O que o movimento antivacina tem a ver com a crise da política

Negacionismo pode estar relacionado com o aumento das desigualdades e a sensação de que as instituições – inclusive a Ciência – tornaram-se território dos privilegiados. Fortalecer os sistemas de Saúde pública é uma saída clara

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Uma matéria publicada na revista The Atlantic levanta um debate importante, agora que o mundo pode estar entrando numa nova fase da pandemia com a variante ômicron. O que faz com que haja tantas pessoas com receio de tomar as vacinas, ou que as estejam combatendo ativamente? Segundo dados e pesquisas em diversos países, é possível perceber que essa rejeição tem muito a ver com o sentimento antipolítica e antiestablishment, que nos últimos anos foi capturado por movimentos de extrema-direita e elegeu figuras como Donald Trump e Jair Bolsonaro – mas que não se restringe aos movimentos ultraconservadores.

Não é um fenômeno simples de se explicar, justamente por não se relacionar apenas com um campo ideológico, uma classe social ou uma região do mundo. O artigo conta, por exemplo, que na África do Sul a desconfiança na vacina vem tanto dos brancos – por não acreditarem num sistema que creem que os desfavorece, após o fim da segregação racial –, quanto dos negros – já que muitos dos argumentos que justificavam o apartheid tinham base em crenças erroneamente respaldadas pela “ciência”. No país onde a ômicron foi descoberta, já há imunizantes para toda a população, mas menos de um terço foi se vacinar. Recentemente, inclusive, o governo pediu para que as empresas interrompessem a remessa das vacinas, por não conseguir dar vazão às doses. Mas o problema está longe de se restringir a países do sul global: pesquisas apontam que populações de países mais pobres têm maior aceitação às vacinas que as dos Estados Unidos e Europa, por exemplo.

A autora do artigo, como muitos outros pensadores contemporâneos, relaciona essa descrença na política, nas instituições, nos “especialistas” e mesmo na ciência com uma percepção de que o sistema falhou com as maiorias. O neoliberalismo e as últimas crises econômicas deixaram claro, para multidões, que o “sistema” funciona para manter os privilégios do 0,1% mais rico. Sem um projeto de esquerda que canalizasse essa frustração para transformações reais, o neofascismo e a ultradireita conseguiram desviar esse descontentamento para ideais ultrareacionários que ajudaram a erodir a democracia e o sentimento de comunidade. Sem eles, fica mais difícil compreender que as vacinas são uma medida de proteção para toda a sociedade.

Provavelmente será preciso grandes mudanças sociais para restaurar a confiança nas instituições, mas a vacinação é um problema que deve ser encarado agora. O que fazer, então? A conclusão do artigo esquenta os corações dos autores deste boletim: reconhece o SUS como um exemplo de confiança em sistemas públicos de saúde e elogia a impressionante aceitação às vacinas entre os brasileiros, capaz de vencer o negacionismo do presidente que lutou contra elas. E constata: a solução pode estar em fortalecer os sistemas públicos de Saúde e financiá-los de maneira mais apropriada.

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