O bolsonarismo balança, mas ainda devasta

Secretaria estratégica do ministério da Saúde é entregue a um obscuro seguidor de Olavo de Carvalho, antifeminista e partidário de intervenção na Fiocruz. E mais: MG e SP começam a reavaliar flexibilização da quarentena — mas pode ser tarde

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres | Imagem: André Masson,There is no finished world (1942)

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O MINISTÉRIO SÓ PIORA

Se não bastasse a ocupação militar do Ministério da Saúde e o loteamento da estratégica área de vigilância para o Centrão, agora a “doutrina” de Olavo de Carvalho também terá influência sobre a pasta. Saiu ontem a nomeação de Hélio Angotti Neto como secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos – área onde se monitoram estudos clínicos sobre medicamentos e se avalia sua eficácia… 

Como Ernesto Araújo, outro discípulo do ideólogo, Angotti é adepto da crença no “globalismo” e escreveu sobre isso em seu blog: “Vivemos, na verdade, um cenário parcialmente previsto pelo Filósofo Olavo de Carvalho no início do século XXI, que recomendara ao então presidente do Brasil, Itamar Franco, a realização de um Congresso Mundial sobre o Nacionalismo. A sugestão então ignorada agora se faz urgente, como também é urgente a redefinição dos mercados e das fronteiras diante das atuais mutações políticas, científicas, econômicas e culturais”.

Mas sua principal característica é perseguir os direitos reprodutivos femininos. Em uma recente entrevista à Gazeta do Povo, Angotti declarou: “Há uma grosseira manipulação de expressões como saúde e direito, de forma que a tentativa de legalizar o assassinato da própria prole, de nossos filhos, torna-se um direito reprodutivo e saúde reprodutiva. É manipulação semântica de baixíssima qualidade, mas que convence pessoas despreparadas em termos filosóficos. Que se considere saudável, digno ou justo matar fetos indefesos é sinal claro de que há sim uma postura controversa em relação à vida humana e a sua dignidade.” Angotti tem um livro contra o aborto publicado por uma editora que diz ter o objetivo de divulgar obras que “exaltam o poder e glória de Deus”. No Twitter, o novo secretário se define como “cristão, pai de família, médico, gestor, escritor e pesquisador”.

Essa triste figura já estava no Ministério: atuava como braço direito de Mayra Pinheiro, que está à frente da Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde desde o início do governo e tem sido a responsável por defender a cloroquina nas coletivas de imprensa. Mencionamos ela ontem, por conta de um áudio em que defende intervenção na Fundação Oswaldo Cruz a partir de invenções muito típicas do bolsonarismo, como a de que “têm um pênis na porta da Fiocruz”. 

FALANDO NISSO

O ministro interino, general Eduardo Pazuello, tem uma dúvida: distribuir R$ 10 bilhões para secretarias estaduais e municipais de saúde do Brasil ou agradar o Palácio do Planalto e entregar esses recursos a partidos do Centrão. O montante foi liberado em maio por uma medida provisória, mas até hoje não foi utilizado. Ontem, em uma reunião com os gestores, Pazuello anunciou que… vai adiar a decisão

Ontem, partidos da oposição pediram que a Procuradoria-Geral da República investigue o general. A bola da vez é a denúncia de servidores do Ministério divulgada pelo colunista Guilherme Amado, da Época, de que sua gestão estaria ameaçando usar a Lei de Segurança Nacional contra eles, numa suposta tentativa de blindar ainda mais a pasta ao escrutínio público. “Em meio aos grandes desafios decorrentes da grave crise social, econômica e sanitária desencadeada pela pandemia de covid-19, o ministro promove a perseguição e intimidação de servidores públicos, em manifestação antidemocrática e intimidadora aos servidores da pasta que comanda”, afirmou a representação assinada pela bancada do PSOL e líderes do PT, PDT, PCdoB, Rede e PSB.

A bancada do PSOL na Câmara também pediu  esclarecimentos ao Ministério sobre a atuação do empresário Airton Soligo na pasta. Ele tem sido o interlocutor de gestores locais sem estar nomeado formalmente. E, segundo o requerimento de informações do partido, ele também é acusado de intimidar funcionários do Ministério

PROVIDÊNCIAS

Desde a semana passada, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) denuncia publicamente que há dificuldades em praticamente todo o país para comprar sedativos necessários para a intubação de pacientes, recurso terapêutico necessário ao tratamento dos casos graves da covid-19. Os pedidos de ajuda ao Ministério da Saúde começaram em meados de maio, de acordo com o presidente do Conass, Alberto Beltrame. Pois bem: ontem, finalmente, Eduardo Pazuello prometeu intermediar a compra emergencial desses medicamentos junto à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e fazer uma ata para que estados e municípios possam aderir em a uma compra feita por aqui, junto aos produtores nacionais. 

PRODUÇÃO SUSPEITA

Foi quase três meses atrás, no dia 21 de março, que Jair Bolsonaro começou sua campanha pela cloroquina. Na ocasião, o presidente divulgou nas redes sociais um vídeo anunciando que os laboratórios das Forças Armadas ampliariam a produção da substância. De lá para cá, dois ministros de Estado caíram por se opor à recomendação de uso nos casos leves da covid-19, a FDA – agência regulatória de medicamento dos EUA – revogou a permissão para prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento dos infectados pelo novo coronavírus e, diante das evidências científicas de ineficácia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu parar com seus testes clínicos. Nada disso fez o governo brasileiro voltar atrás em sua panaceia. Pelo contrário: começamos a semana com o anúncio de que o Ministério da Saúde ampliaria sua “recomendação” da cloroquina para gestantes e crianças aos primeiros sintomas da doença…

A boa notícia é que, finalmente, a decisão de ampliar a produção do fármaco poderá ser investigada. O pedido foi feito ontem por  Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do Tribunal de Contas da União, aos ministros da corte. Ele pede que o TCU apure a “responsabilidade direta do presidente” na “orientação e determinação para o incremento dessa produção, sem que haja comprovação médica ou científica de que o medicamento seja útil para o tratamento da covid-19″. 

A solicitação aponta duas linhas de apuração: suspeita de superfaturamento na compra da matéria-prima para o medicamento e aumento gigantesco da produção em comparação com anos anteriores. Furtado, que é o membro do Ministério Público com mais anos de atuação no TCU, ponderou: “Embora o possível aumento do custo dos insumos, do transporte e do dólar possa ter influenciado o aumento do preço, ainda assim adquirir o produto por um valor seis vezes maior numa compra sem licitação, a meu ver, representa um forte indício de eventual superfaturamento, situação que merece ser devidamente apurada pelo controle externo da administração pública”.

Sobre a produção, que desde a ordem de Bolsonaro teria aumentado 84 vezes em comparação com o mesmo período de 2017, 2018 e 2019, o subprocurador-geral nota que “é resultado direto do voluntarismo da autoridade máxima do país, sem base científica ou médica”. 

Enquanto isso, as pessoas que sofrem de enfermidades para as quais a cloroquina e a hidroxicloroquina têm eficácia comprovada – artrite, lúpus, doenças fotossensíveis e malária – continuam com dificuldade de comprar as drogas, que sofreram um pico de demanda depois de tanto marketing governamental. “Agora eu estou precisando comprar uma nova leva de remédios e não estou encontrando em nenhuma das farmácias maiores de Porto Alegre, nem nas pequenas de esquina de bairro. Eu já liguei, não há disponibilidade da cloroquina e nem da hidroxicloroquina”, relatou Amaralina Xavier ao site Sul 21. Ao mesmo veículo, Ricardo Xavier, professor da UFRGS, corrobora: “Está faltando há algum tempo. Já teve pior, deu uma melhorada e agora parece que está piorando de novo. Tenho vários pacientes com dificuldades de encontrar nas farmácias. Em outros estados, eu sei que está bem pior, inclusive do ponto de vista do fornecimento público”.

A propósito: o contexto autoritário atual é o gancho para a entrevista da semana do programa do Outra Saúde no podcast Tibungo. Conversamos com o sanitarista Alcides Miranda sobre a relação entre saúde e democracia. A análise do professor da UFRGS ajuda a compreender por que o ódio à democracia retornou de forma evidente no Brasil, e de que forma as tensões autoritárias atingem o SUS.

O PLATÔ BRASILEIRO

O Ministério da Saúde afirmou ontem que o Brasil está caminhando para um cenário de estabilização nos casos e mortes por covid-19. A declaração foi dada pelo secretário de Vigilância em Saúde Arnando Medeiros, em coletiva de imprensa. De acordo com ele, os números seguem crescendo, mas numa velocidade reduzida. “Nós precisamos confirmar se essa tendência permanece com o passar dos próximos 15 dias, mas a gente já consegue perceber que estamos, talvez, entrando efetivamente em um platô de novos casos”, disse.

Como explicamos ontem, a aparente estabilização num país continental mistura estados onde há redução de fato e outros em que o coronavírus avança a passos largos. E os números gerais ‘estáveis’ ainda são altos: foram mais de 1,2 mortes diárias por três dias seguidos, com o número de novos casos conhecidos sempre ficando acima de 20 mil. No acumulado, são 47.869 mortes e 983.359 casos.

Mesmo se as novas infecções por aqui fossem uniformes no território, em qualquer país sério (de preferência onde os números refletissem a realidade, sem milhares de mortes sob investigação) a informação sobre o “platô” viria seguida de: ‘agora precisamos esperar esse platô virar descida consistente, o número de casos diários ficar próximo de zero, e então vamos flexibilizar restrições, monitorando e rastreando todos os novos casos’. Aqui, deveriam ser estudadas as tendências regionais com orientações focalizadas. Mas o que a pasta fez foi informar que deve lançar em breve uma portaria com recomendações de medidas de prevenção a gestores que quiserem flexibilizar o isolamento social. Não deve ser muito útil, visto que  eles já estão flexibilizando há tempos – tanto os de estados e municípios que têm diminuição nos números como os de locais preocupantes.

Minas Gerais ostentou por algum tempo o título de estado pouco afetado pela pandemia, o que na realidade se devia a uma subnotificação ainda maior do que a já alta média brasileira. Valendo-se de números nada confiáveis, o estado começou a reabrir atividades em maio. O coronavírus cobrou sua conta. Na quarta-feira houve recorde de mortes e casos (537 óbitos e 1,5 mil casos em 24 horas), e ontem o governador Romeu Zema (Novo) anunciou que dentro de um mês vai haver o “estrangulamento” do sistema de saúde e pediu que os prefeitos “façam tudo o que possa ser feito”.

São Paulo, que é um dos estados onde o tal “platô” se verifica, registrou mais 1,1 mil casos e mais de 300 mortes de quarta para quinta-feira. Com um agravante: há dois dias, o levantamento está prejudicado por uma falha no banco de dados do e-SUS (sistema do Ministério da Saúde que é a principal fonte de informação de casos confirmados). De modo que a própria secretaria estadual de saúde acredita que o número real de novas infecções deve ser maior.

CIDADES REBELDES

Municípios paulistas em fase de reabertura tiveram eventos mais arriscados do que os permitidos – festas, corrida às compras etc – e o número de internações aumentou rapidamente. Então, o governo do estado decidiu fechar de novo o comércio não essencial em Ribeirão Preto, Presidente Prudente e Barretos. Mas não vai ser tão fácil. Prefeitos foram à Justiça para reverter a ordem, missas acontecem e lojas abriram irregularmente, às vezes com incentivo da prefeitura.

A briga também é forte no Rio Grande do Sul, que praticamente desde o início da pandemia adotou um modelo de “distanciamento controlado”. O território está dividido em 20 regiões e, nesta semana, o governo decretou que quatro delas estão na chamada bandeira vermelha, com alto risco de contágio. Diversos prefeitos indicaram a possibilidade de se rebelarem contra a decisão.

OS NEGACIONISTAS

Ontem, Jair Bolsonaro apareceu em sua transmissão ao vivo semanal. Para não perder o costume, decidiu mais uma vez colocar em dúvida o número de mortos pela pandemia no Brasil (“Temos declarações de diretores de hospitais dizendo que 40% dos que entraram no óbito como covid-19 não era covid-19”, disse) e atacar a OMS (“Fala-se tanto em foco na ciência, mas com todo o respeito: quem menos entende de ciência é a OMS“).

Como o Brasil, os EUA têm registrado mais de 20 mil casos diários de covid-19, em média. Apesar disso, o presidente Donald Trump disse ontem que nem gosta muito de falar em medicamentos e vacinas, porque de todo modo o coronavírus já “está desaparecendo, vai desaparecer”. Mas foi numa longa entrevista ao Wall Street Journal que ele deu um show de bizarrices. Afirmou, por exemplo, que as pessoas não usam máscaras para evitar a transmissão do novo coronavírus, mas tão somente para incomodá-lo. Falou ainda que, para monitorar a propagação e conter novos surtos, testes são “superestimados”, e que um número grande de exames “nos faz parecer ruins”. E, com não poderia faltar, sugeriu que a China espalhou o coronavírus intencionalmente. 

A propósito, um político negacionista da pandeia está internado com covid-19. É o deputado Sóstenes Cavalcante, pastor evangélico eleito com a ajuda de Silas Malafaia. Crítico do isolamento e defensor da reabertura de igrejas e templos, ele respira com suporte de oxigênio.

CAUTELA COM O ‘PASSAPORTE’

A ideia de um ‘passaporte da imunidade’, defendida por Paulo Guedes e várias autoridades ao redor do mundo, é muito sedutora: quem se contaminou e tem anticorpos contra o novo coronavírus estaria imune a ele, podendo portanto voltar à vida normal. É também nisso que se fia a ideia de deixar o vírus correr mais ou menos solto, como faz a Suécia. Esse pensamento depende, é claro, de que a imunidade realmente exista e seja duradoura.

Já falamos aqui de pesquisas sugerindo que, sim, contaminados ficam imunes. Além disso, acredita-se que os anticorpos para outros coronavírus, como SARS e MERS, durem cerca de um ano, por isso os cientistas estavam confiantes de que no caso do SARS-CoV-2 a situação seria parecida. Porém, um artigo publicado ontem na Nature Medicine traz uma importante notícia sobre isso. Segundo os autores, os anticorpos podem durar de dois a três meses, especialmente nas pessoas que nunca apresentaram sintomas. Analisando amostras de 74 pessoas pessoas na China (metade sintomáticas e metade assintomáticas), os pesquisadores viram uma redução de 40% nos anticorpos das que não tiveram sintomas, contra 13% no grupo das que tiveram.

A reportagem do New York Times atenta para detalhes que fazem diferença ao interpretar as conclusões: o primeiro, mais óbvio, é que a amostra de pacientes foi muito pequena. O segundo é que não foi levada em consideração a proteção oferecida pelas células imunológicas que podem agir na destruição de células invadidas pelo vírus (as células T) ou produzir novos anticorpos quando o vírus invade (as células B).

Além disso, é preciso ver que tipo de anticorpos sofreram redução. O importante seria ver como se comportam os anticorpos neutralizantes, e outro artigo publicado na Nature sugere que mesmo níveis baixos desse anticorpos podem ser suficientes para impedir o desenvolvimento de novas infecções. Daí que as pesquisas não permitem concluir que infectados vão perder a imunidade – mas, com certeza, indicam ainda é preciso ter cautela ao pisar nesse terreno.

NOVO PEDIDO

Mais um periódico renomado está sendo pressionado por cientistas para retirar do ar um estudo publicado recentemente sobre o novo coronavírus. É um artigo que trata da eficácia das máscaras, publicado em 11 de junho no Proceedings of the National Academy of Sciences. Segundo os autores, o uso de máscaras “reduz significativamente o número de infecções” com o coronavírus e “outras medidas de mitigação, como o distanciamento social implementado nos Estados Unidos, são insuficientes por si só para proteger o público”. Em carta, um grupo de pesquisadores diz que as concusões são semelhantes às de outros trabalhos, mas que este especificamente seguiu uma metologia falha.

VIOLÊNCIA EM CASA

Uma parceria com cinco veículos de mídia independentes (Amazônia RealAgência Eco Nordeste#ColaboraPortal Catarinas e Ponte Jornalismo) vai publicar, ao longo de 2020, uma série de reportagens sobre a violência doméstica durante a quarentena. O primeiro conjunto delas já saiu em todos esses sites, com base em levantamentos das secretarias de segurança pública de todos os estados e do Distrito Federal. Os casos de feminicídio no país este ano aumentaram 5% em relação a 2019 – um percentual relativamente baixo, mas que abriga  enormes diferenças entre os estados. O Pará teve nada menos do que o triplo de feminicídios nos primeiros quatro meses de 2020, comparando com o ano passado. No Acre, o número quase dobrou. O Rio Grande do Sul teve aumento de 70%; Mato Grosso do Sul, 40%; e, São Paulo, de 29%.

A situação das crianças, muito mais indefesas, também é complicada. Apesar de poupadas em parte das contaminações, elas estão mais sujeitas à violência em casa durante as quarentenas, e em muitos casos com restrições no acesso a alimentação e serviços de saúde. Isso acontece no mundo todo, mas é muito mais grave nas regiões e famílias pobres. Além da violência doméstica, há ameaças extras com a crise econômica que atinge com ainda mais força populações já vulneráveis. “Muitas meninas entraram em relacionamentos entre gerações [grifo nosso] para acessar suprimentos básicos, como absorventes e sabão, o que contribuiu para a gravidez precoce”, diz Brenda Doreen Nakirya, diretora administrativa da Community Concerns Uganda, no site Health Policy Watch. A descrição nos parece um eufemismo para pedofilia e/ou prostituição infantil.

Tudo indicaque a pandemia piorou um cenário que já era gravíssimo. Segundo o Relatório de Status Global sobre Prevenção da Violência contra Crianças 2020, uma em cada quatro crianças menores de cinco anos mora com uma mãe que sofre de violência por parceiro íntimo. Quase 75% das crianças de dois a quatro anos sofrem regularmente punição física e/ou violência psicológica por parte de seus responsáveis.

DIRETO PRO BANCO MUNDIAL

A esperada demissão de Abraham Weintraub foi anunciada ontem. Mas, como Regina Duarte, ele também recebeu um prêmio de consolação. No caso, um baita prêmio: cargo em Washington no Banco Mundial que vai lhe render cinco vezes mais do que o salário de ministro. Quem o indicou para a bocada de US$ 21,5 mil – que na atual cotação do dólar se transformam em R$ 115,9 mil mensais – foi o Ministério da Economia. A justificativa da pasta para a nomeação no organismo internacional, de livre atribuição do governo brasileiro por se tratar de um posto de representação, é que Weintraub tem “mais de 20 anos de atuação como executivo no mercado financeiro”. 

Possivelmente constrangido, o Banco tratou de divulgar que o mandato só vai até outubro. Uma fonte ligada à agência da ONU, ouvida pelo Globo, ressaltou que Weintraub terá de se adequar às políticas do Banco, que envolvem projetos sobre equidade de raça e gênero… 

Antes de sair do MEC, o integrante mais notável da ala ideológica do governo Bolsonaro mandou um recado no sinal contrário. Em uma canetada, extinguiu a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência nos cursos de pós-graduação das instituições federais de ensino. O Congresso Nacional promete reverter a medida. 

Ontem, o Todos pela Educação divulgou um relatório em que conclui que durante a gestão Weintraub, o MEC sofreu de atraso crônico na execução financeira. Só está empenhando em 2020 gastos de 2019. De modo que 60% da execução orçamentária deste ano tem a ver com esse passivo, que no jargão oficial é conhecido como “restos a pagar”. E, para quem precisa refrescar a memória, a Épocarelembra a trajetória de Weintraub no MEC.

ENFIM, QUEIROZ

É claro que não poderíamos deixar falar sobre o galão de gasolina jogado na crise política com a prisão de Fabrício Queiroz em plena casa do advogado de Flávio Bolsonaro. O mandado foi cumprido por policiais ontem cedinho, em uma propriedade de Frederick Wassef localizada em Atibaia, no interior paulista.  A resposta para a pergunta ‘onde está Queiroz’ foi dada por uma mensagem de um celular aprendido pelo Ministério Público estadual do Rio. 

A casa foi cercada por dias pela Polícia Civil paulista a pedido do MP fluminense, numa ação sigilosa ao extremo para evitar vazamentos. O cuidado foi tanto que nem o delegado Nico Gonçalves, que efetuou a prisão, sabia do que se tratava até poucas horas antes. “Eu pensei que era alguma coisa sobre respiradores”, disse.

Ao ser preso, o ex-assessor de Flávio e amigo de Jair Bolsonaro desde os anos 1980, disse que se “entenderia com a Justiça”. Segundo informações do caseiro, Queiroz estava há mais de um ano no imóvel de Wassef – que, por sua vez, declarou pelo menos duas vezes à imprensa que não sabia de seu paradeiro e sequer o conhecia.

O advogado que abrigou Queiroz por tanto tempo não é apenas representante legal de Flávio Bolsonaro. No caso da facada, ele advogou pelo presidente. Durante o governo, esteve pelo menos 13 vezes nos palácios do Planalto e da Alvorada em visitas quase sempre fora da agenda presidencial. Na quarta-feira, marcou presença na posse de Fábio Faria como ministro das Comunicações na condição de “amigo do presidente”.

Por tudo isso, o potencial da crise é enorme. O senador Flávio Bolsonaro tratou de aproximá-la ainda mais do Planalto, ao dizer que a prisão era “mais uma peça movimentada no tabuleiro para atacar” seu pai. Uma das suspeitas do inquérito do MP é que Flávio tenha usado o dinheiro da rachadinha em seu gabinete como deputado estadual do Rio, arrecadado por Queiroz, para pagar despesas com planos de saúde e escola da sua família. Entre 2013 e 2018, 70% dessa conta que chega a quase R$ 200 mil teria sido paga em dinheiro vivo. Provavelmente pelo próprio Queiroz na boca do caixa. 

Agora, a expectativa gira em torno da lealdade de Fabrício Queiroz. O ex-assessor falará? A única pergunta que ele fez aos policiais enquanto era levado ao Rio foi sobre as filhas, Nathalia e Evelyn, também -ex-empregadas dos gabinetes de Flávio e Jair Bolsonaro. Queria saber se tinham sido presas. Não desta vez. Quem foi alvo da operação foi sua esposa, Márcia Aguiar, que até o fechamento desta newsletter seguia foragida da Justiça. Segundo o MP, ela teria recebido R$ 174 mil de origem desconhecida para pagar o tratamento de Queiroz no Hospital Albert Einstein – que continua sendo outro grande mistério. Em 2018, quando estourou o escândalo das rachadinhas, ele repetia: “Podem me prender, mas não podem prender minha mulher nem milha filha“. Quem assumiu ontem a defesa do ex-assessor foi Paulo Emílio Catta Preta, que atuou como advogado do miliciano Adriano da Nóbrega, assassinado em fevereiro deste ano durante uma ação policial, possivelmente numa operação de queima de arquivo. O advogado vai entrar com habeas corpus hoje. A prisão de Queiroz foi motivada por ameaças a testemunhas e interferência nas investigações, segundo o MP.

Enquanto tudo isso acontecia, Jair Bolsonaro se fechou no Planalto. A reunião com ministros e assessores aconteceu logo de manhã, num clima tenso, segundo o Estadão. A operação recebeu o nome de “Anjo” em referência ao que o advogado Frederick Wassef representara até então para a família Bolsonaro. Segundo Guilherme Amado, Wassef entrou em contato com outra conhecida advogada do presidente, Karina Kuffa, quando ela saía do Palácio do Planalto no fim da tarde. Quem presenciou a conversa telefônica, relata que ele gritava que a desmentiria. Mais cedo, ela tinha divulgado nota dizendo que Wassef não advoga para o presidente. 

Já de noite, durante a transmissão ao vivo que sempre realiza às quintas, um abatido Jair Bolsonaro falou sobre a prisão. Disse que foi “espetaculosa”. “Parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra”. Não encontrou narrativa para rebater as estranhas circunstâncias da prisão na casa de Wassef. Limitou-se a dizer que Queiroz estava naquela região de São Paulo por ser perto de onde tratava seu câncer. Segundo interlocutores do Planalto, a prisão de Queiroz “joga mais uma pá de cal” na tentativa de pacificar a relação do presidente com o Judiciário. 

A OAB divulgou que vai pedir responsabilização de Frederick Wassef por ‘potencial infração ética‘ ao ocultar informações sobre Queiroz. A oposição quer fazer andar o pedido de cassação do mandato do senador Flávio Bolsonaro, parado há quatro meses no Conselho de Ética da Casa. Aliás, Alessandra Esteves Marins, assessora do senador no gabinete do Rio, foi um dos alvos da operação de ontem. Ela, que também atuava na Assembleia Legislativa do Rio, teve sua casa no bairro carioca de Bento Ribeiro vasculhada. Segundo vizinhos, não aparecia por lá há cerca de um mês. A residência fica a metros de outra, de propriedade de Jair Bolsonaro.

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