Vacinas: acordo avança, mas tem estranha exceção

Ministério da Saúde anuncia cinco protocolo de intenção de compra de vacinas; CoronaVac, no mesmo estágio clínico das outras, fica de lado

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O Ministério da Saúde informou ontem que decidiu assinar cartas de intenção com cinco desenvolvedores de vacinas contra a covid-19. Os acordos não serão vinculantes e, segundo a nota divulgada pela pasta, a futura aquisição de doses vai depender “de uma série de premissas”, como demonstração de segurança e eficácia, preço, capacidade de produção em escala, oferta em tempo oportuno, condições logísticas oferecidas pelas empresas e aprovação pelos órgãos nacionais. O valor máximo a ser pago, por exemplo, deverá ser fixado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. A recomendação para que as vacinas façam parte do Programa Nacional de Imunizações deverá partir da Conitec, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. E, claro, o registro precisa ser dado pela Anvisa. 

Na sexta-feira, o secretário executivo da pasta, Élcio Franco, já havia anunciado com quem o ministério estava conversando. Houve reuniões com representantes da Pfizer e da BioNTech, empresas que desenvolvem juntas um imunizante e pediram à FDA autorização para uso emergencial nos Estados Unidos também na sexta. Segundo os dados preliminares da fase 3 dos testes clínicos, essa vacina tem 95% de eficácia na prevenção da covid-19 e nenhum efeito colateral grave. Sua desvantagem, como já comentamos por aqui, é que precisa ser congelado a cerca de -70°C.

Também houve conversas com a Moderna, que divulgou na semana passada eficácia de 94,5% da sua candidata. Apesar de usar a mesma tecnologia da Pfizer, baseada em RNA mensageiro, essa vacina tem uma tecnologia que permite que as doses sejam armazenadas em geladeiras comuns por 30 dias, e no resto do tempo tem uma temperatura ideal bem mais baixa: -20˚C.  

A outra empresa dos EUA na jogada é a Johnson & Johnson, multinacional cuja divisão de vacinas, chamada Janssen, desenvolve imunizante em parceria com os Institutos Nacionais de Saúde daquele país (NIH, na sigla em inglês). Também já comentamos por aqui os pontos fortes desta candidata: a ideia é que funcione em dose única e não precise ser mantida congelada, o que simplifica imensamente a logística de distribuição.

O ministério também vai assinar carta de intenção com o Fundo Russo de Investimento Direto, que negocia em nome do Instituto de Pesquisa Gamaleya. Na semana retrasada aconteceu o anúncio de que a Sputnik V tem eficácia de 92%. O imunizante foi registrado na Rússia antes mesmo do início dos testes da fase 3, em 11 de agosto. A vacina tem acordo de produção com o governo do Paraná e de distribuição com o governo da Bahia. 

Finalmente, o governo brasileiro conversou com a empresa indiana Bharat Biotech, que testa a Covaxin. Ontem, os executivos da farmacêutica anunciaram que a candidata deve apresentar 60% de eficácia. Mas, como destaca o site indiano The Wireé cedo para qualquer afirmação do gênero já que a fase 3 começou há pouco tempo, no início de novembro.

Não passou desapercebido o fato de que a carta de intenção não vinculante – que será assinada pelo Ministério da Saúde com esses cinco desenvolvedores – é o mesmo instrumento que seria usado com a CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Neste caso, porém, Eduardo Pazuello foi desautorizado por Jair Bolsonaro. O presidente anunciou o veto à intenção de compra dizendo que “não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem”. Mas a transferência de recursos só aconteceria se a compra fosse efetivada. Além disso, a CoronaVac está na mesma fase de estudos que as demais vacinas. O Estadão apurou que o ministério optou por assinar cartas de intenção para evitar nova “complicação política” com a compra de vacinas. Talvez o problema do governo federal não esteja no instrumento, mas na rivalidade com o governo de São Paulo…

O Ministério da Saúde calcula já ter previsão para acesso a 142,9 milhões de doses – o que garantiria imunização de cerca de 30% da população brasileira. Os imunizantes estariam garantidos por meio do acordo firmado com a Covax Facility, iniciativa global na qual o governo investiu R$ 2,5 bilhões para receber vacina para 10% da população. Algumas das empresas que devem assinar a carta de intenções com o governo brasileiro já aderiram ou estão pleiteando adesão ao Covax.

E também através do contrato de R$ 2 bilhões firmado com a AstraZeneca por cem milhões de doses da vacina de Oxford. Hoje, a farmacêutica e a universidade anunciaram que a vacina pode ter eficácia que varia entre 90% e 62%. O primeiro resultado teria sido atingido quando voluntários receberam metade de uma dose e, um mês depois, uma dose completa. O segundo número quando receberam duas doses completas. 

Timing

João Gabbardo, coordenador do centro de contingência da covid-19 em São Paulo – e ex-secretário executivo do Ministério da Saúde da gestão Mandetta – cobrou no sábado que a pasta acelere a definição da logística das vacinas contra o novo coronavírus, através de reuniões com governos e municípios. “Não podemos deixar para planejar isso quando vacinas tiverem o registro da Anvisa. Ou vamos perder tempo. O ideal era que nesse momento o planejamento estivesse pronto”, disse, em entrevista à CNN Brasil.

Enquanto isso, nos EUA, que enfrentam a pior situação da pandemia, o chefe do programa de vacina contra o novo coronavírus da Casa Branca afirmou que os primeiros americanos poderão ser imunizados contra a covid-19 a partir de 11 de dezembro. Segundo Moncef Slaoui (que já foi executivo da GlaxoSmithKlein), o plano é “enviar vacinas para os locais de imunização dentro de 24 horas” após o imunizante ser aprovado – o que depende da FDA. O país tem mais de 12 milhões de casos e 255 mil mortes.

Voltando ao Brasil, outra coisa que segue em suspenso é a definição dos grupos prioritários a serem vacinados. Mas pelo menos o ministério deu na quinta uma visão geral do que está chamando de ‘plano de operacionalização da vacina’. Segundo a pasta, essa definição dependerá dos resultados finais dos estudos de fase 3 das vacinas. Mas serão priorizados os grupos com maior risco de desenvolver complicações e óbitos pela doença e as populações mais expostas ao vírus.

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