Por que os resultados de Oxford geraram surpresa entre especialistas?

Nem equipe envolvida com a vacina sabe exatamente por que uma dose mais baixa levou a eficácia maior. Entenda as principais hipóteses

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A notícia de que uma dose menor da vacina de Oxford/AstraZeneca levou a uma eficácia mais alta pegou todo mundo de surpresa – até mesmo pesquisadores que trabalham com o imunizante. A análise preliminar dos resultados observou 131 infecções entre mais de 20 mil voluntários; apareceram 101 infecções entre quem tomou placebo e 30 entre quem tomou vacina. Na média, uma eficácia de 70%. Só que, como dissemos ontem, esse percentual foi de 90% para quem tomou meia dose seguida de uma dose completa, e ficou em apenas 62% nos voluntários que receberam duas doses completas. Por quê?

O cientista Andrew Pollard, diretor do Grupo de Vacinas de Oxford e que lidera os estudos, disse à BBC que o resultado é “intrigante” – um termo repetido por pesquisadores que não fazem parte da equipe. Há algumas possibilidades. A menos desejada é que o ensaio não tenha sido grande o suficiente para avaliar a diferença entre os dois esquemas, que poderia ser achatada com um número maior de infecções. Esse dado da maior eficácia foi baseado em apenas 2.741 voluntários, enquanto a menor eficácia foi encontrada no ‘braço’ do estudo com 8.895 participantes (a Universidade de Oxford e a AstraZeneca não divulgaram quantos dos infectados estavam em cada um desses grupos). Para tirar a prova, a farmacêutica pretende solicitar às agências reguladoras autorização para mudar seu protocolo e estudar melhor o regime que se mostrou mais eficaz.  

Se essa primeira hipótese estiver correta, o entusiasmo com a vacina tende a murchar um pouco, porque uma eficácia de 70% parece muito baixa frente aos quase 95% oferecidos pela Pfizer e pela Moderna – embora, é claro, ainda esteja acima dos 50% que agências reguladoras ao redor do mundo consideram aceitar para aprovação. Mas há vantagens que podem cobrir a diferença: um custo muito mais baixo (de US$ 3 a US$ 4 por dose, contra cerca de US$ 30 da Moderna) e a facilidade para a distribuição, já que essa vacina só requer uma refrigeração simples. 

Há explicações bem razoáveis que apoiam a possibilidade de uma dose mais baixa levar a uma eficácia maior. Katie Ewer, imunologista que trabalha no desenvolvimento da vacina, tem duas teorias. A primeira é que doses menores tenham um desempenho melhor ao estimular as células T. A outra tem a ver com o fato de que, com essa vacina, o organismo não responde só ao coronavírus, mas também ao adenovírus de chimpanzé usado no imunizante. Esse adenovírus é usado como vetor, ou seja, serve para carregar o gene do coronavírus para dentro das células. “Na primeira dose, nosso sistema imune, que é frenético, vai gerar resposta contra o coronavírus, mas também contra o vetor. Na segunda dose, se essa resposta for muito alta, ela acaba inativando a própria vacina“, porque o vetor é atacado antes da hora, elucida no Estadão Flávio Guimarães da Fonseca, virologista da UFMG. Natalia Pasternak, do Instituto Questão de Ciência, explica no Twitter que talvez uma primeira dose mais baixa tenha evitado o problema.

De todo modo, é curioso que a administração de uma primeira dose mais baixa em certo grupo de voluntários não tenha sido intencional. “O motivo de termos tido uma meia dose no ensaio é a casualidade”, disse à Reuters Mene Pangalos, chefe de pesquisa e desenvolvimento não oncológico da AstraZeneca. Ainda em abril, quando pesquisadores estavam administrando doses a voluntários no Reino Unido, eles perceberam que efeitos colaterais estavam mais brandos do que o esperado. Quando foram checar, viram que haviam dado, por erro, meia dose da vacina em vez da dose inteira. A empresa decidiu continuar com a meia dose nesse grupo e administrar a vacina de reforço no momento programado. 

Uma coisa é certa: se ficar confirmada a eficácia mais alta com uma dosagem menor, vai dar para vacinar 30% mais pessoas. Diante dessa possibilidade, nova expectativa da Fiocruz é começar a imunização em março e alcançar 130 milhões de brasileiros ao longo do ano que vem (metade em cada semestre), em vez dos cem milhões anunciados anteriormente. Isso pressupõe que a produção nacional comece em 2021. A AstraZeneca afirma que consegue disponibilizar, ao todo, 200 milhões de doses ainda este ano e mais 700 milhões no próximo.

Diferença importante

Não é muito fácil comparar as vacinas que começam a mostrar resultados porque seus protocolos de ensaios variam um bocado. E uma das diferenças é bem importante: enquanto os ensaios da Pfizer e da Moderna só testaram os voluntários que apresentaram sintomas de covid-19, a Universidade de Oxford testou alguns assintomáticos também, e os que tiveram diagnóstico positivo entraram na análise do grupo de infectados. 

Os dados completos não foram revelados, mas a AstraZeneca disse que houve menos infecções assintomáticas entre os vacinados. Isso sugere um potencial para evitar a transmissão do vírus, e não só de proteger individualmente quem toma a vacina. Há que se pensar se isso altera a definição dos grupos prioritários para a vacinação, incluindo, além de quem tem mais chances de adoecer, os grupos que têm mais chances de passar o vírus adiante.

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