Em doze filmes, Deleuze e o pensamento nômade

Filósofo francês acreditava na potência do corpo e em múltiplas formas de enxergar o “real”. Cinema pode ajudar a examinar suas ideias — muito citadas, porém pouco compreendidas

Por Fernando Boechat, no Cineplot

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Filósofo francês acreditava na potência do corpo e em múltiplas formas de enxergar o “real”. Cinema pode ajudar a examinar suas ideias — muito citadas, porém pouco compreendidas

Por Fernando Boechat, no Cineplot

Bem, algo nômade é algo que transita, não tem habitação fixa. O pensamento nômade é, portanto, um pensamento que não parte de premissas pré-estabelecidas para se desenvolver. Para entender o que é o pensamento nômade é necessário primeiro entender o que é o pensamento clássico e como e porque o primeiro se afasta do segundo.

Como historiador da filosofia, Deleuze se debruçou tanto sobre a história do pensamento filosófico como sobre a história do pensamento para além da filosofia, já que esta com certeza influenciou a própria noção do que seria o pensamento.

Por mais que existam pensadores nômades na filosofia — Nietzsche um dos principais, com Deleuze e Foucault dando continuidade em alguns pontos –, o campo que parece mais adequado para este tipo de pensamento é a arte, por suas possibilidades mais abertas. Se alguns, como Bataille, alcançaram a transgressão de forma poética, outros, como Pasolini, também o fizeram.

O pensamento vem sido caracterizado desde Sócrates e Platão como tendo três atributos principais: 1) “Tem uma boa natureza e uma boa vontade. Goza de uma natureza que tende à verdade e é buscada pelos sujeitos de ‘boa vontade’”; 2) Existem forças avessas ao pensamento. Seriam as forças do corpo e das paixões que fazem tomar o falso pelo verdadeiro; 3) Necessitamos de um método rigoroso para apreensão da verdade plena.

Esse modo clássico atribui ao pensamento uma verdade. O pensamento seria, então, uma forma de alcançar a verdade, verdade essa que já é intrínseca às coisas. E se é possível chegar à verdade das coisas pelo pensamento, é porque elas alcançam sua realidade absoluta em outro campo, além do material, o metafísico, do qual o pensamento se aproxima por seu caráter imaterial.

O pensamento clássico possui características que nos afastam do pensamento nômade. Fiquemos com algumas ao menos, a saber: esse último não crê em verdades absolutas, parte do perspectivismo: uma mesma coisa pode ser apreendida de diversas formas por diversas pessoas e por diversos motivos, cada ponto de observação e cada subjetividade terá uma apreensão diferenciada ao encontro do mesmo fenômeno.

Enquanto o pensamento clássico, platônico, pretende a mortificação do corpo para uma apreensão mais pura da verdade, o pensamento nômade encontra no corpo um espaço de resistência aos dispositivos de poder (entramos aqui mais propriamente em Foucault). Se o poder age sobre o corpo, interditando a sexualidade e comportamentos desviantes, é pelo corpo que o pensamento nômade irá ter um de seus campos de resistência.

Cabe concluir que o pensamento nômade não é um pensamento metafísico, na realidade, ele, assim como o discurso, é também uma prática. Parte da matéria para depois ir para o pensamento. É só através de um choque com a realidade que o pensamento é ativado em busca de alguma verdade (nunca absoluta).

Para Deleuze, “O que define o pensamento, as três grandes formas do pensamento, a arte, a ciência e a filosofia, é sempre enfrentar o caos, traçar um plano, esboçar um plano sobre o caos.” (2000, p. 252)

Isso, se não chega a esclarecer o inesgotável tema que é o pensamento nômade, ao menos aponta para suas características anárquicas e antidogmáticas. Este, mobiliza através de seu pensamento novas formas de existência, singulares, que não se encaixam em quaisquer categorias pré-estabelecidas, sendo a própria categorização um modo de querer enquadrar essa singularidade em um papel pré-estabelecido, da qual ele, em sua natureza transgressora, não pertence.

  • O abismo de um sonho

Abismo do Sonho

Direção: Federico Fellini

País: Itália

Um casal recém-casado chega a Roma para a lua-de-mel. O marido, Ivan, tem um tio muito influente na cidade, e conseguiu para os dois uma audiência com o Papa, além de ter vários planos turísticos programados. Porém, sua jovem esposa aproveita um momento de descanço para ir a uma produtora de fotonovelas entregar um presente para seu herói predileto, o Sheik Branco, que então a convida para ir ao set de filmagens, fora da cidade. Enquanto isso, Ivan descobre que a mulher sumiu, e têm de inventar algo para que sua família não perceba.

  • O Decameron

O Decamerão

Direção: Pier Paolo Pasolini

País: Itália

Sinopse:

Baseado nos eternos clássicos de Boccaccio – e o primeiro filme da Trilogia da Vida de Pasolini – Decameron é uma “irreverente travessura” (Variety), “positivamente triunfante em sua malícia” (Films and Filming)! Freiras devassas que realizam “milagres” sexuais, uma esposa traiçoeira com habilidade para negócios, um artista tuberculoso à beira da morte que tenta trapacear com o Céu, jovens amantes apanhados com as calças na mão, um criado que perde a cabeça por amor e um simplório fazendeiro que tenta transformar sua esposa numa égua. Estas são apenas algumas das histórias que Pasolini traz à vida com maestria!

  • Meu Winnipeg

Meu Winnipeg

Direção: Guy Maddin

País: Canadá

Sinopse:

A natureza da memória como local de nascimento e o entendimento das mitologias pessoais. Tanto uma reflexão mística como uma história pessoal, crônica de uma cidade e fantasia proletária pós-freudiana desordenada, Meu Winnipeg mistura mito local com trauma de infância. Tudo narrado pela energia inspirada e normalmente divertida de Maddin. “Encante-me com seu jeito pessoal” foi o pedido do produtor executivo Michael Burns, e a deixa para Maddin explorar o encanto de sua cidade natal. Misturando animação, arquivos de registros e reconstituições, o diretor criou uma extraordinária homenagem visual com a marca do seu estilo original.

  • O Céu que nos Protege

O Céu que nos protege

Direção: Bernardo Bertolucci

País: Itália

Sinopse:

Kit Moresby viaja pela África com o marido, Port, logo após o término da Segunda Guerra Mundial. Milionários, vêem seu casamento afundar e encaram a viagem como uma derradeira tentativa de colocar as coisas em seus lugares. Mas quanto mais se embrenham no deserto, mais distantes ficam um do outro.

  • O enigma de Kaspar Hauser    

O Enigma de Kaspar Hauser

Direção:  Werner Herzog

País: Alemanha

Sinopse:

Kaspar Hauser é um jovem que foi trancado a vida inteira num cativeiro, desconhecendo toda a existência exterior. Quando ele é solto nas ruas sem motivo aparente, a sociedade se organiza para ajudar Kaspar, que sequer conseguia falar ou andar, mas este logo acaba se tornando uma atração popular. Baseado em uma história real.

  • O grande Lebowski

O Grande Lebowski

Direção:  Joel Coen e Ethan Coen

País: Eua e Reino Unido

Sinopse:

Em Los Angeles, 1991, Jeff Lebowski (Bridges), o último dos hippies, mais conhecido como “o Cara”, é atacado por dois marginais que o confundem com outro Lebowski (Huddleston), um milionário cuja mulher, Bunny (Reid), se endivida com extrema facilidade. Agora Lebowski terá que se virar para desfazer toda a confusão gerada por esse desentendimento.

  • Valerie e sua semana de deslumbramentos   

Valerie e sua semana de deslumbramentos

Direção:  Jaromil Jires

País: Tchecoslováquia

Sinopse:

Baseado no livro de mesmo nome de Vítězslav Nezval, Valerie, uma jovem adolescente que vive com sua avó, começa a ter os primeiros contatos com sua consciência sexual quando um grupo circense chega a sua cidade. Eaglet é um jovem que a presenteia com um par de brincos mágicos. A linha entre sonhos e realidade é tênue nesta fantasia psicológica surrealista. Uma história que trata de amor, medo, sexo e religião.

  • Mistérios e paixões

Mistérios e Paixões

Direção: David Cronenberg

País: Canadá

Sinopse:

Bill Lee é um escritor fracassado que trabalha como dedetizador de insetos para sobreviver. Porém, seu emprego está por um fio, já que, misteriosamente, o estoque de seu inseticida vive se esgotando. É quando ele descobre que sua mulher está viciada no produto, e, incentivado por ela, experimenta-o e inicia uma viagem alucinógena recheada de absurdos, na qual passa a servir a uma agência secreta chamada Interzone, convive com alienígenas e máquinas de escrever que se transformam em agentes secretos e inicia um tratamento a base de droga produzida por centopéias brasileiras.

  • Ano passado em Marienbad    

Ano Passado em Marienbad

Direção: Alain Resnais

País: França

Sinopse:

Sinopse: Num luxuoso e enorme palácio, transformado em hotel, entre corredores, salões decorados e estátuas, um estranho tenta convencer uma mulher casada a fugirem juntos. Ele diz conhecê-la. Diz que foram amantes. Entretanto, parece difícil fazê-la lembrar de que tiveram um caso (ou que não tiveram) no ano passado, em Marienbad.

  • O Éden e após     

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Direção:  Alain Robbe-Grillet

País:  França

Sinopse:

No labiríntico Éden Café, um grupo de estudantes franceses se encontra para se distraírem com jogos que envolvem roleta russa, envenenamento e estupro. Até que um misterioso personagem entra em cena. Ele dá uma substância de nome “pó do medo” a Violette, e ela imagina a si mesma na Tunísia, em uma série de vinhetas sadomasoquistas com o homem e seus colegas interpretando vários personagens e sofrendo múltiplas mortes até o obscuro desfecho da alucinação e do filme.

  • O homem com a câmera  

Kino Eye

Direção: Dziga Vertov

País: União Soviética

Sinopse:

Um experimento cinematográfico que foi considerado inovador para a sua época por utilizar várias técnicas até então pouco ou nada vistas. É um documentário que mostra um dia normal, totalmente típico, na cidade de Moscou.

  • A grande beleza   

A Grande Beleza

Direção: Paolo Sorrentino

País: Itália

Sinopse:

Em Roma, durante o verão, o escritor Jap Gambardella reflete sobre sua vida. Ele tem 65 anos de idade, e desde o grande sucesso do romance “O Aparelho Humano”, escrito décadas atrás, ele não concluiu nenhum outro livro. Desde então, a vida de Jep se passa entre as festas da alta sociedade, os luxos e privilégios de sua fama. Quando se lembra de um amor inocente da sua juventude, Jep cria forças para mudar sua vida, e talvez voltar a escrever.

  • Brancaleone nas cruzadas

Brancaleone nas Cruzadas

Direção :Mario Monicelli

País: Itália

Sinopse:

O aventureiro Brancaleone e seu exército de trapalhões partem para um outro desafio – a conquista do sepulcro sagrado, porém, todo seu exército é massacrado em um combate. Depois, em seu caminho se unem a ele um anão, uma bruxa maluca, um masorquista que chora coplosamente quando Brancoleone o chuta. Em sua cruzada nosso destemido cavaleiro acaba se envolvendo em um conflite entre dois rivais, o Pápa Clemente e o Pápa Gregório.

  • Monty Python – O Sentido da Vida   

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Direção: Terry Gilliam e Terry Jones

País: Reino Unido

Sinopse:

Com humor corrosivo, a trupe de comediantes britânicos ganha a tela para satirizar a medicina, a igreja, os militares, o sexo, e tudo o que é levado a sério demais pelos seres humanos normais.

  • Pequenas Margaridas      

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Direção: Vera Chytilová

País: Tchecoslováquia

Sinopse:

Utilizando-se de avançados efeitos especiais para a época, Vera Chytilová dirigiu esta obra surrealista que conta a história de duas garotas chamadas Marie, que ao reconhecerem que o mundo está corrompido,  decidem embarcar em uma série de brincadeiras desconstrutivas, alterando tudo o que está ao redor delas.

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2 comentários para "Em doze filmes, Deleuze e o pensamento nômade"

  1. LUCIANA BOTTINI disse:

    Descanso por favor

  2. thais disse:

    Ótima lista! Pequenas Margaridas é esplêndido; “nós existimos, nós existimos, nós existimos!”

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