Bolsonaro, o centro da estupidez que assola o país

Declarações de ontem são parte de uma carreira política construída sobre absurdos. Leia também: garimpo ilegal avança também sobre os Yanomami; Nordeste aprova Mais Médicos regional; o massacre de Altamira

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres | Imagem: Sandro Boticelli, O Abismo do Inferno (1445)

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“CONTO PRA ELE”

Jair Bolsonaro construiu sua carreira política em torno de declarações absurdas contra os direitos humanos e em favor do golpe de 64 e da ditadura que se impôs a partir dali – de modo que não sabemos se as falas de ontem o enfraquecem ou fortalecem. Mas é impossível ignorá-las. O assunto nem era a ditadura, e o comentário era inicialmente sobre Adélio Bispo. Segundo o presidente, a OAB impediu que a Polícia Federal  “entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados” de Adélio. “Quem é essa OAB?“, perguntou Bolsonaro. Mas aproveitou para atacar o presidente da OAB Felipe Santa Cruz: “Se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele”. Depois disse, no Facebook, que Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira foi morto não por militares, mas pelo grupo Ação Popular do Rio de Janeiro. 

Não é o que afirma a certidão de óbito de Oliveira, emitida na semana passada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, onde consta que a morte foi causada pelo Estado brasileiro.

Na Agência Pública, uma interessante avaliação do governo feita pelo historiador português Manuel Loff, que há 30 anos estuda regimes autoritários. Para ele, o mundo vive uma “transição autoritária” desde 2011, e o Brasil é um dos casos mais avançados em direção ao fim da democracia. 

DESDE CARANDIRU

O massacre no Centro de Recuperação Regional de Altamira é o maior ocorrido em um mesmo presídio desde Carandiru, em 1992. Ontem, a rebelião com cinco horas de duração deixou 57 mortos no município paraense. Ao menos 16 detentos foram decapitados. Ao que tudo indica, a chacina foi motivada por uma briga entre duas facções criminosas: Comando Classe A e Comando Vermelho. Foi em meio a muito desespero que as famílias ouviram a confirmação dos nomes dos mortos, lida por uma assistente social

INVASORES

Dario Vitório Kopenawa Yanomami, presidente da Hutukara Associação Yanomami, denuncia na Deutsche Welle a explosão do garimpo ilegal em sua terra indígena. O aumento está ligado à redução da vigilância: três das quatro bases proteção da Funai no local foram desativadas no ano passado. Dario e seu pai estão ameaçados de morte.

E, quando enviamos a newsletter de ontem, a informação da assessoria do governo federal ao Valor era a de que Bolsonaro não ia comentar a invasão nas terras Waiãpi. Logo depois, porém, o presidente comentou, e provavelmente todo mundo já viu: disse que não havia “nenhum indício forte” em relação ao assassinato. Mais tarde, o procurador da República Rodolfo Lopes, do Ministério Público Federal, também afirmou que não viu indícios, tampouco tem “como confirmar que foi um homicídio” a morte a facadas do cacique Emyra Wajãpi. Segundo ele, o MPF “não descarta a possibilidade de invasão” em outras áreas da terra indígena e “todas as linhas de investigação” estão abertas. “A PF deve concluir seu relatório até o final desta semana, mas as investigações continuarão”, disse Lopes.

Em entrevista a Jamil Chade, no UOL, a relatora da ONU para os Povos Indígenas Victoria Tauli-Corpuz responsabiliza Bolsonaro pelas invasões: “Um dos elementos é o fato de que o presidente tem feito anúncios de que terras indígenas podem ser usadas para atividades produtivas. Essa é uma das razões que explicam a situação”, disse ela.

Ainda mais direto é Kleber Karipuna, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira: “As pessoas que estão em conflito com os povos indígenas lá entendem isso como um sinal positivo de que podem fazer tudo o que for possível pra explorar os territórios, de que, se for necessário matar, que mate“. No Brasil de Fato. 

EM QUARTO

O Brasil deixou a primeira posição e passou a ser o quarto país que mais mata ativistas ambientais, segundo o balanço anual da ONG Global Witness. O relatório registrou por aqui 20 homicídios em 2018, num universo de 164 pessoas assassinadas em todo o mundo por defender suas casas, terras e recursos naturais da exploração de mineradoras e agronegócio.

PARCERIA NORDESTINA

Num esforço de cooperação inédito na área da saúde, os governadores do Nordeste aprovaram ontem a criação da versão regional do programa Mais Médicos, que terá também um braço de investimentos na ampliação da oferta de serviços de saúde. O projeto será um dos primeiros executados pelo Consórcio Nordeste, criado para viabilizar parcerias entre os nove estados. De acordo com o governador da Bahia, Rui Costa (PT), o programa regional vai atuar de forma complementar à iniciativa federal ‘Médicos pelo Brasil’, que deve ser enviada ao Congresso em breve. Além disso, o programa não prevê a retomada da parceria com a Opas para contratação de médicos cubanos. A forma encontrada para suprir a demanda por profissionais é a revalidação dos diplomas. Estima-se que haja 19 mil brasileiros formados em medicina no exterior sem autorização para exercer suas práticas por aqui. Para dispor dessa força de trabalho, o programa vai firmar parcerias com universidades estaduais, que devem oferecer disciplinas que complementem o currículo dessas pessoas. Não está ainda muito claro como se pretende revalidar os diplomas na velocidade e escala necessárias. Isso porque a prova é feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mas não acontece desde 2017. 

PODEM FICAR

O governo federal regulamentou a concessão de residência para os cerca de dois mil cubanos que participaram do Mais Médicos e ficaram por aqui. A concessão vai ter validade de dois anos e vai ser condicionada à comprovação de atuação no programa e a uma certidão de antecedentes criminais. Antes de o prazo acabar, também vai ser possível pedir residência por tempo ilimitado.

HIGIENISMO

No domingo, um morador de rua matou duas pessoas e feriu outras cinco a facadas na Lagoa. Pois a solução do governador do Rio Wilson Witzel, membro do Partido Social Cristão, – que declarou que “teria dado um tiro na cabeça” do agressor – poderá ser a internação compulsória de moradores de rua. Segundo O Globo, ele e seu secretário de saúde vão decidir, em até 30 dias, se pessoas aparentando estar sob o efeito de drogas que se recusem a seguir para as assim chamadas casas de acolhimento serão forçadas a se internar. 

NEM PENSAR

Segundo Guilherme Amado, na Época, o Sindicato dos Médicos do Amazonas e representantes de outras 15 associações médicas fizeram na semana passada um pedido ao ministro Luiz Henrique Mandetta: que o governo federal decretasse uma intervenção na saúde do estado. Foram projetadas imagens de cirurgias paralisadas por falta de equipamentos e doentes em estado grave. Mandetta descartou uma intervenção, justificando que uma das condições deste ato jurídico é que o Congresso interrompa a votação de emendas à Constituição – o que atrapalharia a reforma da Previdência.

DESCOBERTA

Durante os últimos surtos de febre amarela, você provavelmente leu histórias de pessoas que foram procurar assistência médica razoavelmente bem e, poucos dias depois, acabaram morrendo. Até hoje, não havia marcadores que ajudassem a equipe de saúde a fazer uma boa triagem dos pacientes com mais chances de ter complicações daqueles que têm menos. Um estudo publicado na Lancet por pesquisadores brasileiros identificou pela primeira vez os quatro fatores de risco de morte relacionados à doença: idade avançada, contagem de neutrófilos elevados, aumento da enzima hepática AST e maior carga viral. A pesquisa teve apoio da Fapesp e foi desenvolvida pela USP e pelo Instituto Emilio Ribas.

Falando em febre amarela, segundo o blog do colunista Lauro Jardim, o Ministério da Saúde prevê que surtos da doença aconteçam em Santa Catarina e Paraná. 

FALTAM LEITOS

Levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria com base no cadastro nacional de estabelecimentos de saúde mostrou que entre 2010 e 2019 o SUS perdeu 15,9 mil leitos de internação pediátrica. Em maio deste ano, eram 35 mil. Já a rede privada viu uma redução de 2,1 mil no mesmo período, dispondo de um total de 8,7 mil leitos hoje. Os estados do Nordeste foram os que mais sofreram com a desativação desse tipo de leito, tendo perdido cerca de 5,3 mil no período, seguidos pelo Sudeste, que experimentou uma redução de 4,2 mil. Os leitos são usados para internar crianças por mais de 24 horas, principalmente para tratar doenças respiratórias, problemas gastrointestinais, alergias e arboviroses. 

Em relação a leitos intensivos neonatais, a SBP aponta que enquanto o índice brasileiro fica em 3,1 leito para cada grupo de mil nascidos vivos, o ideal seriam quatro. Mas, na verdade, quase metade desses leitos não estão de fato disponíveis para todos, já que o SUS conta com apenas 1,6 leito a cada mil nascidos.

MAIS EMBAIXO

O greenwashing da indústria de plásticos é o assunto da longa reportagem de Sharon Lerner publicada no Intercept. O relato expõe os limites da reciclagem de plásticos, principal bandeira do setor para o meio ambiente, e revela como as empresas atuam para derrubar medidas que efetivamente funcionam, como as restrições e proibições ao uso de sacolas. Nos EUA, se em 1994 eram reciclados 5% dos plásticos, 20 anos depois a taxa chegou a meros 9,4%. E menos de 1% das bilhões de sacolas usadas por lá são recicladas a cada ano. Apesar disso, as campanhas de reciclagem continuam servindo de publicidade: no Tennessee, ao mesmo tempo em que premiou crianças em campanha pela reciclagem, a indústria fez lobby e conseguiu que o governador do estado revogasse o direito de as cidades limitarem o uso de produtos plásticos. 

TEM MAS ACABOU

A humanidade esgotou ontem todos os recursos naturais – água, terra e ar limpo – disponíveis para 2019. Segundo os cálculos da Global Footprint Network, ontem atingimos o Dia de Sobrecarga da Terra, quando o planeta passa a consumir mais do que é capaz de recuperar até o fim do ano. Há 20 anos, esse dia só chegava em setembro.   

BOM RESUMO

A matéria da National Geographic é longa, mas ainda assim é um bom resumo da situação do Brasil em relação aos agrotóxicos. Partindo do recorde de liberações no governo Bolsonaro, fala das implicações para a saúde e o meio ambiente, explica as discussões sobre o glifosato, cita a crise das abelhas e descreve possíveis mudanças na legislação, com os projetos de lei do Veneno e também o da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos em pauta. 

PARA AS NEGLIGENCIADAS

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou um investimento de R$ 50 milhões para pesquisas sobre doenças transmissíveis e negligenciadas. Serão três chamadas públicas que devem ser publicas no site do CNPq ainda este ano. 

NOVAS DIRETRIZES

Na semana passada, a OMS atualizou as diretrizes para o uso da profilaxia pré-exposição ao HIV – conhecida como PREP –, tratamento cuja eficácia chega a quase 100% dos casos. Antes, a frequência era diária, de forma contínua. Agora, o organismo recomenda o chamado esquema 2+1+1, que consiste no uso de duas pílulas entre duas e 24 horas antes de o sexo ocorrer. Após 24 horas da dose dupla, deve ser tomado outro comprimido e, por fim, mais uma pílula depois de 24 horas. Se as relações sexuais aconteceram por vários dias seguidos, a pessoa deve tomar um comprimido diariamente, até 48 horas após o último evento. Em nota enviada à Folha, o Ministério da Saúde informou que a recomendação da OMS está sob análise da área técnica. Por enquanto, no SUS a recomendação continua sendo uma pílula de uso diário. 

INÉDITA

Pela primeira vez, médicos nos EUA usaram a técnica CRISPR, de edição genética, para tratar uma paciente com uma doença genética. Foi uma mulher com doença falciforme. 

EM DETALHES

Saiu a programação completa da 16ª Conferência Nacional de Saúde, com todas as mesas e palestrantes.

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