Novidades sobre a vacinação no Brasil: o começo do fim?

Governo federal prevê início da imunização no dia 20, mas provavelmente só CoronaVac vai estar disponível nessa data. Entenda os pedidos de autorização enviados até agora

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OO novo ano chegou com notícias muito aguardadas sobre a vacinação contra a covid-19 no Brasil. Na sexta, a Fiocruz e o Instituto Butantan finalmente enviaram para a Anvisa documentos para análise e aprovação do uso emergencial de suas vacinas. A partir disso, a agência tem dez dias para analisar o material e decidir se autoriza ou não os imunizantes.

Mas não há céu de brigadeiro. No caso da vacina de Oxford/AstraZeneca, que será produzida no país pela Fiocruz, os dados completos já foram publicados em revista científica, mas há incertezas relacionadas a eles. Apesar de a taxa geral de eficácia ter ficado em cerca 70%, falta, por exemplo, saber essa taxa em idosos, o que é bem importante para planejar a vacinação (falamos muito sobre todas essas dúvidas no ano passado, como aqui e aqui). Reino Unido, México e Índia já aprovaram o uso emergencial desse imunizante, mas nos Estados Unidos os dados foram considerados insuficientes. A Agência Europeia de Medicamentos (equivalente à Anvisa na União Europeia) prevê concluir sua análise no fim deste mês

Por aqui, o pedido da Fiocruz se refere ao uso de apenas duas milhões de doses, compradas prontas do fabricante indiano Serum Institute e que serviriam para antecipar o calendário de vacinação para janeiro – sem elas, a previsão seria ter as primeiras doses em 8 de fevereiro, depois de a Fiocruz receber os insumos farmacẽuticos necessários à produção de 100 milhões de doses. E, é claro, bem depois do prazo anunciado por João Doria (PSDB) para o começo da distribuição da CoronaVac, o que pesa um bocado para o governo federal. Caso a Anvisa dê sinal verde para o uso dessas duas milhões de doses, o Ministério da Saúde vai correr para tentar iniciar a imunização em 20 de janeiro, cinco dias antes da data prevista pelo governo de São Paulo. Mas, com a vacina de Oxford, isso só vai acontecer se o Serum Institute antecipar o envio das doses, que por enquanto estão previstas para sair da Índia no próprio dia 20. Jair Bolsonaro até deixou de lado seu papel de incendiador antivacina e escreveu uma carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, pedindo urgência no fornecimento do imunizante…

O que falta na CoronaVac

Quanto à CoronaVac, as notícias são ao mesmo tempo boas e confusas. Boas porque o pedido de autorização do Butantan veio logo depois da coletiva de imprensa em que o instituto divulgou – após sucessivos adiamentos – uma eficácia de 78% da vacina contra casos leves que precisaram de intervenção médica, e 100% na prevenção de casos graves, moderados ou que precisaram de internação. Mas confusas porque, em seguida, especialistas começaram a apontar problemas. Em geral, as empresas têm divulgado primeiro seus dados via comunicados à imprensa. No caso da CoronaVac, nem isso: as informações foram divulgadas apenas em um pronunciamento encabeçado por Dimas Covas, diretor do Butantan. 

Mas o mais complicado é que os números anunciados se referem  somente a um recorte do estudo, como explica a ótima reportagem de Fabiana Cambricoli, no Estadão. Segundo o protocolo do ensaio, o desfecho primário (ou seja, o resultado principal a ser observado) era a taxa de eficácia geral, calculada a partir de todos os casos sintomáticos de covid-19 registrados entre os participantes. Mas esse número não foi divulgado. Os 78% e 100% mencionados por Dimas Covas se referem a desfechos secundários (não incluíram todos casos sintomáticos, mas apenas os com características específicas). Como medem coisas diferentes, não podem ser comparados por exemplo aos 95% da Pfizer ou aos 70% de Oxford/AstraZeneca. 

O infectologista Esper Kallas, professor da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do centro da pesquisa da CoronaVac no Hospital das Clínicas, diz que a eficácia geral dessa vacina deve ser menor que 78%. Dá para ter uma ideia do valor a partir de números ditos ‘de cabeça’ por Covas na coletiva de imprensa. Segundo ele, foram registrados 218 casos da doença, sendo cerca de 60 no grupo que recebeu a vacina. Se for isso mesmo, a eficácia deve ser em torno de 63%. O que não é ruim, especialmente considerando a facilidade de distribução desse imunizante. Mas é importante saber. O secretário de Saúde de SP, Jean Gorinchteyn, disse que os dados completos só vão ser publicizados depois da análise da Anvisa.

E outras questões apareceram depois da submissão do pedido à agência. É que, após concluir a triagem inicial dos documentos, o órgão disse no sábado que estava tudo certo com os da Fiocruz, mas não com os do Butantan. Diante da velha pressão de Jair Bolsonaro contra a ‘vacina do Doria’, o movimento poderia ser visto com alguma desconfiança, como se projetado especialmente para empacar a aprovação. Foi o que o governador de São Paulo deu a entender, ontem, quando em redes sociais pediu “senso de urgência” à Anvisa. Mas ex-presidentes da agência entrevistados pelo Estadão disseram que os documentos faltantes são mesmo básicosEntre eles: as características da população do estudo (como idade, sexo, raça, peso, comorbidades) e a contabilidade clara de todos os participantes que entraram no estudo e que completaram cada fase. O Butantan já começou o envio  dos dados.

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