Favelas: o governo vai da negligência ao escárnio

Agora que a pandemia se alastrou, governo oferece verba ridícula para… preveni-la! Leia também: novos dados confirmam: reabrir as cidades é insano; e o que mostram os testes sobre vacinas e novos medicamentos contra a doença

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ESQUECIDAS ATÉ AGORA

O novo coronavírus só foi confirmado no Brasil no fim de fevereiro, quando há quase dois meses já se sabia do estrago que ele era capaz de provocar. Era de se esperar que as consequências fossem muito mais graves nas favelas, onde já costumam ser piores as condições de propagação de vírus respiratórios em geral. Mas só ontem o Ministério da Saúde publicou uma portaria criando centros comunitários de referência nessas comunidades para a identificação precoce de casos, acompanhamento e encaminhamento de pacientes graves.

Segundo o documento, a decisão de criá-los fica a cargo dos municípios, e uma verba de R$ 60 mil a R$ 80 mil por mês vai ser repassada pela União. Cada centro precisa funcionar por, no mínimo, 40 horas por semana e ter médico, enfermeiro e técnico de enfermagem.

Tem pelo menos um problema, além do atraso. A identificação de casos precoces, especialmente em lugares com muita densidade populacional, é importantíssima para conseguir impedir a transmissão, mas a portaria não fala nada sobre o que fazer com os pacientes confirmados em termos de um isolamento eficaz. Fala, sim, em orientar a população em geral “sobre medidas a serem adotadas durante o isolamento domiciliar” e contribuir para monitorar o isolamento de quem faz parte dos grupos de risco, o que é particularmente difícil em casas onde moram muitas pessoas e onde tem muito trabalho informal. Ou seja, embora possa ser importante para diminuir a subnotificação, acompanhar os casos leves e encaminhá-los tão logo comecem a se agravar, não parece que o documento possa ajudar muito a evitar que o vírus continue se propagando nas favelas.

Outra portaria, também de ontem, institui centros de atendimento de casos de covid-19, estes sim com salas de isolamento. Não são específicos para favelas, mas estruturas para atender casos suspeitos em qualquer município. Além do espaço para isolamento, devem ter sala de coleta, acolhimento e consultório, mas a portaria não traz nenhum detalhe sobre a capacidade deles, por exemplo. O valor mensal vai de R$ 60 mil a R$ 100 mil, também conforme o tamanho da população atendida. As duas portarias foram propostas pelo Conasems, o conselho que reúne secretários municipais de saúde. O secretário-executivo, Mário Junqueira, disse à Folha que vão servir para custear estruturas que já foram montadas por algumas cidades por conta própria, e para permitir sua criação onde elas não existem.

NOTAS SOBRE A DESIGUALDADE

Em 24 horas, o país confirmou 12.247 novos casos. O total é de 526.447 – desses, 285.430 estão em acompanhamento. Foram 623 novas mortes confirmadas, num total de 29.937. E há muitas mais em investigação: esse número era de 4.412 ontem. 

Um estudo da Fiocruz concluiu que Manaus é a capital brasileira onde, de longe, a explosão dos óbitos foi pior. Pegando as “semanas epidemiológicas”, os pesquisadores identificaram no intervalo entre 19 a 25 de abril um aumento de 350% em relação ao ano passado, com 972 contra 215 mortes. Só de mortes que aconteceram na rua, provavelmente de pessoas que não chegaram a dar entrada em hospitais, foram registradas 268 nessa semana, contra 33 no ano passado. Em São Paulo, nesse período, o aumento ficou em 28%, com 2.077 mortes contra 1.622 registradas em 2019. “Manaus poderia ter perdido um número infinitamente menor de vidas se tivesse estrutura laboratorial e hospitalar ao menos parecida com a de outras capitais”, afirmou Jesem Orellana para a coluna de Monica Bergamo, alertando para as desigualdades regionais. 

Outro exemplo que chama atenção foi dado pelo site da revista Piauí, que constatou que, para um paulistano, o risco de morrer de covid é o mesmo que o de ter passado 28 dias na Guerra do Afeganistão em 2010. Mas para um morador de Pari, distrito da região central da cidade, o risco de morrer pela infecção supera e muito essa média já ruim: é o mesmo que corriam os pilotos da Força Aérea Real britânica em uma missão de bombardeio de 16 minutos durante a 2ª Guerra Mundial. 

E a extrema pobreza brasileira também dá a  tônica da interiorização da epidemia. Pequenos municípios do Norte e Nordeste estão registrando os primeiros casos da doença. O coronavírus é levado por migrantes que retornam à terra natal por causa das dificuldades da quarentena nas capitais. Em Cruz, no Ceará, chegaram cerca de 300 pessoas nos últimos meses. A cidade confirmou 77 casos da covid-19. Em Ribeira do Amparo, na Bahia, uma jovem chegou de São Paulo – de onde os migrantes mais fogem – e se tornou o primeiro caso confirmado da cidadezinha. O transporte acontece de forma ilegal, com ônibus e vans dispostos a burlar as restrições ao transporte interestadual e com tarifas mais baratas. A estimativa da Agência Nacional de Transportes Terrestres é que entre abril e maio, esse sistema tenha servido 4,5 mil pessoas. Foram autuados 300 veículos. 

EXPECTATIVA RUIM

“Não acredito que tenhamos atingido o pico”. A frase é de Michael Ryan, diretor do programa de emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS), e se refere às situações da pandemia em diversos países nas Américas. Entre eles, é claro, o Brasil – país que lidera há dias em número de casos registrados, junto com Colômbia e Peru.

Quem tem no dia a dia dos serviços de saúde seu termômetro tem avaliação parecida. Para 84,5% dos médicos brasileiros, o país ainda não passou pelo pior momento da epidemia de covid-19. “Vai piorar e muito. Tivemos mais de mil mortos por dia, um desfecho que não permite dúvida sobre a gravidade. Em São Paulo, de uma semana para outra, está aumentando em uma centena o número de óbitos. Vários equipamentos de saúde já estão no limite”, enumera José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina. A entidade divulgou ontem a segunda pesquisa de opinião desde que o coronavírus chegou por aqui, com 2.808 profissionais de todo o país entrevistados entre os dias 15 e 25 de maio. Da primeira pesquisa, feita entre 9 e 17 de abril, até agora a falta de estrutura e insumos das unidades não teve progresso, segundo os médicos – e 79% estão apreensivos, pessimistas, deprimidos, insatisfeitos ou revoltados com a situação. 

REABERTURAS

Enquanto isso, num Brasil onde a quantidade de casos e mortes é crescente, a reabertura econômica do comércio já acontece em várias cidades. Ontem, Manaus levantou as restrições para diversos tipos de atividades, desde atendimento médico presencial a joalherias. E outras, como lojas de telefone e informática, previstas no plano para retomar só mais tarde, abriram mesmo assim. No centro, mesmo com chuva, a movimentação de pessoas foi considerada razoável pelos lojistas. “Acredito que se o movimento continuar bombando, a gente consegue se recuperar em três meses“, disse o dono de uma loja de roupas ao Estadão. A secretaria estadual de Segurança Pública jura que está fiscalizando… Na semana passada, os casos da vocid-19 no Amazonas saltaram de 30,2 mil para 41 mil. A reabertura é criticada pelo prefeito da capital, Arthur Virgílio.  

Ontem, alguns setores do comércio e serviços voltaram a funcionar também no Ceará. Nas contas do governo, essa semana retornam ao trabalho 67 mil pessoas; 44 mil só em Fortaleza. Houve congestionamento no trânsito da capital e flagrantes de gente andando sem máscaras pelas ruas. 

Em São Paulo, o plano apresentado pelo governo estadual também entrou em vigor ontem. Na capital paulista, epicentro da doença no Brasil, as atividades liberadas ainda estão sendo analisadas. Caberá à vigilância sanitária dar o aval, de acordo com documentação apresentada pelos setores econômicos. Mas no interior do estado, em cidades como Ribeirão Preto, Bauru e Presidente Prudente, foram registradas aglomerações em ruas e centros comerciais. “Se continuar como estava hoje, todo mundo na rua, vamos ter de regredir se tiver um aumento muito grande dos casos por desrespeito”, disse o prefeito de Ribeirão, Duarte Nogueira (PSDB).

Na cidade do Rio, o plano de retomada com seis fases foi apresentado ontem e já começa a valer hoje, quando lojas de decoração e hotéis poderão reabrir. Tanto a UFRJ quanto a Fiocruz criticam a flexibilização. Para a Universidade, a capital fluminense tinha que seguir o caminho contrário e adotar um bloqueio total de circulação, já que o indicador de contágio ainda está maior do que 2 e a propagação da doença segue em “larga escala”. 

A fiscalização é um problema na cidade, como ilustra um caso bem chocante que aconteceu no Grajaú, bairro da zona Norte. No sábado, uma médica foi agredida por pessoas que estavam em uma festa clandestina. Segundo o relato, o evento acontecia há semanas em uma casa, sem que as autoridades intervissem, apesar das denúncias. As imagens de câmeras na rua mostram Ticyana D´Azambuja sendo literalmente carregada de ponta cabeça por um agressor, enquanto outras pessoas batem nela. A violência começou porque ela, irritada com o som alto e a multidão, quebrou o espelho de um veículo em frente à festa. A Polícia Civil já confirmou que o carro danificado pertence a um policial militar. Segundo o relato da médica, o PM estava na festa e lhe pediu R$ 6,8 mil para que “tudo ficasse por aquilo mesmo”.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve um aumento de 22,2% nos casos de feminicídio registrados no Brasil em março e abril em comparação com esse mesmo bimestre do ano passado. O número foi de 117 para 143. O levantamento só abarcou 12 estados, pois se baseou nas denúncias que chegam ao número 180. 

EM FASE DE TESTES

A vacina contra covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford – que tem sido considerada uma das mais promissoras – entra esta semana em fase 3 de testes clínicos. Nessa etapa vão ser vacinadas dez mil pessoas no Reino Unido para ver a eficácia do produto, e mesmo antes dos resultados ele já começou a ser produzido em larga escala. O Estadão conversou com a imunologista Daniela Ferreira, brasileira que está à frente da testagem na Escola de Medicina Tropical de Liverpool, que é um dos 18 centros de pesquisa recrutados por Oxford para acelerar o processo. “O que eu posso dizer é que dentro de dois a seis meses teremos os dados para dizer se a vacina protege ou não”, diz ela.

Apesar de toda uma discussão sobre  a ideia de fazer testes ‘com desafio humano’ no caso da covid-19 (ou seja, administrar candidatas à vacina e, em seguida, expor as pessoas de propósito ao vírus), o imunizante de Oxford vai ser testado do jeito convencional: metade dos participantes vão receber a dose, outra metade vai receber placebo, em seguida todo mundo volta à vida normal. Tempos depois, os pesquisadores comparam o número de infecções nos dois grupos.

Ironicamente, pode ficar mais difícil conduzir os testes conforme as medidas de isolamento vão dando certo e as pessoas diminuem suas chances de contágio. Ferreira conta que, mesmo que o Reino Unido esteja saindo do lockdown, isso pode afetar a pesquisa. Por isso, vão ser priorizados profissionais de saúde, que têm mais chances de se contaminar.

Esse ‘problema’, aliás, está na mira de outros grupos que desenvolvem vacinas na Europa. Com os casos em queda por lá, talvez eles saiam em busca de voluntários na América e na África, diz o Globo.

Em relação a tratamentos, estão começando as testagens do primeiro remédio desenvolvido especificamente contra a covid-19. Trata-se de um anticorpo desenvolvido pela gigante farmacêutica Ely Lilly, mas por enquanto os ensaios vão testar só a segurança, avaliando os efeitos colaterais em 32 pessoas. Em breve, duas outras drogas do mesmo tipo (uma da Regeneron, outra de uma parceria entre Vir Biotechnology e GlaxoSmithKline) entram em fase de testes também. Os tratamentos com anticorpos têm despertado algum entusiasmo.

E a Gilead, farmacêutica que produz o remdesivir, anunciou que suas pesquisas indicam bons resultados para pacientes com sintomas ‘moderados‘, que estavam internados mas sem precisar de ventilação mecânica. Para pacientes graves, um estudo conduzido pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA mostrou redução no tempo de internação após o uso. A empresa, porém, divulgou a nova informação sem os dados completos que a embasam, o que é um problema. Além disso, não foi feito um estudo controlado, com um grupo que recebesse placebo.

A propósito, a OMS vai decidir hoje se mantém suspensos os seus testes com hidroxicloroquina. Aqui no Brasil, a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP) protocolou uma ação na Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, pela orientação em relação ao uso precoce. De acordo com a parlamentar, houve crime de responsabilidade pela pasta “divulgar extraoficialmente orientações de enorme impacto à saúde das pessoas sem obedecer aos procedimentos legais de controle e segurança”.

O QUE AJUDA

Um grupo internacional de pesquisadores analisou mais de 200 estudos observacionais em 16 países sobre o uso de medidas não farmacológicas na proteção contra covid-19, SARS e MERS: distanciamento social, máscaras e proteção aos olhos. Concluíram não só que tudo isso ajuda a reduzir as transmissões como também mediram o tamanho dessa redução. Entre todas, a medida que mais funciona sozinha é o distanciamento social. Com mais de um metro de distância, o risco de contaminação cai de 12,8% para 2,6%, e pode até cair pela metade a cada metro extra, até chegar a três metros de distância. O uso de máscaras isoladamente faz esse risco cair de 17,4% para 3,1%; mas a recomendação para uso de máscaras de pano é que tenham múltiplas camadas – entre 12 e 16, um número que nos chamou a atenção. A proteção para os olhos (com viseiras ou óculos) leva a uma redução das contaminações de 16% para 5,5%.

O trabalho foi publicado na revista The Lancet, mas uma limitação é que as pesquisas analisadas não eram ensaios clínicos, mas observacionais. Os autores apontam a necessidade de ter estudos robustos que possam estabelecer com maior exatidão quais são as melhores medidas possíveis.

Aliás, não é só sobre prevenção que se sabe pouco. Uma reportagem especial do El País fala justamente do quanto o novo coronavírus e a covid-19 ainda são desconhecidos, seis meses depois da sua descoberta. A doença, que no início parecia uma gripe, acabou revelando as mais diversas possibilidades de sintomas, e não apenas os respiratórios. O papel de hipertensão, diabetes e obesidade no agravamento já foi observado, mas ainda não completamente compreendido. E alguns dos estudos mais fascinantes são os que tentam entender como a resposta imunológica afeta o curso da doença. Se antes se achava que só pacientes com o sistema imune mais frágil desenvolviam as formas graves, agora se pesquisa como respostas imunológicas fortes demais podem acabar danificando os órgãos que tentam proteger. 

LIBEROU MAS NÃO USOU

A partir dos dados do Ministério da Economia, de garimpos nas medidas provisórias editadas até agora e de entrevistas com ministros, o Estadão calculou quanto dinheiro o governo brasileiro de fato já gastou na pandemia. Nos últimos meses, foi aprovado o gasto de R$ 334,4 bilhões, ou o equivalente a 4,7% do PIB, incluindo o socorro de R$ 60 bilhões aos estados e municípios. Mas só 16,3% desse total foram liberados para gastos em ações sanitárias até agora: R$ 54,5 bilhões, contando os R$ 10 bilhões do auxílio aos entes federativos e mais R$ 5,6 bilhões dos quais o governo abdicou com desonerações tributárias de medicamentos e produtos médicos. E, num afunilamento ainda maior, só  R$ 11,9 bilhões foram empenhados até o momento e apenas R$ 9,1 bilhões (18,6%) foram despesas efetivamente pagas pela administração. 

QUEM QUER DINHEIRO?

O governo Bolsonaro bateu em abril o recorde mensal de liberação de emendas parlamentares desde 2016, quando esse monitoramento começou a ser feito. Foram R$ 6,2 bilhões empenhados e R$ 4 bilhões pagos. As emendas têm sido largamente utilizadas pelo governo para barganhar votos. Houve uma enxurrada delas na época da reforma da Previdência. Agora, é claro, há a necessidade de barrar um impeachment. Em abril, os maiores pagamentos foram para deputados do Centrão.

E mais um cargo foi para esse grupo ontem. O chefe do gabinete do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), Marcelo Lopes da Ponte, foi nomeado presidente do FNDE, que tem um orçamento de R$ 54 bilhões neste ano.

A estratégia oferece alguma blindagem contra processos de impeachment, mas ao mesmo tempo é mal vista pela população. Segundo o Datafolha, 67% dos brasileiros são contra essa negociação descarada com o Centrão. Entre os eleitores de Bolsonaro, 52% acham que o presidente age mal.

Aliás, a Agência Pública reuniu em uma página informações sobre 30 pedidos de impeachment de Bolsonaro que se acumulam na mesa de Rodrigo Maia, assinados por mais de 500 pessoas e organizações. Em entrevista ao UOL, o presidente da Câmara disse que esse não é o momento adequado para pautar nenhum deles.

O ANDAR DA CRISE POLÍTICA

Na mesma conversa com o UOL, Rodrigo Maia criticou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, por sobrevoar com Jair Bolsonaro a manifestação contra o STF e o Congresso que era feita em frente ao Palácio do Planalto. “Acho que o ministro da Defesa, com todo respeito e admiração, andar no helicóptero com o presidente da República, para olhar uma manifestação contra o Supremo Tribunal Federal, não é uma sinalização positiva. Isso vai gerando consequências. Consequências porque a gente sabe que a grande maioria da população discorda, diverge, não aceita que o processo democrático seja desrespeitado”, disse.

Azevedo, por sua vez, tentou se justificar. De acordo com ele, estava apenas checando as condições de segurança… apesar de o responsável por isso ser o Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo general Augusto Heleno.

Apesar dos esforçosdo Ministério Público, a Justiça do Distrito Federal negou pedidos para que o acampamento dos “300 do Brasil” seja desmontado e que os integrantes sejam revistados – o que seria bom, já que a líder Sara Winter já afirmou que há pessoas armadas. A decisão foi assinada no domingo, depois que o pequeno grupo marchou com tochas e máscaras em frente ao STF.

Enquanto isso, o ministro do STF Celso de Mello rejeitou o pedido dos partidos PTB, PSB e PV para apreender o celular de Bolsonaro. Ele concordou com o argumento do procurador-geral da República, Augusto Aras, de que caberia ao Ministério Público fazer esse pedido, e não a partidos. Mas afirmou que, se o presidente descumprisse ordem judicial (“Tá na cara que eu jamais entregaria meu celular. A troco de quê?”, afirmou Bolsonaro na semana passada), isso seria crime de responsabilidade.

Mas, com ou sem apreensão de celular, ontem o Brasil pôde ver por algum tempo a divulgação de supostos dados pessoais do presidente, de seus filhos Carlos, Eduardo e Flávio, e ainda de ministros e aliados como Abraham Weintraub, Damares Alves e Luciano Hang. Quem colocou no ar foram hackers do grupo Anonymous Brasil, no Twitter, mas a página caiu logo depois. Havia dados como CPF, RG, telefones, endereços, contas de e-mail, propriedades, empresas e informações de parentes. Se é tudo verdade, não se sabe. Mas o deputado estadual de SP, Douglas Garcia (PSL), que teve seus dados vazados, confirmou. Disse que ia até abrir um boletim de ocorrência. Sara Winter também.

Em tempo: o presidente do STF, Dias Toffoli, marcou para o próximo dia 10 o julgamento sobre a continuidade ou não das apurações do inquérito das fake news.

MANIFESTAÇÕES

As torcidas organizadas pretendem fazer novas manifestações a favor da democracia, contra o fascismo e Jair Bolsonaro no próximo fim de semana. Os organizadores não querem divulgar detalhes, mas os atos podem se multiplicar para além das 14 cidades em que foram registrados no último domingo.

Ontem, aconteceu uma manifestação antifascista em Curitiba. Como em São Paulo, também houve repressão da Polícia Militar, com uso de bombas de gás lacrimogêneo. A justificativa da PM é, como sempre, vandalismo. Segundo o Estadão, imagens de câmeras mostram pessoas colocando fogo em uma bandeira do Brasil que teria sido retirada do Palácio Iguaçu, sede do governo do Paraná. 

Na PiauíRenato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Glauco Carvalho refletem sobre o papel das PMs na sustentação do governo federal – e numa possível escalada autoritária promovida pelo presidente. Segundo eles, apesar dos acordos com o Centrão e a saída de Sergio Moro terem prejudicado a imagem de Bolsonaro frente ao segmento dos oficiais (tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis), o segmento dos praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) permanece “quase que monoliticamente atado ao bolsonarismo”. E esses policiais podem vir a se insubordinar contra governos estaduais e fortalecer o governo federal protagonizando os próximos passos da crise política.  

Em outro artigo, publicado também na Piauí, Lima ilustra a reflexão sobre as PMs diante da atuação das polícias na repressão às manifestações de domingo em São Paulo e no Rio. As cenas de simpatia ao bolsonarismo, como a do PM que escoltou uma mulher que portava um taco de beisebol abraçado a ela servem de alerta: “A filmagem mostra que a manifestante estava visivelmente alterada. Mesmo assim, o policial militar não só não apreendeu o taco de beisebol que poderia ser usado como arma branca como, mais grave, deixou sua arma de fogo ao alcance da mão da manifestante, que poderia tê-la sacado e atirado no policial ou em quem estivesse ao redor. O policial assumiu um padrão de risco completamente diferente daquele recomendado. Fica a pergunta se fez isso por simpatia à causa defendida pela mulher.”

Ao mesmo tempo, cresce a adesão aos movimentos mais virtuais (pelo menos até agora) e suprapartidários que defendem a democracia. Em dois dias, o manifesto do “Estamos Juntos” já havia sido assinado por mais de 224 mil pessoas. Entre os novos endossos, está o de Luiz Henrique Mandetta. A iniciativa criou grupos de WhatsApp por cidades e bairros e, segundo os organizadores, engajou muitos desempregados, motoristas de Uber, bancários…

Já a hashtag “Somos 70 por cento”, criada pelo economista Eduardo Moreira em alusão à rejeição que o presidente tem da maioria da população brasileira, foi usada até pela Xuxa. E o manifesto “Basta!”, organizado por ex-ministros do STF e juízes, já angariou mais de 25 mil adesões desde o sábado. 

O ex-presidente Lula, contudo, tem críticas às iniciativas, que na sua interpretação têm “pouca coisa de interessa da classe trabalhadora”, não falam nos direitos sociais perdidos e são subscritos por pessoas que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff. “Sinceramente, eu não tenho mais idade para ser maria vai com as outras. O PT já tem história neste país, já tem administração exemplar neste país. Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas“, afirmou.

Ontem, a oposição no Congresso –  que não se reunia há meses por conta do racha entre PT e PDT – teve sua segunda reunião. Essa articulação também visa promover atos contra o governo. Amanhã, acontece o primeiro, na Associação Brasileira de Imprensa.

REPOSIÇÃO

Ontem, o MEC finalmente homologou as diretrizes do Conselho Nacional de Educação para a reorganização do ensino por causa da pandemia. Demorou um mês. O documento não fala sobre datas de retomada, mas sobre parâmetros de reposição da carga horária ao fim do isolamento social. Indica, por exemplo, a utilização do período de férias, dos sábados e a ampliação da jornada escolar diária como soluções de reposição. Ao mesmo tempo, recomenda que as instituições busquem alternativas que minimizem a necessidade dessa reposição, como a inclusão de atividades não presenciais como parte da carga horária. O documento prevê que os impactos da suspensão das aulas podem perdurar até 2022. 

Ontem, a Inglaterra começou a retomada das aulas no ensino básico. A decisão não foi seguida pelos governos autônomos de Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte e é considerada precipitada por entidades inglesas, como o Sindicato Nacional de Educação e a Associação de Diretores de Escolas. As críticas vão desde falta de evidências científicas sobre a pertinência da reabertura neste momento até problemas logísticos, como as dificuldades de reorganização e vigilância para que as crianças se mantenham a dois metros de distância umas das outras.

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