O revogaço que ameaça a Reforma Psiquiátrica
Ministério da Saúde estaria preparando a revogação de cerca de cem portarias sobre saúde mental, destruindo política que foi fruto de luta e conseguiu combater horror dos manicômios
Publicado 07/12/2020 às 11:10 - Atualizado 08/12/2020 às 08:39
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Ontem, no início da manhã, a coluna de Guilherme Amado no site da Época veio com a seguinte bomba, até agora não confirmada pela apuração de outros veículos da imprensa: o Ministério da Saúde estaria preparando um revogaço de cerca de cem portarias sobre saúde mental. Editadas entre 1991 a 2014, os atos desestruturariam do dia para a noite estratégias como o Consultório na Rua.
Aliás, esse é um bom exemplo dos problemas que aguardam a pasta se o revogaço vier mesmo. O objetivo do consultório é ampliar o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde. São basicamente equipes multiprofissionais que devem realizar suas atividades de forma itinerante e, quando necessário, desenvolver ações em parceria com as equipes dos postos de saúde do território onde atuam. O consultório foi criado em 2011 pela Política Nacional de Atenção Básica – e está na portaria atual da PNAB, revisada em 2017 num controverso processo tocado pelo ex-ministro Ricardo Barros sem a presença do Conselho Nacional de Saúde. Existem outras portarias que estruturam o serviço e falam mais detalhadamente sobre seu funcionamento, mas para extingui-lo, em última instância seria preciso revogar também a PNAB, o que dificilmente poderia ocorrer sem a anuência de gestores estaduais e municipais de saúde, que aprovaram a última versão da política.
“Autoridades de saúde estaduais estão receosas com a possibilidade de um desmonte de políticas públicas de saúde mental durante uma crise histórica na saúde brasileira”, apurou o repórter Eduardo Barreto, da coluna. Para quem diz que a pandemia “tem quatro ondas”, sendo a última delas um boom de transtornos mentais, o general Pazuello seria responsável por desmontar a estrutura que ele próprio vem alertando que vai ficar sobre pressão assistencial.
A coluna diz ainda que o pilar da Política Nacional de Saúde Mental está ameaçado, já que o ministério revogaria também os atos administrativos que tratam da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Ela é composta por serviços e equipamentos variados como os Centros de Atenção Psicossocial, conhecidos pela sigla CAPS; os CAPS-AD, voltados para o tratamento de usuários de álcool e outras drogas; os Serviços Residenciais Terapêuticos e o programa De Volta para Casa, que visam a reabilitar pacientes submetidos a longas internações psiquiátricas; dentre outros.
Para completar, haveria a paralisação do Programa de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS, que tem como vetor a luta antimanicomial, ou seja, o fechamento de leitos de internação de longa permanência e a ampliação da rede extra-hospitalar. Nesse caso, imaginamos que bastaria não editar uma portaria em 2021 renovando o programa, que é anual.
A coluna problematiza a possibilidade de o revogaço acontecer justamente durante o recesso do Supremo e do Congresso “o que dificultaria eventuais reações e questionamentos”. Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu nem que sim, nem que não. Mas as reações à nota já começaram.
Conselho Nacional de Saúde: “A Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas vem sofrendo ataques constantes desde sua elaboração, aprofundados nos últimos cinco anos, por meio do desmonte da RAPS e do fortalecimento de políticas segregadoras, marcadas pela ascensão das comunidades terapêuticas e edição de normativas e de financiamento público voltados à internação da população em situação de rua e de adolescentes”.