A possível luta por uma nova arquitetura global de Saúde

Num novo livro do Centro de Relações Internacionais de Fiocruz, debate sobre uma utopia concreta: a constituição de um sistema de saúde global forte e mais equitativo. Paulo Buss, diretor do centro, acha que é preciso ousar

.

A pandemia da covid-19 acelerou a discussão sobre como enfrentar novas emergências e enfrentar as desigualdades sanitárias do planeta. O debate esquenta à medida que se aproximam novos eventos relacionados à elaboração de um tratado – também chamado de “acordo”, ou “convenção”global sobre as pandemias. Após o impulso histórico que recebeu na Assembleia Mundial de Saúde, dia 1°/12, a previsão é que um esboço da proposta seja discutido pela direção executiva da OMS em janeiro próximo. Não há dúvida de que as demandas da Saúde global exigem respostas sérias. Há diferenças sobre a melhor forma de responder. Mas o impulso à frente precisa prosseguir.

Faça o download do livro aqui

Ao menos é o que se depreende da opinião de um importante pesquisador do assunto, o médico Paulo Marchiori Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, e um dos organizadores do recém-lançado livro Diplomacia da Saúde. Ele sugere que há desafios importantes em vista, mas acredita que o momento é de ousar e avançar na busca de “uma infraestrutura sanitária global construída sobre os princípios da igualdade e dos direitos humanos”.

Outra estratégia, paralela a um acordo pandêmico, seria possível focar na reformulação do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), pensam alguns movimentos. O documento é de 2005. Suas deficiências são bem conhecidas. O RSI é uma norma voltada para notificações e vigilância global de doenças, especialmente contagiosas. A pandemia mostrou que esse marco não deu resposta efetiva às demandas globais, mas é possível torná-lo adequado. E seria mais fácil seria mais fácil, especialmente, do que trabalhar para construir um tratado.

É um argumento forte, já que os protagonistas no movimento pró-tratado são as grandes potências, historicamente alheias aos interesses do resto do planeta. Paulo Buss lembra que, além do ceticismo dos movimentos sociais globais, um grande número de países mantém-se na expectativa, como os membros do G77 e do Movimento Não Alinhado. Ainda não se manifestaram de forma explícita a favor de uma proposta mais pretensiosa de fortalecimento da Saúde global. Não há ainda como prever, portanto, em que direção podem vir a caminhar os esforços atuais de responder à demandas globais de Saúde.

É interessante listar algumas das mais relevantes – tal como têm aparecido nos debates, sobretudo nos inumeráveis centros internacionais de pesquisa. Primeiramente, a segurança global da saúde precisa se concentrar na segurança das pessoas, não nas fronteiras nacionais, escreve Paulo Buss. A ideia de segurança de saúde global limitada a um país, ou certos países, não funciona, nos termos do tratado que se tem em vista. Os estudos e a fala da maioria dos líderes políticos, diz Paulo, “enfatizam a interdependência como a razão para a ação multilateral”.

É isso que significa, explica, o “truísmo de que ‘ninguém está seguro até que todos estejam seguros”. Significa focar em bens públicos globais e nas necessidades de todas as pessoas. Também não pode persistir o conceito de Saúde restrito a doenças. A Saúde precisa ter como eixos princípios fundamentais dos direitos humanos. A começar pela garantia de acesso universal aos cuidados de saúde, ou de igualdade, em termos das diversas necessidades dos seres humanos.

E não se pode pensar nisso sem atacar as desigualdades estruturais existentes entre os países. Ou sem descolonizar o paradigma prevalente de segurança global da saúde, ressalta Paulo. Esse modelo está “construído em torno de uma suposição implícita de que as pandemias fluem de regiões mais pobres do mundo, ameaçando a saúde e o bem-estar das pessoas nas áreas mais prósperas”. Esse é, notadamente, o enfoque atual do RSI, aponta o especialista.

Ele espera que as demandas originadas desse conjunto de deficiências podem ser satisfeitas pelas mudanças em debate. E que as pressões sociais, no pós-pandemia, removam barreiras e levem a um acordo amplo entre países.

Leia Também: