Coronavírus: o que virá depois da ômicron?

Com base na evolução do vírus até hoje, cientistas tentam prever sua trajetória futura. Ponto principal: é preciso interromper sua reprodução desenfreada, especialmente nas populações não imunizadas

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Uma das maneiras de contar a história da pandemia de covid-19 é do ponto de vista da evolução biológica de seu patógeno. É o que buscou fazer matéria recém-publicada na revista Nature, com base em entrevistas com mais de uma dezena de virologistas, biólogos e matemáticos. Observando a evolução recente do Sars-CoV-2, os cientistas tentam prever os caminhos evolutivos que ele pode tomar – e como estes afetarão os seres humanos. 

As mutações virais seguem, em geral, dois sentidos: 1) alterações genéticas que fazem o vírus mais transmissível; 2) mudanças capazes de superar a imunidade já garantida pelo sistema imunológico dos indivíduos contaminados. Desde seu surgimento, no final de 2019 – pelo que se sabe, em Wuhan, na China –, até novembro de 2020, o coronavírus viveu mutações relativamente limitadas. O vírus navegava por um mar aberto de pessoas cujo sistema imunológico nunca havia tido contato com ele. Não precisava, portanto, adaptar-se. Esta evolução levou muitos pesquisadores a pensar que a pandemia seria vencida pela “imunidade de rebanho”, quando uma porcentagem suficiente da população contrai a doença e se imuniza, derrubando a transmissão. 

Mas ao final do ano, tudo mudou. Surgiu aquela que ainda chamávamos de “variante inglesa”, hoje conhecida como alfa. Essa nova cepa tinha capacidade 50% maior de se espalhar do que a original, e logo tomou o Reino Unido. Foi o início da “segunda onda” europeia – a mais mortal no continente, até agora. Naquela mesma época, apareceram a beta e a gama, outras duas cepas de preocupação – classificação da OMS para as variantes com potencial mais agressivo – também altamente transmissíveis. 

O que veio a seguir surpreendeu os cientistas. Esperava-se que a próxima mutação preocupante se originaria a partir da alfa, mas a delta apareceu onde ninguém a esperava: na Índia, após uma onda feroz que acometeu o país nos primeiros meses de 2021. Não demorou muito para tornar-se predominante na Europa e Estados Unidos, preocupando governos que avançavam com sucesso suas campanhas de vacinação. Foi a causadora da “terceira onda”, sentida principalmente nos EUA, onde as mortes atingiram novamente o patamar de 2 mil por dia, em meados de setembro. O que fez da delta tão avassaladora foi justamente o fato de que era tanto mais transmissível – 60% mais que a alfa – quanto capaz de contornar a imunidade. Neste fim de 2021, tornou-se a responsável pela maior parte dos casos de covid no mundo.

Mas os pesquisadores alertam: a transmissibilidade que um vírus pode alcançar tem limites. Após alcançado, ele precisa evoluir de maneiras diferentes. É aí que pode entrar a ômicron. Surgiu também de onde poucos esperavam: não foi uma descendente da delta, mas uma variante descoberta na África, cuja origem real é ainda incerta. Possui 30 mutações em seus esporões, e muitas delas se assemelham a outras variantes de preocupação. Analisando essas alterações, cientistas percebem uma potencial maior transmissibilidade. Mas além disso – e aí pode estar seu diferencial preocupante –, o espalhamento da ômicron na África do Sul sugere uma possível maior habilidade de infectar aqueles que já têm alguma imunização.

A nova variante será menos severa? A pergunta que Outra Saúde vem perseguindo [1, 2, 3] ao longo de duas semanas ainda não pode ser respondida. Não é verdade que o “caminho natural” de um vírus é tornar-se mais brando, infelizmente. As próprias variantes alfa, beta e delta causaram mais hospitalizações que o vírus original. O que acontecerá ainda é incerto, mas os cientistas ouvidos pela Nature esperam que a covid esteja em uma fase de transição, e que seu ritmo de evolução diminua com o tempo, para um estado mais estável como os primeiros coronavírus, a influenza e outros. 

Há algumas possibilidades: ele pode tornar-se um vírus sazonal; pode vir a ser uma doença que afeta principalmente as crianças, e que causa apenas sintomas leves aos adultos; tem chance de continuar gerando casos graves, mas que podem ser combatidos com vacinas que vão sendo renovadas periodicamente. Ou pode evoluir de formas hoje imprevisíveis. É mais um motivo para não permitir que ele continue se desenvolvendo livremente em populações não imunizadas ou onde a saúde é mais frágil.

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