O lobby privado pela privatização do SUS

Presidente do Coalizão Saúde é transparente: setor privado tem “muito interesse” na atenção primária. Enquanto isso, Câmara pode apresentar proposta de reforma do SUS depois das eleições

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SA Piauí conversou com um dos principais porta-vozes dos interesses do setor privado da saúde no Brasil. E ficou parecendo que tem o dedo do Instituto Coalizão Saúde tanto na inclusão das unidades básicas no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) quanto na ainda misteriosa proposta de reforma do SUS anunciada por Rodrigo Maia em julho. Mas também pode ser que a entidade, que reúne diversos e antagônicos segmentos do setor, tenha colocado seu lobby em campo só depois desses anúncios. O que se sabe por enquanto é que o presidente do instituto, Claudio Lottenberg, confirmou à repórter Marta Salomon que já teve reuniões tanto com o presidente da Câmara dos Deputados quanto com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Lottenberg foi transparente em relação às intenções do grupo que representa: “O setor privado tem muito interesse em trabalhar na atenção primária”, resumiu, em referência ao decreto derrubado por Jair Bolsonaro em tempo recorde por pressão das redes sociais. E as outras declarações que aparecem na reportagem deixam algumas pulgas importantes atrás da orelha. 

Por exemplo: o governo afirmou que a inclusão frustrada das unidades de saúde no PPI não era parte de um projeto para acabar com a gratuidade dos atendimentos no SUS. Mas o presidente do Coalizão Saúde aparece dizendo que a atenção primária é uma oportunidade de expansão para… os planos de saúde. Não fica claro se os assuntos estão misturados, pois a maior parte da argumentação aparece no texto em discurso indireto, mas aparentemente Lottenberg estaria defendendo o resgate do PL que muda a regulação dos planos de saúde e ligando isso à entrega das unidades básicas à iniciativa privada. 

“Ele alega que os planos populares precisam de uma regulação que dê às empresas mais segurança jurídica para operá-los, limitando a sua atuação à atenção primária e livrando as empresas de se verem obrigadas, por eventuais ações na Justiça, a fornecer serviços e procedimentos mais complexos, como internação hospitalar, por exemplo. Com planos mais baratos, ele explica, usuários do SUS poderiam recorrer a serviços privados e, dessa forma, ‘desafogariam’ o sistema público, que ficaria responsável pelos casos mais graves”, diz a reportagem.

Traduzindo: o SUS ficaria com os procedimentos mais caros e deixaria de mão beijada toda a infraestrutura e expertise que construiu ao longo de mais de 25 anos na atenção primária para o setor privado, que só percebeu que isso existe há poucos anos… E, ainda por cima, a população só teria acesso ao atendimento via pagamento de planos populares. Difícil entender como o Coalizão Saúde pretende emplacar essa narrativa no momento político atual.

A reportagem também traz duas atualizações importantes. A primeira delas é sobre o projeto de reforma do SUS de Maia. A deputada Margarete Coelho (PP-PI) continua não dando detalhes sobre o conteúdo da proposta que coordena, mas indicou que a intenção é torná-la pública depois das eleições municipais. 

Finalmente, o site questionou a secretaria do PPI, que informou que espera restabelecer o decreto editado e suspenso por Bolsonaro, mas sem cravar data: “O PPI espera rediscutir a agenda, que é importante para o país. A ideia é que o parceiro privado faça a gestão operacional, mas a condução da política pública continuará sendo feita pelo Ministério da Saúde, mantidos os preceitos de universalidade e gratuidade do SUS”.