“Tratado da Pandemia”: solução ou ardil?

União Europeia acena com mecanismo global para lidar com emergências sanitárias. Mas sua proposta evita debates essenciais: quebra das patentes, fim do apartheid vacinal e inovação aberta em saúde pública

Vacinação em Camarões, país onde apenas 1,8% da população tomou pelo menos uma dose. Créditos: Sightsavers
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A ideia de um novo órgão de negociação intergovernamental para lidar com emergências sanitárias vai ser discutida entre 29/11 e 1/12 próximos, em uma sessão especial da Assembleia Mundial da Saúde, convocada pela OMS (Organização Mundial da Saúde). A assembleia pretende avaliar os benefícios desse novo instrumento internacional. Mas os países ricos, afirma a publicação Peoples Dispatch, estão aproveitando a oportunidade para deixar de lado as discussões sobre a equidade na saúde pública.

Nessa ofensiva do mundo desenvolvido, destaca-se, especialmente, um grupo de membros da OMS identificado como Grupo de Amigos de um Tratado de Pandemia, liderado principalmente pela União Europeia (UE). A proposta desse bloco parece sedutora para muitas organizações da sociedade civil e organizações de pesquisa. Estas ainda não conseguiram assegurar duas das propostas de sua agenda – o acesso equitativo aos cuidados de saúde e a inovação aberta em relação à saúde pública. Imaginam que possam resolver esse impasse por meio de um tratado das emergências internacionais de saúde.

Mas essa proposta e as negociações em torno dela, argumenta o Dispatch, estão desviando a atenção da comunidade internacional das muitas questões pendentes na área de saúde, decorrentes das atitudes dos países desenvolvidos. Eles se opõem continuamente à proposta de suspensão dos direitos de patentes, prevista no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips). Interromperam a cooperação internacional na imunização contra o vírus da covid. E adiam a reforma e fortalecimento dos instrumentos e mecanismos existentes para lidar com as emergências de saúde.

A atitude dos mais ricos mantém resquícios das perspectivas coloniais, pontua o Dispatch. E a proposta de um “tratado da pandemia” leva isso a um novo nível. Veja-se, por exemplo, o combate ao Ebola, que não seria atendido pelos remédios de distribuição equitativa previstos nas emergências de saúde pública de interesse internacional do novo tratado. De modo geral, os países desenvolvidos evitam cumprir qualquer obrigação, de cooperação, política ou jurídica.

Eles fazem uso das informações e patógenos compartilhados pelos países em desenvolvimento. Fecham suas fronteiras às pessoas e bens dos países afetados, protegem seus negócios farmacêuticos, criam monopólios. Em suma, a discussão na Assembleia Mundial da Saúde não será fácil para os países em desenvolvimento.

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