O marketing do agronegócio tenta capturar a Saúde
Em curiosa estratégia, ruralistas e corporações criam Frente Parlamentar pela Alimentação. “Vai levar agro à cidade”, dizem. Leia também: primeira morte no Brasil por febre do Nilo Ocidental; mesmo proibido, BNDES financiou a Taurus
Publicado 25/07/2019 às 08:16 - Atualizado 25/07/2019 às 12:57

Por Maíra Mathias e Raquel Torres
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DESSERVIÇO NO CONGRESSO
Este ano foi lançada uma Frente Parlamentar de Alimentação e Saúde. Soa bem, não é? Mas é um baita desserviço à saúde pública, como conta João Peres, n’O Joio e o Trigo.
Já no lançamento, estavam presentes representantes das indústrias de comidas e refrigerantes. A Frente tem uma página na internet visualmente bonita, com vídeos e notícias. Dos três artigos publicados, dois são em defesa do açúcar. Entre os entrevistados estão especialistas que têm laços com a indústria. E a cereja do bolo: o site está registrado em nome de Gustavo de Assis Carneiro, lobista do agronegócio. Veio bem a calhar a sincera comparação do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), atual presidente da bancada ruralista: “É um novo braço da Frente Parlamentar da Agropecuária e trabalha com outro vértice, que é a alimentação, a saúde. Esse conceito vai levar o agro para o consumo, para o centro urbano”,
Quem propôs a criação da Frente foi o deputado Evandro Roman (PSD-PR), depois de acompanhar o Congresso Europeu de Obesidade. Lá, ele participou de um encontro da Obesity Policy Engagement Network (OPEN), cujo foco é a ideia de que a obesidade deve ser reconhecida como uma doença e tratada como tal. A iniciativa foi criada pelo laboratório farmacêutico Novo Nordisk, fabricante de um caro remédio contra a obesidade… E Roman voltou ao Brasil argumentando que era preciso expandir o grupo OPEN no Brasil.
MAIS UMA
O país registrou ontem o primeiro óbito causado por uma doença emergente: a febre do Nilo Ocidental. A morte de uma mulher idosa aconteceu lá atrás, em 2017, no município de Piriri, no Piauí, e foi confirmada só agora pela secretaria estadual de saúde. Segundo especialistas que conversaram com nossa editora Maíra Mathias para uma reportagem publicada na revista Poli, da Fiocruz, a doença transmitida principalmente pelo mosquito Culex – o famoso pernilongo – é uma forte candidata a se tornar um problema no Brasil. O vírus foi descoberto em 1937 e pode causar encefalite (inflamação no cérebro) e meningite (inflamação das membranas do sistema nervoso) nos casos mais graves. Apareceu nas Américas no final da década de 1990. E, no Brasil, em 2014 – também no Piauí. A vítima foi um vaqueiro de Aroeiras do Itaim, cidade que fica a 350 km da capital, Teresina. Ele sobreviveu à doença, mas ficou com sequelas neurológicas. Ao todo, o Piauí registrou três casos – incluindo o que levou ao óbito.
O país começou a monitorar a doença em 2003, por recomendação da Opas. Desde 2016, a febre do Nilo Ocidental tem notificação compulsória. Um informe epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em agosto do ano passado afirma que a pasta trabalha com a hipótese de que o vírus circula em todo o país, embora não tenha gerado nenhum “evento de maior magnitude”.
Reportagem doEstadão informa que a maior parte dos infectados não apresenta sintomas. Apenas 20% dos casos da doença têm sinais semelhantes aos da gripe, como febre, fadiga, dores de cabeça e dores musculares, e menos de 1% dos humanos infectados fica gravemente doente. A maioria do registros graves acomete idosos. Os sintomas graves incluem febre alta, rigidez na nuca, desorientação, tremores, fraqueza muscular e paralisia.
DINHEIRO PÚBLICO NA TAURUS
Empresas do setor de comércio de armas não podem ser financiadas com dinheiro público, segundo as regras do BNDES e seus relatórios anuais. Porém… O Banco emprestou mais de R$ 60 milhões à Taurus, em 76 contratos entre 2002 e 2017. A descoberta foi do repórter Bruno Fonseca, na Agência Pública, com base em uma série de documentos. Foram R$ 9,9 milhões em um empréstimo direto, num contrato fechado em 2013. O resto do dinheiro foi para a Taurus indiretamente, ou seja, com o BNDES emprestando dinheiro em parceria com outras instituições, como o Banco do Brasil e o Banco do Estado do Rio Grande do Sul. Havia ainda outros dois contratos de 2002, de quase R$ 10 milhões, para apoiar a produção voltada à exportação. E tem também R$ 13 milhões em financiamentos indiretos do BNDES com a Companhia Brasileira de Cartuchos, que comprou a Taurus em 2015.
O argumento do banco: “Não há violação da política já que a atividade econômica da Taurus é classificada, segundo o cadastro nacional de atividades econômicas (CNAE) do IBGE, como ‘fabricação de armas de fogo, outras armas e munições’, categoria pertencente à indústria de transformação”. A restrição ao financiamento seria só ao comércio de armas, e, mesmo que a Taurus seja uma das maiores vendedoras de armamento do país, estaria legalmente fora da categoria.
MILAGRE DA DESREGULAÇÃO
O triplo de aumento. Esse é o ‘milagre’ da multiplicação criado pela falta de regulação dos planos de saúde coletivos empresariais e por adesão, que tiveram um reajuste de quase 20% frente aos 7,35% fixados ontem pela ANS para os planos individuais. O problema, como já falamos algumas vezes por aqui, é que a terra sem lei dos planos coletivos é habitada pela maior parte dos consumidores. O produto representa nada menos do que 80% do mercado de saúde suplementar brasileiro, de 47,18 milhões de beneficiários. E o aumento anual não segue um teto, mas depende da “livre negociação” entre quem vende o produto e quem compra. “Os usuários de planos coletivos representam a maioria do mercado e estão desprotegidas. A Justiça vai resolver individualmente o problema de quem a procura. Quem precisa regular é a ANS”, argumenta o advogado Rafael Robba, em entrevista à Folha, que mostra o caso de Joaquim Gama, que após receber um boleto com mensalidade de R$ 9,3 mil ingressou com ação judicial e conseguiu, por decisão liminar, uma redução de R$ 2,6 mil.
ALERTA
A FDA, agência que regula alimentos e medicamentos nos EUA, recomendou ontem a interrupção do uso de três próteses de silicone da marca Natrelle, vendida pela empresa Allergan. Na sequência, a companhia decidiu retirar os produtos de todos os mercados onde atua – incluindo o Brasil. De acordo com a FDA, 481 dos 573 casos de um câncer – o linfoma anaplásico de grandes células (BIA-ALCL, na sigla em inglês) – registrados em todo o mundo podem ser diretamente atribuídos aos implantes Natrelle.
O Globo informa que esses implantes já haviam sido banidos na Europa em dezembro passado. E que, na mesma época, a Anvisa suspendeu a comercialização dos produtos por aqui. Mas a agência brasileira voltou a liberar a venda dos implantes em março deste ano. Segundo a Anvisa, a decisão visou “garantir a segurança jurídica do processo administrativo-sanitário”.
O BIA-ALCL é um câncer raro do sistema imunológico, que se desenvolve em tecidos ao redor do implante. Na maioria dos casos, a remoção da prótese e do tecido cicatricial ao redor cura o câncer. Mas se a doença não for detectada precocemente, pode ser letal. Nem a empresa, nem a FDA recomendaram a remoção imediata dos implantes em mulheres que não tenham sintomas da doença, sendo o principal sinal inchaço e acúmulo de líquido ao redor do implante.
PERNA CURTA
Falamos ontem do novo marco regulatório para agrotóxicos aprovado pela Anvisa. A agência divulgou em seu site que as regras atendem ao padrão internacional GHS (sigla para Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos), desenvolvido pela ONU. Mas segundo a Folha, isso não é verdade. Os critérios para classificação toxicológica estão divergindo, já que o GHS considera que produtos que causam sérios danos oculares, irritações na pele, alergias, asmas e dificuldades de respiração devem ser incluídos na categoria mais alta de perigo. Mas a Anvisa resolveu que nessa categoria só entram produtos que causem morte quando ingeridos, inalados ou em contato com a pele.
UMA RESPOSTA
O ataque de Osmar Terra à Anvisa (aqui) não foi isolado: capitaneados pelo deputado General Peterneli (PSL-SP), um grupo de parlamentares protocolou o PL 3.847/19, que propõe a concessão automática de registro aos medicamentos que já tenham sido liberados pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos, da Europa, do Japão e do Canadá. Em artigo publicado no blog da CEE, da Fiocruz, o pesquisador Jorge Bermudez defende a agência regulatória: “Testes de estabilidade, em especial, em condições severas de umidade, especificidades das nossas populações e, sobretudo, a falta de isonomia entre nosso setor produtivo de capital nacional e empresas de capital transnacional, nada disso parece importar aos formuladores desse PL. Acirra-se a lei das selvas, o predomínio predatório do capital e do mercado sobre os interesses sociais e as condições de vida de nossas populações”. O autor lembra ainda que nos anos 1990, quando a regulação era feita pela então Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, Collor gestou o Projeto Inovar, para reduzir a interferência do governo: “Sua vigência levou ao registro irregular de enorme quantidade de medicamentos, acirrando a disputa entre interesses sociais e econômicos, ou saúde x comércio”.
ELOGIO
Editorial da Folha hoje elogia a proposta do Ministério da Saúde de mudar o financiamento da atenção básica, repassando recursos não com base na população de um município, mas na quantidade de usuários cadastrados pelas equipes. Para o jornal, “uma gestão eficiente não pode pautar-se somente por critérios demográficos” e precisa olhar a “produtividade” – e a proposta introduz critérios de desempenho para os repasses, como qualidade do pré-natal. O texto lembra que existem especialistas contrários, que veem o princípio da universalidade ferido pela proposta. “A controvérsia tem razão de ser, quando se considera que o Sistema Único de Saúde é uma estrutura gigantesca e profundamente heterogênea. Não raro observa-se um fosso entre o efeito esperado de uma medida e aquilo que de fato ocorre no mundo real”, diz o jornal, que recomenda que o Ministério teste o modelo em alguns locais antes de implantá-lo no país todo.
CONTRA O HIV
O Brasil fará parte da última fase de testes de uma vacina contra o vírus HIV. O imunizante é resultado de uma parceria entre o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos e a empresa Janssen em um projeto chamado Mosaico. A vacina contém diferentes subtipos do HIV (daí o nome “mosaico”) que não são capazes de infectar. O estudo vai verificar se elas são capazes de estimular as células de defesa a criar uma barreira contra a infecção no caso de um real contato com o vírus. Além dos EUA e do Brasil, os testes vão acontecer na Argentina, Itália, México, Polônia, Espanha e Peru, e envolver 3,8 mil homens e pessoas transexuais que mantêm relações com homens e transexuais. Por aqui, a Faculdade de Medicina da USP é quem vai tocar o projeto.
E outro estudo, ainda bem incipiente, está sendo desenvolvido pela farmacêutica Merck. A empresa testou em 12 pacientes, por 12 semanas, um implante que contém um novo medicamento que, em tese, pode prevenir infecção por HIV durante um ano. Tanto os testes para a vacina, quanto a notícia deste implante foram dados durante a 10ª Conferência da International AIDS Society sobre a Ciência do HIV, que terminou ontem na Cidade do México.
DISFARCE VIOLENTO
Comentamos aqui há alguns meses quando o jornal The Guardian publicou uma matéria sobre o “breast ironing” (passar o seio a ferro) no Reino Unido. Havia cerca de mil meninas imigrantes em risco. Ontem, no El País, outra reportagem fala de como essa prática tradicional na África Ocidental ainda é pouco investigada. A “prática dolorosa de massagear ou golpear o peito das meninas com objetos quentes para suprimir ou reverter o crescimento destes”, na definição da ONU, é uma das cinco violências contra a mulher menos documentadas do mundo. É possível que mais de quatro milhões de meninas já tenham sido submetidas a isso, e o ‘objetivo’ é que seus seios não despertem a atenção dos homens, adiando o início da vida sexual das garotas, os casos de assédio e as gestações indesejadas. “Minha mãe foi procurar um bastão e me explicou que tinha que me bater com ele todas as manhãs, ao amanhecer. Achei um pouco estranho, não entendia. Quando os peitos começam a crescer, dói. Então quando batem é pior…”, relata uma mulher.
SUSCETÍVEIS
A Coordenadoria de Vigilância em Saúde da cidade de São Paulo estima que 75% dos jovens residentes na capital que nasceram entre os anos 1990 e 2004 não receberam a segunda dose da vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola. O número de suscetíveis chegaria a 2,1 milhões.
RESISTENTES
Espalham-se pela Ásia parasitas da malária resistentes ao tratamento principal. Hoje, metade dos pacientes do Vietnam, Camboja e Tailândia não respondem mais aos medicamentos de primeira linha. O alerta vem de um estudo da Universidade de Oxford publicado esta semana no Lancet Infectious Diseases.
CONTRA O VAPING
A partir de hoje, entra em vigor uma nova política para restringir a venda e limitar conteúdos relacionados ao álcool e produtos de tabaco no Facebook e no Instagram. As empresas que postarem conteúdo sobre bebidas alcoólicas ou tabaco precisarão restringi-lo a maiores de 18 anos. Os grupos criados para a venda, troca, transferência ou oferta de presentes com esses produtos também devem se adequar as novas regras, informa a Veja. A decisão é estimulada pelo crescimento do vaping, o consumo do cigarro eletrônico por adolescentes nos Estados Unidos. Mas vale para todos os países. Quem desrespeitar as regras poderá ser removido das redes sociais.
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