Sarampo avança, e há poucas vacinas

Subiu para 11 o número de estados contagiados. É necessária ampla vacinação, mas para isso governo precisará importar ou reduzir a imunização de febre amarela. Leia também: estudo mostra desmatamento ainda maior na Amazônia

Vírus do sarampo visto em microscópio. Imagem: CDC
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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O SARAMPO AVANÇA

Não se pode dizer que é um problema silencioso. Contudo, da semana passada para cá, subiu de quatro para 11 o número de estados que enfrentam o surto de sarampo. O salto revela o potencial de contágio da doença, e as falhas em combater algo que até pouco tempo atrás nem existia mais no Brasil. Em três meses, foram confirmadas 1.680 infecções, a maior parte delas no estado mais rico do país, São Paulo (1.662). Com o avanço da doença Brasil afora, o Ministério da Saúde mudou pela terceira vez a recomendação de vacinas em bebês, e agora preconiza que todas as crianças entre seis meses e um ano sejam vacinadas. Antes, essa recomendação se dirigia somente a crianças residentes em cidades prioritárias.

A Sociedade Brasileira de Imunização recomenda que o governo adote a chamada vacinação de resgate, que miraria adultos com até 29 anos, público-prioritário deste surto. Assim, eles poderiam colocar em dia sua situação vacinal. O governo não descarta essa medida, mas segundo o Estadão, tem um problema para adotá-la: estoques escassos da vacina. De acordo com o jornal, o Ministério não dispõe de quantidade suficiente para fazer uma campanha tão grande, e já recorreu à Opas para comprar 10 milhões de doses fora do país (que chegam em até dois meses por aqui). Outra providência foi pedir ao laboratório público Biomanguinhos para aumentar a produção. Mas para fazer isso, a unidade da Fiocruz terá de reduzir a fabricação de vacina contra febre amarela. No total, em 2019, Bio deve produzir 26 milhões de doses contra o sarampo; 12 milhões já foram entregues. 

EFEITO COLATERAL

Em países sem sistema de saúde desorganizado, não é raro que um grave problema drene todos os recursos financeiros, a força de trabalho e as atenções, deixando a porteira aberta para o crescimento de outras doenças. É o que está acontecendo na República Democrática do Congo, segundo a ONG Médicos sem Fronteiras. Por lá, a epidemia de sarampo declarada em junho deste ano já matou mais do que a de ebola, que se desenrola há mais de um ano. São 1.934 óbitos ligados ao ebola, contra 2.758 relacionados ao sarampo. Essa doença afeta praticamente o país todo (23 de 26 províncias); enquanto o ebola está em três delas, como dissemos anteontem). O total de casos de sarampo soma 145 mil, e os de ebola 2.877. E como o sistema além de desorganizado, é altamente de doações estrangeiras, o MsF pleiteia que sejam direcionados mais recursos para dar conta também da resposta ao sarampo. 

PODE SER AINDA PIOR

Nas reportagens que falavam sobre o avanço do desmatamento na Amazôniaapontados pelo Inpe, o Instituto salientava certas características das suas imagens que poderiam maquiar resultados – a interferência de nuvens, por exemplo. Após quatro anos de monitoramento, pesquisadores da Universidade de Oklahoma mediram o desmatamento entre o ano 2000 e 2017 por um método que obtém imagens mesmo com a presença de nuvens. E chegaram a um resultado ainda pior: em vez dos 180 mil quilômetros quadrados de área desmatada registrado pelo Inpe, encontraram 400 mil. As descobertas estão em um artigo publicado na Nature Sustainability. E dois brasileiros, servidores do Inpe, participaram dos estudos.ça

Além da questão das nuvens, interfere no resultado uma diferença no conceito de área desmatada: para o Inpe, entra apenas a floresta primária; para essa pesquisa, entra toda a cobertura florestal. Mas o desmatamento não foi constante ao longo de todos estes anos: entre 2001 e 2013, houve avanço no reflorestamento, e a Amazônia teve um ganho de 21% de floresta. 

A propósito, desmatamento e fogo caminham juntos. Há incêndios recentes espalhados pelo mundo: na Sibéria, 54 mil quilômetros quadrados de floresta queimaram no último mês; na segunda-feira, um incêndio nas Ilhas Canárias obrigou mais de oito mil pessoas a fugir; no fim de semana, chamas no Alasca; na semana passada, o fogo na Groenlândia se aproximou de áreas habitadas. Esses lugares enfrentaram grandes aumentos de temperatura no último mês, o que favorece a ocorrência de incêndios. Mas a floresta amazônica, que permanece encharcada durante a maior parte do ano, não queima naturalmente, lembra a Vox: o fogo é aceso por agropecuaristas para a “limpeza” da terra, ou por grileiros para expulsar indígenas. 

DENOMINADOR COMUM

As cenas apocalípticas que mostram o dia virando noite em São Paulo por conta das queimadas na Amazônia são mesmo uma alegoria perfeita dos nossos tempos, de como tudo se cruza e ninguém está perfeitamente a salvo de nada. E não adianta tentar pensar os problemas isoladamente. Já falamos aqui na news sobre a “sindemia global“, que se refere às relações entre as epidemias globais de obesidade, desnutrição e mudanças climáticas. O epidemiologista Boyd Swinburn. da Universidade de Auckland, foi um dos primeiros a usar o termo e esteve na USP falando sobre isso. Guilherme Zocchio, d’O Joio e o Trigo, conta o que ouviu: “A obesidade, a desnutrição e as mudanças climáticas estão relacionadas a um mesmo denominador em comum: um sistema alimentar global que se apoia no consumo de itens ultraprocessados”.

O ABISMO REVELADO PELO SEQUESTRO

O sequestro de um ônibus na ponte Rio-Niterói foi notícia durante boa parte do dia ontem, junto com as imagens do governador Wilson Witzel comemorando a execução do sequestrador. Circularam menos os vídeos de granadas sendo atiradas na favela Cidade de Deus, horas antes. Na Ponte, especialistas em segurança pública criticam o governo do Rio. E a OAB-RJ quer esclarecimentos sobre a ação policial.

Ninguém resumiu melhor a perplexidade gerada pelo episódio do que a repórter Malu Delgado, no Valor: “O papel de um governante é evitar ‘transtornos para a sociedade’, segundo ensinamento do governador do Rio, Wilson Witzel, postado no Twitter minutos depois de ele descer efusivo de um helicóptero, na ponte Rio-Niterói, com o punho erguido em sinal de vitória. Tudo registrado em tempo real por um assessor que seguia os pulinhos frenéticos do chefe, filmando o momento épico com um celular. O transtorno, que impediu o trânsito nas duas vias da ponte, por quase quatro horas, era um jovem de 20 anos que sequestrou um ônibus com 37 passageiros. Um bandido, no vocábulo usual da família Bolsonaro, ou um ‘homem mau’, de acordo com a definição bíblica do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que citou provérbios sobre os ‘gritos de alegria’ da cidade quando os ímpios perecem, ou, como no caso em questão, morrem. 

Os cidadãos (os brasileiros de bem, os cidadãos ordeiros, ainda parafraseando os filhos do presidente) que tiveram o curso normal da vida interrompido por algumas horas, impedidos de ir e vir (esse transtorno!), aplaudiram e reagiram com entusiasmo semelhante ao do governador Witzel quando ouviram os tiros disparados por um sniper, derrubando o sequestrador no momento em que ele havia descido do ônibus. Antes, num tenso processo de negociação conduzido pela polícia, seis reféns tinham sido libertados.

Soube-se logo depois da morte celebrada pelos políticos – in loco ou em exultantes comentários nas redes sociais – que o sequestrador portava uma pistola de brinquedo e gasolina numa garrafa pet, além de estar em aparente surto psicótico. (…) Coube à polícia sobriedade técnica para discorrer sobre o episódio, num contraste claro com o discurso que cresce em setores políticos, o da banalização da vida como política pública. Witzel disse a jornalistas que ‘a população aplaudiu, mas não a morte de um ser humano’. Admitiu que não foi capaz de conter a ‘felicidade’, pois 37 vidas foram salvas. Para que a naturalização da morte não soasse distópica, o governador do Rio registrou que rezou um Pai-Nosso à vítima e que a mãe do sequestrador ‘estava se perguntando onde ela teria errado’. Precisamos todos acreditar que há algum traço de humanidade na mente daqueles que governam.”  

SURPRESA

Um estudo recente publicado no Journal of Global Antimicrobial Resistance mostrou que patógenos multirresistentes já não são um problema restrito ao ambiente hospitalar no Brasil. É o caso  da KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase), que ganhou a alcunha de superbactéria por produzir uma enzima capaz de inativar os fármacos mais potentes disponíveis para o tratamento de infecções graves. Ao analisar espécimes de K. pneumoniae isolados da urina de 48 pessoas diagnosticadas com infecção urinária na região de Ribeirão Preto, cientistas observaram que 29 amostras (60,4%) continham bactérias não suscetíveis a três ou mais classes de antibióticos e, portanto, consideradas multirresistentes. Em 30 amostras (62,5%), foram identificados 73 diferentes genes de virulência —codificadores de proteínas que ajudam o microrganismo a driblar o sistema imune ou a se disseminar mais facilmente no ambiente.

“Os resultados nos deixaram bastante surpresos”, contou André Pitondo da Silva, professor da Universidade de Ribeirão Preto e coautor do artigo à Agência Fapesp. “Como para os casos estudados não existiam prontuários médicos, não conseguimos levantar o histórico de saúde dessas pessoas. Nossa hipótese é que já tenham sido hospitalizadas no passado e, durante a internação, foram colonizadas por essas bactérias multirresistentes”, explicou o cientista, que coordena um projeto que tem como objetivo comparar o perfil molecular de espécimes de KPC isolados em pacientes de hospitais das cinco regiões brasileiras (Londrina, Brasília, Teresina, Manaus e Ribeirão Preto) e de países dos cinco continentes (Nova Zelândia, Canadá, Holanda, África do Sul e Índia).

QUEM MAIS PERDEU

A Universidade Federal do Sul da Bahia abriga 4,5 mil alunos de graduação e pós-graduação – cerca de 80% deles de famílias de baixa renda –, tem um projeto político-pedagógico pautado por ideias de intelectuais como Anísio Teixeira, Milton Santos e Paulo Freire, e foi a federal que mais perdeu recursos com os cortes do MEC: seu orçamento caiu para menos da metade. No Intercept, Juliana Saiyuri entrevistou sua reitora, Joana Angélica Guimarães. “Não é tom de ameaça, não é retaliação. É realidade: não há condições concretas para continuidade (…). Se continuar assim, fechar a universidade é o último passo.”

Em tempo: a situação do CNPq segue sem solução. O conselho deliberativo da Fiocruz e a Associação Brasileira de Ciência Política publicaram notas de apoio. 

DURMA NO TRABALHO

A startup de soluções de sono Wakefit.co fez uma pesquisa na Índia, entrevistando 1,5 mil trabalhadores. A Wakefit acha que é hora de as empresas adotarem salas de soneca, o que foi referendado 86% dos entrevistados. Segundo eles, aumentaria imensamente a produtividade. Mais de 40% deles também sofriam de sono irregular devido ao estresse relacionado ao trabalho ou às horas de sono reduzidas.

As salas de soneca já são uma realidade no Japão, país onde menos se dorme.

E, na China, centenas de trabalhadores estão morrendo enquanto dormem em Dongguan. Segundo pesquisadores da Escola de Medicina de Zhongshan, a cidade registrou 893 casos de morte súbita noturna inexplicada entre janeiro de 2001 e outubro do ano passado, mais que o triplo dos casos registrados de janeiro de 1990 a dezembro de 1999. As vítimas são predominantemente trabalhadores manuais, jovens, do sexo masculino e sem histórico de problemas de saúde. Longas jornadas de trabalho, falta de saneamento e ventilação nos espaços de trabalho podem aumentar o risco.

PODE ACONTECER

O aborto farmacológico – por meio de comprimidos – é menos invasivo que o cirúrgico, mas não se fala muito do que pode acontecer quando o processo não dá certo. Na Vice, o relato de uma britânica que fez o procedimento, mas teve um aborto incompleto, quando o processo se inicia mas o corpo não é capaz de expelir os ‘restos’. Nesse caso, é preciso fazer uma cirurgia. O que é traumático, mas não inviável em um país como o Reino Unido, onde a cirurgia pode ser feita logo que se confirma que a gravidez não foi interrompida. Em outros países, o tempo que leva até essa conclusão pode empurrar as mulheres para fora do prazo limite para se fazer um aborto. E, aí, as consequências são devastadoras. 

NÚMEROS DA CONSULTA

A Anvisa recebeu 1.154 contribuições nas consultas públicas sobre cannabis. A proposta que prevê requisitos para o cultivo da planta para fins medicinais e científicos por pessoas jurídicas recebeu 560 contribuições —93% de pessoas físicas. Destas, 343 pessoas afirmaram considerar que a proposta tem impactos positivos, enquanto cerca de 87 viram impactos positivos e negativos. Já a segunda proposta, que trata do registro e monitoramento de medicamentos à base da planta, recebeu 594 contribuições, sendo 94% desse total de pessoas físicas. Ao todo, 440 consideram que gera impactos positivos, enquanto 68 veem consequências positivas e negativas.

O próximo passo da agência será consolidar e analisar as sugestões enviadas. Outras discussões técnicas podem ocorrer em seguida. Por fim, haverá uma deliberação da diretoria colegiada da Anvisa, composta por cinco membros. Para que comecem a valer, as regras precisam ser aprovadas pela maioria. A expectativa é de que haja uma definição até outubro deste ano.

A CAMPEÃ

Todos os anos, o jornal Valor Econômico premia uma empresa e, este ano, a eleita é do setor da saúde. A Rede D´Or São Luiz mereceu o primeiro lugar porque, segundo o jornal, embora nos últimos quatro anos, o mercado de planos de saúde tenha perdido cerca de três milhões de clientes, ela conseguiu aumentar o lucro líquido em 22,5% e alcançar uma receita líquida de R$ 11 bilhões. A companhia tem 44 hospitais em apenas sete estados do país.

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