Prestes a vencer

Além de testar pouco, Brasil agora pode se notabilizar pelo desperdício de 6,8 milhões de exames PCR. Ministério coloca culpa nos estados e tenta estender o prazo — solução considerada paliativa por especialistas

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Cerca de 6,86 milhões de testes para o diagnóstico do novo coronavírus comprados pelo Ministério da Saúde perdem a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021. Os exames do tipo RT-PCR estão estocados num armazém do governo federal em Guarulhos e, até hoje, não foram distribuídos. O furo de reportagem é do Estadão, que dá conta do tamanho do absurdo: “Para se ter ideia, o SUS aplicou cinco milhões de testes deste tipo. Ou seja, o país pode acabar descartando mais exames do que já realizou até agora. Ao todo, a Saúde investiu R$ 764,5 milhões em testes e as unidades para vencer custaram R$ 290 milhões – o lote encalhado tem validade de oito meses”, escreveu Mateus Vargas.

O repórter acessou relatórios que indicam o problema pode ser maior pois, no cômputo total, 7,15 milhões de exames vencem até março. E não se sabe quantos milhões já distribuídos efetivamente foram usados. 

Da parte do Ministério da Saúde, a justificativa é a seguinte: os testes são distribuídos sob demanda dos estados. A pasta disse que já repassou oito milhões de testes, mas essas unidades ainda não foram consumidas. O problema estaria longe de ser solucionado, já que a falta de reagentes e até de tubos de laboratório e cotonetes seria a trava nesse fluxo. A importação dos componentes foi travada pelo TCU por suspeitas de irregularidades. Ao mesmo tempo, o governo não age para tentar produzir parte do material por aqui. 

A saída do ministério para não jogar milhões no lixo é pedir que o fabricante – a farmacêutica sul-coreana Seegene – analise a prorrogação da validade dos produtos. É preciso ver se isso não vai afetar a qualidade e, portanto, o resultado dos testes. Os estudos devem ser enviados ao país essa semana, segundo a pasta. Caberá à Anvisa autorizar a renovação.

A reportagem traz um outro preditivo de cegueira do governo federal. A meta do programa Diagnosticar para Cuidar era de 115 mil testes diários no SUS. Mas o ministério registrou em outubro média de 27,3 mil – o que é considerado um “ritmo razoável” pelos militares ouvidos pelo jornal. Essa cúpula fardada acredita que não há problema na baixa execução, pois o diagnóstico clínico bastaria. Mas acontece que o RT-PCR serve para interromper surtos. Um diagnóstico confirmado a tempo poderia significar o rastreamento de contatos do infectado e a interrupção da cadeia de transmissão.  

As revelações provocaram reação e a Câmara dos Deputados planeja uma audiência pública para a quarta-feira. O objetivo é ouvir representantes de municípios, estados e ministério. Há também um movimento para que o ministro Eduardo Pazuello seja chamado para dar explicações. O deputado federal, Alexandre Padilha (PT-SP), anunciou que pretende acrescentar esse caso aos pedidos de investigação já feitos ao TCU e ao Ministério Público Federal sobre a atuação do governo federal na pandemia. 

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