro aqui e resolvi voltar pra minha terra natal. Peguei a terra do meu pai pra cuidar, fiz o chalé, tá pronto, só falta terminar o banheiro e a cozinha. Não tem luz também, mas tem casa perto, é só puxar. O senhor também pode pôr energia solar, melhor. Tem escritura sim, tudo certo, no nome do meu pai. Está barato até, são XX mil reais, tá pra quase sete alqueires, se o senhor quiser compra.

Eu? Eu sou o Francisco. Ah, é o nome do seu filho. E o senhor, como chama? Olha, Maurício, os meninos hoje todos querem ir pra cidade, não querem saber de ficar aqui. Mas eu é que não vou pra cidade. O ar não presta, a água então?! Arra. Não dá pra beber. Aqui tem água ainda, mas antes tinha mais. Foi descampando tudo. Pasto mata a água, aí seca as minas. Pior, vem enchente, leva casa, leva o gado, e seca de repente. Olha é por aqui que vai lá pro sítio que eu estou vendendo, sobe por aqui. Não é lá atrás, é aqui em cima. O senhor pode conhecer quando voltar. Eu ia morar lá, mas depois que minha mãe faleceu eu falei ali tá tudo pronto, eu vou ficar é aqui mesmo. Sou casado, tenho filho, dois.

Então é aqui, Maurício. O senhor sobe, aí a estrada faz uma curva, assim para a esquerda, e então tem um caminho de tropeiro à direita. Pelo outro lado ia levar uma hora até Alagoa, você com a sua bicicreta em meia hora está lá. Antes desse subidão, dessa vooooorta, você desce à direita. Passa um barraco, não é casa, é só um ranchinho, aí desce, vai passar uma lajinha com água, o moço até já construiu as muretinhas ali, assim baixinhas, começadas. Segue sempre, vai passar uma porteira de arame, vai sempre reto. O senhor está vendo aquela montanha ali, não, aquela descampada, não está vendo? Mas ela está ali, sempre reto, o senhor vai poupar um caminho danado, já passa ali por um povoado, Itaoca. Depois já chega no asfalto, e já está quase em Alagoa. É rápido mesmo. Quer fazer foto? Pode fazer. Assim você me encontra aqui, é só mostrar a foto, Francisco Antonio M. O senhor então sobe por aí, eu vou por aqui com o cachorro, que eu tenho o mais o que fazer ali. Vá com Deus.

Seo Francisco se mostrou um excelente de um exu, não só me fez economizar uns 10 quilômetros de asfalto como me presenteou com um belíssimo trecho de trilha de tropeiros. Nesse caminho eu tinha apenas os garrotes e as novilhas como companhia, e vistas maravilhosas de dentro da Serra da Mantiqueira, com suas montanhas e vales, rios e estradinhas, pastos e plantações, cachoeiras e casas.

O “caminho de tropeiro” era um trilha pelo meio da serra.

Degustei meu idílio enquanto durou. Na primeira encruzilhada, sem auxílio de um novo exu, dobrei para o lado errado, passei um curral, um pasto e um canavial, e o caminho se estreitou até terminar em um pé de morro, sem nenhuma saída. Ainda desci da bicicleta e caminhei um pouco para investigar o caminho, só encontrei as formigas que me queimaram as canelas.

Meia-volta, tive sorte: ao me aproximar do curral, ouvi um som de rádio e avistei uma caminhonete. O vaqueiro me explicou o caminho, era só seguir para baixo no ponto onde eu subi, até encontrar a estrada que acompanha o rio Aiuruoca e seguir por ela até o asfalto, já pertinho de Alagoa, como o seo Francisco me prometeu.

Rio Aiuruoca, meu guia em boa parte do caminho.

Comprei macarrão, molho, bananas, maçãs e duas cervejas artesanais em Alagoa. Já eram três e meia da tarde, eu temia não encontrar ninguém na Tiê depois das quatro. Mas peguei a estrada.

Mais dois exus

Um garoto de uns 10 anos, seguia o mesmo caminho que eu de bicicleta. Nessa hora, menino é muito competitivo. Minha bicicleta era bem melhor que a dele, mas ele estava leve, então me ultrapassou e eu, menino, me senti provocado. Pedalei forte e o alcancei, mas aí refleti, Maurício, Maurício, você tem 40 anos, vai ficar competindo com um garoto? Se liga, depois esse esforço de agora vai ser a perna que vai faltar lá na frente. O garoto aproveitou minha hesitação e abriu distância.

Centrado em minha maturidade, fui com calma na subida, marcha leve e ritmo lento. O garoto pedalava de pé para correr mais. Pois não é que um quilômetro à frente, eu começo a me aproximar dele? Ah, que eu agora passo ele, e passei mesmo, acelerei forte sem alarde, aproveitei o leve declive para colocar na coroa maior e descer a lenha e abri alguma distância. Aí relaxei e em mais umas centenas de metros o menino me passou de novo. Sorri comigo mesmo pela nossa brincadeira. Quando o alcancei de novo perguntei:

– Aiuruoca é por aqui?

– É, sim, senhor.

– Está longe?

– Está longe, sim.

– E o bairro de Guapiara, você conhece?

– Conheço não, senhor.

– E você vai até onde?

– Vou até a guarita.

Eu não sabia onde era, só fui aprender depois que guarita é a casinha do ponto de ônibus. Então apenas saudei:

– Vamos que vamos! – e tomei a dianteira.

Ele deve ter achado por bem me respeitar e não me ultrapassou mais. Até que cheguei em uma nova encruzilhada, e o garoto foi o exu da vez.

– É pra onde agora?

– Aiuruoca é pra lá.

– Vai com Deus – eu disse, sincero, o garoto agradeceu com a cabeça e seguiu na direção oposta.

O Pico do Papagaio no fim da tarde.

Quando deu perto de cinco horas da tarde, parei numa vendinha no bairro do Tamanduá. Guapiara? Está perto, é o próximo bairro, me disseram. Formou-se um conselho: a atendente da venda, um velho negro de cabeça muito branca e um chapéu de vaqueiro sentado na varanda, um homem um pouco mais jovem, uma senhora que surgiu depois. Está perto, mas ainda vão uns dez quilômetros. Ah, o senhor tem medo de chegar no escuro e se perder? Mas a Roseane, a caseira, mora ali perto, é só perguntar. Acabei decidindo que ia ficar em uma pousada ali perto e o conselho tratava de me indicar a melhor para o meu caso. Mas aí…

– Olha só moço, esse rapaz que chegou de moto com a filhinha na garupa, ele trabalha lá na fazenda aonde o senhor vai.

Era o Sandro. Pedi a ele que me acompanhasse até o chalé, ele concordou. A essa hora, distensionado pela certeza de que chegaria a meu bom destino, notei a deslumbrante presença do Pico do Papagaio, que paira na paisagem onde quer que se esteja na região. O pôr-do-sol pintava o céu com suas melhores tintas.

O que importa é o caminho, mas o sentimento de chegar é um conforto, que faz o viajante retornar a si, também. Ainda mais quando se encontra um lindo chalé, todo preparadinho para receber, e um banho quente, na hora que o frio apertou feio lá fora. Amanhã tem visita à cachaça Tiê.

Depois de um dia extenuante, a boa chegada.

Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos

Leia Também:

12 comentários para "Cachaciclismo: a viagem segue, pelas curvas e cores da Mantiqueira"

  1. Muito bom. Parabéns pela publicação – e especialmente ao Maurício, que sabe combinar bem múltiplas culturas, com um texto cativante. Conheço-o um pouco do mar, da cidade, de histórias contadas, de literatura e política, e agora, escritas, sobre bicicletas, cachaças, cenários rurais e figuras imperdíveis. Muito bom.

  2. Bruno Simões Gonçalves disse:

    coisa de Minas é um trem dentro da gente viu, eu que sei. Mas olha o sucinto causo pra demonstrar a prova (coisa que dei pra cultivar para além das convicções ultimamente). Há sempre a esperança de uma sexta feira honesta teomando amolhando a palavra na casa do meu vizinho de bairro e de xeistencia Mauricio. Hoje, cmo de outras, perguntei pra le por aqui: vamo de pinguinha hoje, ou algo que o valaha. A resposta veio breve: “não vou to na rua”. Deve estar por algum canto ai pensei eu.

    Dai que cruza aqui na minha frente o presente escrito de viagem e descubro que meu emblemático amigo vizinho esta andando de bicicleta nas reconcovas minas gerais. Essa é boa! Fiquei lembrando aqui do povo que adora encher a boca pra dizer “estou fora do Brasil” como rege o bom manual da gabolice colonizada. A mineiridão faz o inverso disso aí , o ar das das minas tem disso, essa imensidão que se faz contida uma quase timidez. Não que esse seja o caso do galante aventureiro centrp de nossas deferencias, mas que tem dedo de Minas nessa resposta dele tem! O cara ta em Mina Gerais tomando pinga e vendo por do sol… essa é boa viu

    • admin-mau disse:

      Isso aí, parceiro, pedalando pelas estradas das Gerais, mais ou menos do jeito que conversamos vendo outros sóis nascerem e se porem e tomando outras biritas. Mergulho no mar de morro, sentindo-me mais eu mesmo comigo mesmo e, ao mesmo tempo, mais próximo de tudo o que importa. Um brinde e até breve.

  3. Daniel Caixeta disse:

    Maurício, excelente jornada. É o redescobrimento do Brasil na visão de um aventureiro. A cachaça é apenas um detalhe, a imersão cultural é extasiante. Parabéns e estou acompanhando esta odisseia maravilhado …

  4. Adorei todo o texto essa frase é especial: “Ainda mais quando se encontra um lindo chalé, todo preparadinho para receber, e um banho quente, na hora que o frio apertou feio lá fora. /”

  5. Adorei todo o texto essa frase é especial: “Ainda mais quando se encontra um lindo chalé, todo preparadinho para receber, e um banho quente, na hora que o frio apertou feio lá fora. /”

  6. Iza disse:

    Mto legal! Gostaria de saber se você tem o contato da neiva?

  7. Iza disse:

    Mto legal! Gostaria de saber se você tem o contato da neiva?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *