A não-solução de Bolsonaro

Relatório internacional sobre direitos humanos critica visão de Bolsonaro sobre segurança. Leia também: governo brasileiro se articula com oposição da Venezuela; um anti-floresta no Serviço Florestal e muito mais.

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A NÃO-SOLUÇÃO DE BOLSONARO

O Human Rights Watch divulgou ontem um relatório com quase 700 páginas avaliando a situação dos direitos humanos cerca de cem países. Sobre o Brasil, a ONG fala da violência e tem várias críticas a Jair Bolsonaro; afirma que a crise de segurança pública deve ser tratada nos limites da legalidade e, é claro, dos direitos humanos. O documento cita a promessa de Bolsonaro, então candidato, de dar “carta branca” para policiais matarem suspeitos, e fala também do novo governador do Rio, Wilson Witzel, que quer a polícia atirando para matar em pessoas armadas (“A polícia vai mirar na cabecinha e… Fogo”, já declarou ele). 

O relatório aponta que os padrões internacionais de direitos humanos proíbem as forças policiais de matar de forma deliberada, a não ser para proteger suas próprias vidas ou as de terceiros. A ONG diz que algumas mortes cometidas pela polícia são justificáveis, mas muitas são execuções extrajudiciais que ainda por cima dificultam as ações de segurança: as comunidades ficam contra a polícia e menos propensas a denunciar crimes e ajudar o Estado nas investigações; e as execuções acabam colocando outros policiais em risco, podendo sofrer represálias. 

A ONG também critica a ideia de Bolsonaro de endurecer penas para prender mais gente – o sistema penitenciário brasileiro já tem o dobro do número de presos que comportaria e eles ficam sujeitos não só à violência mas ao recrutamento por facções criminosas. 

Entre as medidas sugeridas, está o reforço da capacidade de investigação da polícia civil e o fim da chamada guerra às drogas, inclusive com a descriminalização do porte para uso pessoal. A HRW também sugere a implementação efetiva da legislação contra violência doméstica – no fim de 2017, havia mais de 1,2 milhão de casos pendentes nos tribunais. 

“Tudo o que ouvi, durante a campanha, eram palavras de ordem, sem a gente entender, efetivamente, o que será feito. Eram sempre palavras de ordem, mas a gente não viu um plano efetivo, não tinha um plano para a segurança pública”, diz Melina Risso, da ONG Instituto Igarapé, em outra reportagem do mesmo site. Um dos desafios é ter uma integração das autoridades de segurança, o que hoje não é realidade: a socióloga Julita Lemgruber.afirma que as polícias são “profundamente corruptas” e, por isso, não confiam uma na outra. 

RESUMO DA ÓPERA

Uma matéria da Vice cita artigos e entrevista pesquisadores que mostram por que flexibilizar o uso de armas não vai melhorar segurança nenhuma. O texto vai um pouco além dos estudos que indicam resultados ruins e especificaquem provavelmente vai sofrer mais: jovens negros, mulheres, populações rurais e indígenas, comunidade LGBT. 

É PARA AJUDAR

Em 2003, quando a Tailândia passava por grave epidemia de HIV, um pesquisador chamado Nicholas Thomson trabalhava com aquele que era um dos grupos mais vulneráveis: usuários de drogas. As ações da polícia acabou levando à morte de vários dos pacientes. Thomson acredita que essa atuação podia muito bem ter servido para ajudar no combate ao HIV, e desde então vem pensando formas de articulação entre forças de segurança e saúde pública. Acaba de publicar no Lancet, com outros autores, uma série sobre o tema:

“Precisamos de uma nova visão da arquitetura de saúde pública. O aparato de segurança pública é enorme. Soldados uniformizados e policiais têm uma enorme oportunidade de apoiar os esforços de saúde pública, mas muitas vezes estão em choque com os atores da saúde pública e dos direitos humanos em particular. Se pudéssemos lançar uma lente de saúde pública sobre sua cultura operacional, poderíamos capacitar e sustentar conceitos de saúde pública”, disse ele em entrevista à Science.

VENEZUELA

No topo:
 o mesmo relatório da Humans Right Watch que mencionamos acima avalia que,  nas Américas, a situação mais emergencial está na Venezuela. A ONG cita que em 2017 o Ministério da Saúde daquele país divulgou um aumento de 65% na mortalidade materna, 30% na mortalidade infantil e 76% de crescimento nos casos de malária. E com informações da Cáritas, organização vinculada à Igreja Católica, o relatório informa que o percentual  de crianças com desnutrição grave ou moderada passou de 10% em fevereiro de 2017 para 17% em março de 2018.

Mais um ano: A Operação Acolhida, de assistência a imigrantes venezuelanos no Brasil, vai ser prorrogada por mais 12 meses (encerraria em março). Uma comitiva de ministros de Bolsonaro (Defesa, Cidadania, Transparência, Saúde, Educação e Secretaria Nacional da Justiça) chegou ontem a Boa Vista para verificar as ações de acolhimento, e hoje segue para Pacaraima.

A portas fechadas: Bolsonaro e outras autoridades do governo brasileiro se reuniram ontem com líderes da oposição venezuelana, diplomatas dos EUA e países do Grupo de Lima. Os encontros, de 11 horas, tiveram a presença do nosso tragicômico ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, no Palácio do Itamaraty. E os oposicionistas pedem que o Brasil e outros  países da região adotem sanções econômicas e criminais contra o governo de Maduro. 

TOMANDO CONTA

O homem que vai chefiar o Serviço Florestal Brasileiro é um deputado da bancada ruralista, favorável à caça e que critica o percentual de terra que fazendeiros devem preservar: Valdir Colatto (MDB-SC), que não se reelegeu em outubro. O SFB é responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (por meio do qual dos donos de terra precisam dar informações sobre suas propriedades), e Colatto teve várias atuações contrárias ao CAR, segundo o Estadão. Ele também foi um dos deputados mais atuantes para tornar o Código Florestal mais frouxo. 

IRREGULARIDADES NO CONTRATO

O TCU identificou uma série de irregularidades num contrato entre o Ministério da Saúde, a Fiocruz e o laboratório cubano Cimab para a produção de um medicamento para anemia. O contrato foi feito em 2004 com dispensa de licitação e previa a transferência de tecnologia do Cimab para a produção de  eritropoetina humana recombinante na Fiocruz. Mas até 2017 a transferência ainda não havia sido concluída – faltavam ao menos 2,5 anos, segundo os auditores – e isso geraria um gasto extra de R$ 77 milhões aos cofres públicos. Além disso, a fiscalização afirma que os preços cobrados pelo remédio eram mais altos que os de mercado. O TCU também criticou falhas na prestação de contas e apontou mudanças no acordo sem aditivos no contrato. A recomendação é que sejam reavaliados o acordo e a produção do remédio na Fiocruz. Segundo esta última, a mudança no cronograma aconteceu porque foram necessárias obras nas instalações destinadas para produzir o medicamento.  

MAIS UMA DA DESEMBARGADORA

É a mesma juíza desembargadora que acusou Marielle Franco de ser ligada a bandidos e disse que Jean Willys “não valeria a bala” que o mataria: Marília Castro Neves comemorou ontem no Twitter a flexibilização do porte de armas com uma postagem que mostra Guilherme Boulos e a frase “A tristeza no olhar de quem vai ser recebido na bala, depois do decreto do Bolsonaro”. Boulos disse que vai processá-la. 

E o Intercept teve acesso ao inquérito onde seis testemunhas citam um ex-capitão do Bope como assassino de Marielle e de Anderson Gomes.

COMEDORA DE CÉREBRO

Uma ameba chamada Naegleria fowleri, que habita lagoas, entra na cabeça pelos seios nasais e se alimenta de tecido cerebral humano, é quase sempre fatal. Agora, cientistas podem ter descoberto a chave para um tratamento: minúsculas partículas de prata revestidadas com drogas anticonvulsivas podem matar essas amebas. segundo estudo publicado na Chemical Neuroscience. Embora aponte um caminho interessante, a pesquisa está em fase inicial. 

O FIM DO ALGODÃO

A planta de algodão que chineses conseguiram germinar na Lua morreu depois de oito dias. Não resistiu ao frio da noite lunar, que dura até duas semanas das nossas e cujas temperaturas chegam a -170º.

CUSTOU UM RIM

Um jovem chinês queria muito um IPhone. Muito mesmo. Então entrou em contato com uma rede de traficantes de órgãos e vendeu um rim. Foi operado em péssimas condições, recebeu US$ 3 mil e hoje, oito anos depois, vive acamado e dependente de uma máquina de hemodiálise. A polícia prendeu nove pessoas, entre médicos e traficantes. 

QUANTAS FORAM?

O governo Trump separou milhares de crianças imigrantes de seus pais, sobre isso já lemos. Mas quantas foram? O relatório de uma auditoria divulgado ontem mostra que o sistema de rastreamento das crianças é tão ruim que não dá para saber exatamente este número. Mas, mesmo depois de a política de separação de famílias ter sido supostamente encerradas, há o registro de pelo menos mais 118 casos. 

PARCELA DE CULPA

O aquecimento global preocupa, mas de uma coisa pouca gente sabe: a assistência à saúde como é feita responde por parte do problema. Só nos EUA, serviços são responsáveis por 10% das emissões de gases do efeito estufa. Máquinas como respiradores e de hemodiálise gastam muita energia, hospitais produzem muito lixo médico – e a matéria da Vox diz que, se fosse um país, o sistema de saúde dos EUA seria o sétimo no mundo na sua taxa de emissões. 

PÉSSIMO PARA MORCEGOS

E uma onda de calor matou, em dois dias de novembro, um terço dos morcegos-raposa da Austrália. As temperaturas ultrapassaram os 42º e eles despencavam das árvores, caindo mortos em quintais e piscinas. Estima-se que pelo menos 23 mil tenham morrido. E mais 10 mil, de outra espécie semelhante, também não resistiram. 

DENUNCIADO

Já o ex-diretor do Centro de Saúde do Tribunal de Justiça de Goiás, Ricardo Paes Sandré, é acusado de assédio sexual e moral por servidoras. O MP de Goiás ouviu 42 vítimas. 

VAI PASSAR?

O STF suspendeu ontem as investigações sobre as movimentações financeiras de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro. A decisão é do ministro Luiz Fux, que julgou no plantão do Judiciário. É uma medida liminar que ainda precisa ser analisada no mês que vem pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo. Quem pediu a suspensão foi o próprio Flávio. “O pedido de Flávio Bolsonaro para que se suspenda a investigação causa estranhamento, uma vez que ele não é, a princípio investigado no caso”, observa Gil Alessi, no El País

NO CINEMA

Está em cartaz o filme Temporada, de André Novais Oliveira. Conhecida no teatro, Grasse Passô faz a personagem principal: uma mulher que se muda para a região metropolitana de BH para trabalhar como agente de endemias. O longa foi premiado em diversos festivais e as críticas são bem boas. “Quem são, precisamente, essas pessoas que tentam eliminar focos de insetos? Como são recebidos em cada casa? Que dificuldades enfrentam? Quanto ganham por mês? Como são suas casas? Como se divertem? São questões elementares, talvez até supérfluas num mundo em que, supostamente, tudo tornou-se visível. Tudo, exceto, talvez, o essencial. Como, por exemplo, a vida de uma pessoa ou o funcionamento de um serviço de saúde pública”, comenta Inácio Araújo, na Folha. Vice conta que o próprio Novais já foi agente de endemias. 

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