Ministério da Saúde finalmente lembra que favelas existem

Mais de três meses após chegada do coronavírus no país, portaria cria centros comunitários de referência — mas há problemas

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O novo coronavírus só foi confirmado no Brasil no fim de fevereiro, quando há quase dois meses já se sabia do estrago que ele era capaz de provocar. Era de se esperar que as consequências fossem muito mais graves nas favelas, onde já costumam ser piores as condições de propagação de vírus respiratórios em geral. Mas só ontem o Ministério da Saúde publicou uma portaria criando centros comunitários de referência nessas comunidades para a identificação precoce de casos, acompanhamento e encaminhamento de pacientes graves.

Segundo o documento, a decisão de criá-los fica a cargo dos municípios, e uma verba de R$ 60 mil a R$ 80 mil por mês vai ser repassada pela União. Cada centro precisa funcionar por, no mínimo, 40 horas por semana e ter médico, enfermeiro e técnico de enfermagem.

Tem pelo menos um problema, além do atraso. A identificação de casos precoces, especialmente em lugares com muita densidade populacional, é importantíssima para conseguir impedir a transmissão, mas a portaria não fala nada sobre o que fazer com os pacientes confirmados em termos de um isolamento eficaz. Fala, sim, em orientar a população em geral “sobre medidas a serem adotadas durante o isolamento domiciliar” e contribuir para monitorar o isolamento de quem faz parte dos grupos de risco, o que é particularmente difícil em casas onde moram muitas pessoas e onde tem muito trabalho informal. Ou seja, embora possa ser importante para diminuir a subnotificação, acompanhar os casos leves e encaminhá-los tão logo comecem a se agravar, não parece que o documento possa ajudar muito a evitar que o vírus continue se propagando nas favelas.

Outra portaria, também de ontem, institui centros de atendimento de casos de covid-19, estes sim com salas de isolamento. Não são específicos para favelas, mas estruturas para atender casos suspeitos em qualquer município. Além do espaço para isolamento, devem ter sala de coleta, acolhimento e consultório, mas a portaria não traz nenhum detalhe sobre a capacidade deles, por exemplo. O valor mensal vai de R$ 60 mil a R$ 100 mil, também conforme o tamanho da população atendida. As duas portarias foram propostas pelo Conasems, o conselho que reúne secretários municipais de saúde. O secretário-executivo, Mário Junqueira, disse à Folha que vão servir para custear estruturas que já foram montadas por algumas cidades por conta própria, e para permitir sua criação onde elas não existem.

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