Quando só o lucro move a indústria farmacêutica

Mirando drogas mais rentáveis, corporações abandonam itens básicos, como insulina e penicilina — sem falar nas “doenças de pobre”. Leia também: seis meses de luto em Brumadinho; obesidade no Brasil atinge maior índice em 13 anos

.

Por Maíra Mathias e Raquel Torres

MAIS:
Esta é a edição de 26 de julho da nossa newsletter diária: um resumo interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui.

A INDÚSTRIA E SEU ABISMO

Reportagem de capa da revista de fim de semana do Valor fala sobre como os avanços tecnológicos na indústria farmacêutica têm criado um abismo entre quem pode e quem não pode bancar medicamentos cada vez mais caros e personalizados. São as terapias gênicas, feitas sob medida, a fronteira que o setor está interessado em explorar agora. Enquanto isso, nota a reportagem, as empresas perdem o interesse em produzir coisas básicas como insulina. Sem falar em achar soluções para doenças que sempre foram negligenciadas por atingir as populações pobres do planeta. Segundo relatório da OMS, a cada US$ 1 investido em pesquisa e desenvolvimento, a indústria obteve um retorno de aproximadamente US$ 14 – o que significaria, na avaliação de oficiais do organismo, que parte dela está se concentrando em produtos de alto retorno para o investimento, o que desequilibra a oferta de medicamentos. 

Por aqui, a entidade que representa a indústria nacional – Sindusfarma – defende que cabe aos laboratórios públicos atender a população com medicamentos de menor interesse comercial, como penicilina, os remédios mais antigos que já perderam as patentes e os medicamentos para doenças negligenciadas. Às empresas “caberia” apenas os nichos lucrativos do mercado. O que, é claro, como nota Jorge Mendonça, diretor do laboratório público Farmanguinhos, da Fiocruz, causa um estrangulamento para o setor público, ainda mais em um cenário de desfinanciamento da saúde. E a penicilina é um bom exemplo, pois está faltando em diversas unidades públicas do país mesmo em um cenário de epidemia de sífilis. 

Além disso, informa a reportagem, o país assiste à desativação de diversas fábricas que produzem os medicamentos clássicos, sintéticos, caso das multinacionais Roche e Eli Lilly. As empresas estão interessadas nos chamados produtos biológicos, feitos a partir da nano e biotecnologia, que proporcionam maior eficácia e menores efeitos colaterais e em doenças como câncer. “A questão é que, para a fabricação desses medicamentos mais avançados, não são necessárias grandes instalações fabris. O importante é que a produção esteja estrategicamente localizada no mundo para atender aos mercados mais demandantes, que se encontram no hemisfério Norte”, explica a repórter Amália Safatle. Dados citados na matéria dão conta de que a Europa possui 20% do mercado farmacêutico, enquanto a América Latina toda fica só com 7% – e o Brasil detém 4%. 

SEIS MESES DE LUTO

No UOL, uma reportagem especial sobre os lutos em Brumadinho. O mais doído é provavelmente o das famílias de 22 vítimas que continuam desaparecidas depois do rompimento da barragem. A estas, somam-se as que enterraram seus entes sem velório, sem sequer conseguir olhar para eles. E também os que não perderam ninguém, mas perderam toda a vida do jeito que ela costumava ser. Há muitos órfãos e muitas famílias que não puderam voltar para casa. Hoje, os moradores da cidade mineira convivem com trânsito mais intenso, preços superfaturados e problemas de saúde.

O número de atendimentos nos postos de saúde quase dobrou neste semestre na comparação com os seis primeiros meses do ano passado.A distribuição de ansiolíticos pelo SUS aumentou 60%, e a de antidepressivos, 30%. “É transtorno de ansiedade, quadros de depressão, tentativas de suicídio, violência doméstica, abuso de álcool e drogas”, elenca o coordenador clínico de saúde mental da cidade, Rodrigo Nogueira.

Por enquanto, cerca de cem mil pessoas estão recebendo um salário mínimo mensal da Vale que vai durar, no total, um ano –  estas pessoas são menos de 10% dos atingidos. A empresa assinou também um acordo de indenização às famílias das 242 vítimas fatais: cada uma deve receber R$ 700 mil. Mas o acordo pode não vingar porque a reforma trabalhista restringe as indenizações a 50 salários mínimos. Já o trem da Vale segue transportando minério. A empresa ainda possui concessão de outras quatro reservas na região, com mais de 300 milhões de toneladas de minério de ferro, segundo o Brasil de Fato. “O zelo pela vida não faz parte da mineração. Onde tem a mineração só sobrevive ela mesma”, diz uma mulher que perdeu o filho.

AMIANTO

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho ajuizou no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a lei goiana que autoriza a extração e o beneficiamento do amianto para exportação no estado. O Supremo já havia declarado a inconstitucionalidade da lei nacional que permitia essa exploração, por conta dos malefícios à saúde. 

SAÚDE DOS BRASILEIROS

A população brasileira atingiu o maior índice de obesidade dos últimos 13 anos. A conclusão é da pesquisa Vigitel, feita pelo Ministério da Saúde por telefone. E 2006, 11,8% dos entrevistados se declararam obesos, número que pulou para 19,8% no ano passado. O problema atinge particularmente os adultos, com aumento de 84% na faixa etária de 25 a 34 anos, e 81% entre pessoas com 35 e 44 anos. A quantidade de brasileiros com excesso de peso também cresceu, e já representa 55,7% da população do país. Foi um aumento de 30,8% na comparação com 2006, quando esse número era bem menor, de 42,6%.

Ao mesmo tempo, foi registrado um aumento de 15% no consumo de frutas e hortaliças. Em 2008, 20% declaravam consumir esses alimentos. Já em 2018, o número aumentou ligeiramente para 23%. A prática de atividade física aumentou 25,7% (entre 2009 e o ano passado). E o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas entre adultos das capitais brasileiras caiu significativos 53% entre 2007 e 2018.   

A Vigitel também pesquisou o consumo de álcool na população. E constatou que o chamado consumo abusivo da substância aumentou 42,9% entre as mulheres: o registro foi de 7,7% em 2006, e de 24,8% em 2018. No geral, 17,9% dos brasileiros estão fazendo uso abusivo do álcool – quando o registrado em 2006 foi 15,6%. A população que mais consome bebidas alcoólicas de forma abusiva são os homens adultos, na faixa dos 25 aos 34 anos (34%). Em segundo lugar, ficam as mulheres jovens, entre 18 e 24 anos (18%).  

UM AQUECIMENTO, UM FUNGO

Ninguém sabe de onde veio, como apareceu quase ao mesmo tempo em continentes diferentes e, especialmente, como combater o fungo Candida auris, que preocupa os cientistas há dez anos, quando foi identificado – as infecções não respondem a diferentes tratamentos, podem ser transmitidas entra pacientes em unidades de saúde e são fatais em 30% a 60% dos casos. Agora, pesquisadores dos EUA e da Holanda apresentaram uma teoria: a de que o aquecimento global pode ter sido fundamental para o desenvolvimento do fungo. Em artigo publicado na mBio, eles sugerem que este pode ser a primeira doença fúngica que surge por conta da crise climática. Alertam, no entanto, para outros fatores que podem influenciar: o uso generalizado de drogas antifúngicas e o uso pesado de fungicidas nas plantações. 

É… o aquecimento global registrado hoje supera, em velocidade e extensão, qualquer outro evento climático registrado nos últimos dois mil anos. O período mais quente dos últimos milênios foi durante o século 20 em mais de 98% do globo. Isso não se compara nem à ‘Pequena Era do Gelo’, quando houve resfriamento acentuado entre os anos 1300 e 1850, mas de forma mais pronunciada em alguns locais. “As causas naturais não são suficientes em nossos dados para realmente causar o padrão espacial e a taxa de aquecimento que estamos observando agora”, diz um dos autores. A conclusão é que os seres humanos estão definitivamente por trás disso. 

E o derretimento glacial subaquático está cem vezes mais veloz do que se supunha. 

CERCO FECHADO

Um militar fardado gravou e fotografou participantes da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, esta semana, na UFMS. Foi gravada a apresentação do neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da UFRN, que fez críticas contundentes ao governo Bolsonaro. “A opção de cortar na ciência foi uma opção desastrada e política. O cenário é de desmonte da ciência brasileira. A única coisa boa desse quadro é que quem está no fundo do poço, só pode subir”, disse. Os participantes disseram que se sentiram intimidados, já que o militar filmo bem o rosto das pessoas, e não informou o objetivo. A Ponte fez uma série de perguntas à comunicação do Exército, mas não teve resposta. 

Na terça, policiais rodoviários federais invadiram uma reunião de professoresque organizavam uma manifestação contra o presidente em Manaus. De acordo com os policiais, estavam cumprindo ordens do Exército.

SINAL TROCADO

No Rio, o governador Wilson Witzel (PSC) anunciou a criação de uma secretaria de “vitimização” dos policiais militares – apesar de a morte de agentes de segurança seguirem tendência de queda, ao contrário do número de pessoas mortas por policiais, que só cresce.

DESDOBRAMENTOS

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica criou uma força-tarefa para identificar casos de câncer ligados a próteses de mama. Especialistas ouvidos pelo Estadão calculam que o País teve pelo menos uma dezena de casos de linfoma anaplásico de células grandes em pacientes com próteses. Como os registros são informais, nem todos têm evidências científicas de que foram os implantes que desencadearam a doença. Esse número, porém, pode ser maior já, que o Brasil é um dos que mais colocam próteses no mundo. 

Após o anúncio do recall da Allergan, a Anvisa informou que deve publicar medida cautelar nesta sexta-feira, 26, suspendendo a comercialização de próteses de silicone da empresa no Brasil. 

QUEM SÃO?

A fundação filantrópica do bilionário americano Michael Bloomberg lançou ontem uma plataforma on-line com uma lista de empresas, centros de pesquisa e organizações que contribuem para promover a indústria tabagista sem, necessariamente, reconhecer conflitos de interesses com o setor. O banco de dados custou US$ 20 milhões e foi elaborado pela Stopping Tobacco Organisations and Products (Stop), campanha antitabaco ligado à Bloomberg. 

DE NOVO

Mais um juiz nos EUA reduziu a indenização devida pela Bayer por conta do Roundup. Dessa vez, o veredicto previa o pagamento de US$ 2 bilhões – no processo de um casal que desenvolveu câncer –, mas ele foi reduzido a 87 milhões. O juiz considerou que o valor inicial era excessivo e inconstitucional.  

PARA LER E VER

“Ele nunca veio no Vale do Jequitinhonha e parece que nunca andou pelas ruas do país” – é o que diz Elane Santos, moradora de Almenara (MG), referindo-se às declarações de Jair Bolsonaro sobre a fome. Ela tem quatro filhos, está desempregada e o marido é trabalhador rural diarista. O fotógrafo Nilmar Lage fez um ensaio na região, entrevistando famílias como a de Elane. Está na Agência Pública. 

CHAMADO

A Federação Mundial das Associações de Saúde Pública (WFPHA) lançou uma chamada para participação em livro sobre experiências internacionais em advocacy na saúde. É preciso enviar um breve resumo da experiência até 30 de novembro.

Leia Também: