Nelson Teich está perdido

Em longa audiência, Ministro da Saúde diz a senadores que governo está “literalmente navegando às cegas”

Foto: Leopoldo Silva / Agência Brasil
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Durou mais de cinco horas a audiência do ministro da Saúde Nelson Teich com os senadores ontem, feita por videoconferência. Convidado a prestar esclarecimentos sobre as ações da Pasta em meio à pandemia do coronavírus, desde o início da conversa ele foi pressionado pelos parlamentares a deixar clara a orientação sobre isolamento social.

A pressão não surtiu muito efeito. Teich disse que não podia oferecer respostas simples a perguntas complexas… Mais uma vez citou a intenção de alterar a diretriz atual, orientando o isolamento só para as regiões mais críticas e só para algumas pessoas, como idosos, casos confirmados e aqueles que tenham tido contato com doentes. “Ficar em casa é genérico demais. Ficar em casa vai ser a melhor opção para algumas pessoas, não para todas. Vamos trabalhar isso de forma mais específica”, afirmou, sem citar o já mal-afamado termo “isolamento vertical”.

“Estou estarrecido. Com todo respeito, mas acho que é uma dubiedade muito séria. Por favor, seja firme e claro nessa posição. Dê o recado à nação como líder da Saúde no país. Não pode haver dubiedade, especialmente quando o presidente da República está dando sinais contrários”, disparou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Kátia Abreu (PP-TO) também engrossou: “Não estou satisfeita com as suas respostas. Respeito seu currículo, sua história, mas sinceramente eu quero saber: isolamento ou não isolamento? Se o senhor for defender o não isolamento, temos respiradores para atender a todos que vão precisar? O senhor sabe o que fazer? Se não sabe, vamos seguir com o isolamento”. Teich tirou o corpo fora: “O Ministério nunca se posicionou para saída do distanciamento. Tem que ficar muito claro. Nunca”, afirmou.

Mentira, não é. Só faltou dizer, evidentemente, que esse foi o ponto central na discórdia entre Bolsonaro e o defenestrado ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, e que os sinais enviados pelo presidente nesse sentido para os estados e municípios – e, pior, para a população – não poderiam ser mais diretos. Teich, é óbvio, não quis comentar as falas e atitudes de Bolsonaro, mas lamentou os números. “A gente sofre com as vidas que estão sendo perdidas. A gente não é indiferente às mortes das pessoas”, garantiu, completando: “Não vou discutir aqui o comportamento, mas eu posso dizer que ele está preocupado com as pessoas e com a sociedade”. Estamos vendo…

O ministro admitiu que não faz ideia de quando será o pico de casos do coronavírus no país. Não tinha mesmo como ser diferente, já que inexistem informações precisas sobre o número de infectados e de mortos, tornando nebuloso o cálculo da taxa de infecção. “Não sabemos qual o percentual da sociedade acometida pela doença, quantos são assintomáticos, e se essas pessoas transmitem tanto quanto as mais graves. Os testes que a gente faz não permitem hoje saber essa realidade. Sem esse conhecimento, estamos literalmente navegando às cegas, essa é a verdade”, afirmou.

Teich disse ainda que está discutindo apenas os “critérios para que haja uma flexibilização do momento certo” e que “é importante que já tenha um planejamento prévio quando isso acontecer”. Não é que seja errado planejar saídas do isolamento. Na verdade tem que haver planejamento mesmo, ou não há a menor chance de dar certo. O que ainda não ficou claro – e que bem já poderia ter sido adiantado pelo ministro – é se as diretrizes que ele pretende anunciar em breve vão exigir que se tenha esse tal “conhecimento” real sobre a curva de contágio no país antes que se possa tirar a reabertura do papel. Ou se, ao contrário, estados e cidades deverão tomar essa decisão a partir dos seus precários registros (como alguns já vêm fazendo). Além do mais, não deixa de ser estarrecedor que a energia do Ministério da Saúde esteja sendo dispendida nesse tipo planejamento enquanto as mortes no país seguem numa escalada monumental.

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