Produção suspeita

TCU vai investigar superfaturamento na compra de matéria-prima para hidroxicloroquina, além de aumento gigantesco da produção no Brasil

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Foi quase três meses atrás, no dia 21 de março, que Jair Bolsonaro começou sua campanha pela cloroquina. Na ocasião, o presidente divulgou nas redes sociais um vídeo anunciando que os laboratórios das Forças Armadas ampliariam a produção da substância. De lá para cá, dois ministros de Estado caíram por se opor à recomendação de uso nos casos leves da covid-19, a FDA – agência regulatória de medicamento dos EUA – revogou a permissão para prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento dos infectados pelo novo coronavírus e, diante das evidências científicas de ineficácia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu parar com seus testes clínicos. Nada disso fez o governo brasileiro voltar atrás em sua panaceia. Pelo contrário: começamos a semana com o anúncio de que o Ministério da Saúde ampliaria sua “recomendação” da cloroquina para gestantes e crianças aos primeiros sintomas da doença…

A boa notícia é que, finalmente, a decisão de ampliar a produção do fármaco poderá ser investigada. O pedido foi feito ontem por  Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do Tribunal de Contas da União, aos ministros da corte. Ele pede que o TCU apure a “responsabilidade direta do presidente” na “orientação e determinação para o incremento dessa produção, sem que haja comprovação médica ou científica de que o medicamento seja útil para o tratamento da covid-19″. 

A solicitação aponta duas linhas de apuração: suspeita de superfaturamento na compra da matéria-prima para o medicamento e aumento gigantesco da produção em comparação com anos anteriores. Furtado, que é o membro do Ministério Público com mais anos de atuação no TCU, ponderou: “Embora o possível aumento do custo dos insumos, do transporte e do dólar possa ter influenciado o aumento do preço, ainda assim adquirir o produto por um valor seis vezes maior numa compra sem licitação, a meu ver, representa um forte indício de eventual superfaturamento, situação que merece ser devidamente apurada pelo controle externo da administração pública”.

Sobre a produção, que desde a ordem de Bolsonaro teria aumentado 84 vezes em comparação com o mesmo período de 2017, 2018 e 2019, o subprocurador-geral nota que “é resultado direto do voluntarismo da autoridade máxima do país, sem base científica ou médica”. 

Enquanto isso, as pessoas que sofrem de enfermidades para as quais a cloroquina e a hidroxicloroquina têm eficácia comprovada – artrite, lúpus, doenças fotossensíveis e malária – continuam com dificuldade de comprar as drogas, que sofreram um pico de demanda depois de tanto marketing governamental. “Agora eu estou precisando comprar uma nova leva de remédios e não estou encontrando em nenhuma das farmácias maiores de Porto Alegre, nem nas pequenas de esquina de bairro. Eu já liguei, não há disponibilidade da cloroquina e nem da hidroxicloroquina”, relatou Amaralina Xavier ao site Sul 21. Ao mesmo veículo, Ricardo Xavier, professor da UFRGS, corrobora: “Está faltando há algum tempo. Já teve pior, deu uma melhorada e agora parece que está piorando de novo. Tenho vários pacientes com dificuldades de encontrar nas farmácias. Em outros estados, eu sei que está bem pior, inclusive do ponto de vista do fornecimento público”.

A propósito: o contexto autoritário atual é o gancho para a entrevista da semana do programa do Outra Saúde no podcast Tibungo. Conversamos com o sanitarista Alcides Miranda sobre a relação entre saúde e democracia. A análise do professor da UFRGS ajuda a compreender por que o ódio à democracia retornou de forma evidente no Brasil, e de que forma as tensões autoritárias atingem o SUS.

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