O tráfico global da poluição

Carros e ônibus poluentes demais para os países ricos são vendidos aos de legislação ambiental frouxa. Leia também: Pesquisa que favorecia fast food estava toda errada; como Temer prejudicou crianças com câncer; e muito mais

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TRANSFERÊNCIA DE POLUIÇÃO

É ótimo quando há leis duras sobre emissões de veículos porque isso protege o ar e a saúde da população, certo? Mas tem um problema. Ônibus e carros velhos que já não passam nos testes são negociados em leilões e levados a países com legislação mais frouxa. A matéria do El País trata especificamente da Guatemala, onde circulam por anos veículos que são proibidos nas estradas dos EUA e de outros países com legislação ambiental mais rígida. Não por acaso, a Cidade da Guatemala é a sexta cidade mais poluída da América, e 70% da poluição do ar vem dos veículos.  Doenças respiratórias são a causa de morte mais frequente no país entre crianças menores de 14 anos. 

O país até chegou a aprovar uma lei para regular as emissões dos veículos, em 1997, mas não pegou: ela foi revogada no ano seguinte. Da mesma forma, em 2012 foi adotada uma nova lei fiscal para estabelecer um limite de idade para veículos importados, mas… a União de Importadores de Veículos Usados a recusou, e enfim o Tribunal Constitucional a anulou. Houve uma experiência para substituir ônibus velhos por novos, mas houve investigações sobre desvio de dinheiro e a ideia também parou.

A Guatemala não está sozinha. A matéria diz que alguns dos mais altos níveis de poluição do ar estão em países pequenos como, além da Guatemala, também Bolívia e Honduras – que têm em comum a ausência de uma regulação rígida das emissões e recebem esses veículos.  Um relatório do ano passado mostrou ainda que os ferros-velhos exportados aos países subdesenvolvidos da Ásia e África são a principal fonte de poluição atmosférica nessas regiões. 

QUANTO OS MUNICÍPIOS GASTAM COM SAÚDE?

O Conselho Federal de Medicina divulgou ontem um levantamento que mostrou que os municípios brasileiros gastaram com recursos próprios em média R$ 402,66 com a saúde de cada habitante – por ano – entre 2013 e 2017. Neste último ano, a média foi R$ 403,36. Metade dos municípios gastam menos do que isso. Os menores têm despesas maiores: nas que têm menos de cinco mil habitantes, as prefeituras destinaram em média R$ 779,21 por habitante em 2017. Borá, em São Paulo, tem apenas 839 habitantes, e gastou quase três mil reais com cada. As piores cidades estão no Pará: Cametá (R$ 67,54), Bragança (R$ 71,21) e Ananindeua (R$ 76,83). A lista está disponível aqui.

No fim do ano passado, vimos que nas três esferas de governo o gasto com saúde é de apenas R$ 3,60 por dia por pessoa, ou seja, pouco mais de R$ 1,3 mil por ano. Os pesquisadores Lenir Santos e Francisco Funcia publicaram no Conjur um artigo em que contestam a Procuradoria Geral da União, para quem a Emenda do Teto dos Gastos não representa violação de direitos fundamentais nem perda no piso mínimo da saúde. Fundamentados nos cálculos que projetam uma perda de no mínimo R$ 200 bilhões para a saúde em 20 anos, eles mostram que a cada ano os gastos da União ficarão abaixo dos 15% das receitas correntes líquidas previstos legalmente. Então a emenda é “inconstitucional por promover retrocesso na garantia de direito fundamental, tendo alterado o piso mínimo da saúde”. 

NÃO ERA NADA DISSO

As chamadas eram tão suspeita que a gente nem divulgou aqui na newsletter, mas em dezembro o British Medical Journal publicou um artigo cuja conclusão era, basicamente, que comida de lanchonete podia engordar menos do que pratos feitos. Vários jornais deram a feliz notícia, mas o pessoal do Joio e o Trigo achou estranho e foi checar o artigo. E viram que a forma como a pesquisa foi feita induz ao erro.

Por exemplo, foi contado o número total de calorias de cada “refeição”, mesmo que nas lanchonetes a refeição às vezes seja um pão-de-queijo – que, via de regra, não é almoço, mas algo que se come entre as refeições. Além disso, foram analisados os dois “pratos” mais pedidos de cada estabelecimento, mas na hora de botar nos gráficos eles não foram identificados como “prato feito” ou “lanche”, e sim de acordo com o estabelecimento. Então uma lanchonete que venda prato feito ficou com seu PF sendo visto como fast food, e não PF. E restaurantes tradicionais que vendem salgados tiveram seus salgados contabilizados como PF. Que confuso!

Não é só isso. A pesquisa levou em conta só as calorias, e não os indicadores nutricionais gerais, e considerou refeições com pesos muito diferentes (em Ribeirão Preto, foram de 640g a 1,3kg). Membros do  Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP mandaram uma carta ao periódico apontando as limitações do estudo e “problemas de interpretação dos resultados”. Lembraram, por exemplo, que o estudo não leva em conta o que as pessoas comeram no resto do dia. Os lanches enchem menos, é provável que a pessoa coma mais em outras horas para se saciar. O duro é desfazer a imagem que ficou no imaginário das pessoas depois da divulgação da pesquisa. A matéria do Joio mostra como vários jornalistas trataram o caso. Gilberto Dimenstein, no Catraca Livre, teve mais de oito mil compartilhamentos com seu sensacionalista “McDonald’s engorda menos do que prato feito ou comida a quilo” (e olha que na verdade o McDonalds foi avaliado na pesquisa).

AS ARMAS

A Abrasco divulgou uma nota manifestando discordância em relação ao decreto de Bolsonaro que flexibiliza a posse de armas. Aliás, a questão não é só o aumento nas mortes e na insegurança – a saúde pública pode ficar mais sobrecarregada. Nos últimos 4 anos, o SUS gastou R$ 191,33 milhões com atendimentos de pessoas baleadas.

Falando nisso, entre as vítimas agredidas por ex com armas de fogo, 96% são mulheres.

FINALZINHO

Em dezembro, no finalzinho do governo Temer, o Ministério da Saúde deixou de importar um medicamento essencial para tratar cinco tipos de tumores raros que afetam principalmente crianças. A responsabilidade foi passada aos hospitais oncológicos do SUS, sem aviso prévio. Muitos só souberam da mudança este mês. “Sem tempo hábil ou sem recursos para um compra de emergência, alguns hospitais já enfrentam desabastecimento do quimioterápico actinomicina-D, e ao menos 5.000 pacientes correm risco de ter a terapia interrompida”, informa a matéria da Folha. Ainda no mês passado, o presidente do Conass (que reúne secretários estaduais de saúde) mandou um ofício para o Ministério solicitando um cronograma de transição, mas ficou sem resposta. Em nota, a pasta diz que a responsabilidade pela compra já era dos hospitais mas, em 2017, devido a restrições do mercado, ela havia centralizado temporariamente a aquisição.

MAIS UM

Ontem Ronaldo Caiado, ex-parlamentar e agora governador de Goiás, decretou situação de calamidade financeira no estado, que está com salários de servidores atrasados e sem recursos para bancar despesas com a saúde. Os deputados estaduais devem votar o decreto hoje. Segundo o Estadão, Goiás é o sétimo estado a decretar calamidade – Rio, Minas e Rio Grande do Sul o fizeram em 2016; Roraima, Rio Grande do Norte e Mato Grosso publicaram decretos este ano. 

O CASO CONTINUA

Mais um capítulo na história do cientista chinês que editou os genes de irmãs gêmeas: ele foi demitido da universidade onde atuava.  Jiankui He e seus colaboradores também devem enfrentar acusações criminais, ainda que não esteja claro quais leis ele é acusado de violar, já que a China não tem leis muito duras sobre a edição de genes. 

E tem mais. As autoridades chinesas confirmaram que uma segunda mulher está grávida de um bebê geneticamente editado. He já havia dito que havia outra “provável gravidez”. 

MAIS TARDE

A seleção de médicos brasileiros e estrangeiros formados em outros países para o Mais Médicos foi adiada pela segunda vez. Primeiro, aqueles que se inscreveram em dezembro escolheriam suas vagas em 26 e 27 do mesmo mês; depois, no fim de janeiro; agora, entre 7 e 8 de fevereiro, no caso dos brasileiros, e entre 18 e 19 de fevereiro, no dos estrangeiros.

SUPERDOADORES DE COCÔ

Já ouviu falar em transplantes de fezes? Eles têm tido relevância pra ajudar na recuperação de certos problemas no intestino. E agora os cientistas neozelandeses estão identificando superdoadores de cocô, de acordo com o número de micróbios, a compatibilidade com os receptores e até a presença de vírus (que podem ser positivos) no nas fezes transplantadas. 

O HOMEM QUE INJETAVA SÊMEN

Na Irlanda, um homem apareceu no hospital com dor nas costas e, ao ver uma protuberância no braço dele, a médica descobriu que ele injetava seu próprio sêmen havia 18 meses. Para curar a tal dor nas costas. Não se sabe de onde ele tirou essa ideia, porque não há registro de ninguém que tenha feito isso antes. É, a gente morre e não vê tudo.

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