Javier Milei contra a saúde e a ciência

• Argentina: candidato reacionário quer acabar com ciência e saúde • A fuga de cientistas na guerra • Mais vacinas desperdiçadas • Imunoglobulina fora das normas • Acordo entre farmacêuticas e sistemas de saúde? • Câncer de mama em jovens •

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O candidato ultraliberal que ficou em segundo lugar no primeiro turno das eleições argentinas, Javier Milei, entre tantas propostas radicais de sua campanha, fala em fechar o ministério da Saúde do país. Também prometeu fechar a principal agência científica do país, o Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica (Conicet), que fornece financiamento para cerca de 12 mil pesquisadores em 300 instituições em toda a Argentina. As propostas corroboram os valores hiperindividualistas que defende Milei, inclusive a visão de que a saúde é responsabilidade particular de cada cidadão, e não uma condição produzida pelo meio social onde se vive, conforme a teoria sanitarista básica. Se eleito, Milei fundiria a Saúde com Educação e Desenvolvimento Social no que viria a ser o ministério do “Capital Humano”. Evidentemente, suas atribuições e orçamento passariam pelo facão das ideias de “austeridade” fiscal e Estado mínimo, com a previsível precarização de seu pessoal. Restaria saber como manter níveis satisfatórios de manutenção de instalações como hospitais e consultórios, campanhas de vacinação, políticas de atenção básica, controle de qualidade de insumos variados ou monitoramento de vírus e outros agentes orgânicos potencialmente lesivos à saúde coletiva. Talvez esta história seja um demonstrativo interessante de uma sociedade de “autogestão” de tipo “anarcocapitalista”, como se reivindica Milei.

Israel-Palestina: prejuízos da guerra na comunidade científica

Uma matéria da revista Science mostra facetas menos visíveis da guerra que Israel faz contra o povo palestino, em sua nova etapa de limpeza étnica iniciada após o ataque do Hamas em 7 de outubro. Trata-se da evasão de centenas de estudantes e pesquisadores de universidades e seus laboratórios por medo dos conflitos, em especial estrangeiros. Só em relação à Universidade Ben Gurion de Negev, 242 estudantes de pós-graduação decidiram sair de Israel após a eclosão do confronto. A Comissão Europeia até tomou a decisão de estender prazos de permanência para bolsistas em Israel, mas o medo da guerra fala mais alto para muitos. No lado palestino, a situação é ainda mais calamitosa e tudo se encontra parado, dado que, apesar da propaganda oficial, todos os tipos de prédios e instalações são alvos do poderoso exército israelense. “A prioridade não é a ciência, é ficar vivo”, disse Marwan Awartani, presidente da Academia Palestina de Ciência e Tecnologia da Cisjordânia.

Mais R$ 1,2 bi na conta do negacionismo

Acórdão do TCU publicado no dia 19/10 dá conta de que o desperdício de 23 milhões de doses de vacinas que não chegaram a ser aplicadas totalizam um prejuízo de R$ 1,2 bilhão. Trata-se de vacinas que ficaram presas em estoques e acabaram descartadas após perder validade. Apesar de destacar que as perdas podem ser decorrentes de armazenamento inadequado ou sobra de lotes que chegaram a ser abertos, mas não totalmente utilizados, é evidente que a propaganda antivacinas do governo Bolsonaro é grande responsável. Dessa forma, vacinas disponíveis ficaram paradas nas unidades de saúde, uma vez que o público perdeu interesse em se imunizar. Caso emblemático é o esquecimento de 2,2 milhões de doses num almoxarifado do Ministério da Saúde em Guarulhos. O TCU deu 15 dias para o Ministério apresentar números sobre a distribuição de imunizantes para estados e municípios dos anos de 2022, 2023 e 2024, além de um plano de ação para evitar a repetição de prejuízos. Talvez, baste retomar o Programa Nacional de Imunizações nos moldes historicamente realizados pelo Estado brasileiro. Encaminhar os indiciamentos do relatório final da CPI da Pandemia e processar os envolvidos no que muitos chamam de genocídio também pode ser uma boa política de conscientização.

Mais evidências da importância da Hemobrás

No final da semana passada, chegou à mídia a notícia de que a Anvisa mandou destruir um lote de imunoglobulina, medicamento derivado do sangue usado para tratamentos variados, como doenças do sangue, HIV ou mesmo infecções virais e bacterianas. Avaliado em R$ 30 milhões, o lote faz parte de um contrato de R$ 370 milhões assinado pelo ministério com a empresa Prime Pharma LLC, dos Emirados Árabes, que visa suprir as necessidades do país em hemoderivados e também insulina, itens que andaram à beira da escassez nos últimos anos. A empresa contesta e recorre da decisão, enquanto a Anvisa alega que não recebeu certificados de manutenção do produto em temperaturas corretas durante todo o seu transporte. De toda forma, o episódio, e os custos dessas compras, evidenciam a importância da retomada da Hemobrás e da capacidade de o Brasil produzir derivados do sangue, além de fracionar o plasma humano, em seu próprio território.

Medicamentos: riscos e interesses cruzados

Uma nova ideia para tentar reduzir custos para os sistemas de saúde sem tocar na lógica mercantil da indústria farmacêutica é o chamado Acordo de Compartilhamento de Riscos (ACR). Grosso modo, seria uma espécie de consignação entre fornecedores de determinados remédios, geralmente caros, e provedores de serviços de saúde, sejam públicos ou privados. Terapias onerosas ou recentes, sem eficácia devidamente comprovada, poderiam ser oferecidas dentro de um acordo em que as farmacêuticas fossem pagas conforme com o sucesso do tratamento ou da quantidade de fármacos demandada. No SUS, a adoção de tal modelo ainda se encontra em fase primária e tem como teste o zolgensma, remédio da Novartis que promete curar a atrofia muscular espinal e é tido como o mais caro do mundo. No sistema privado, dois medicamentos para câncer têm sido utilizados em ACR. De toda forma, tanto no setor público como privado observa-se com desconfiança a adoção indiscriminada do método, além de haver uma intrincada burocracia para fazer o produto chegar aos pacientes necessitados. O problema dos medicamentos caros para sistemas de saúde foi tratado por Reinaldo Guimarães em artigo recente para o Outra Saúde.

O que está por trás do aumento do câncer de mama em jovens?

Jornal Hoje produziu uma reportagem a partir de dados levantados pelo Instituto do Câncer de São Paulo, que afirma haver um desproporcional aumento de casos de câncer de mama em mulheres com menos de 40 anos. Elas seriam 15% dos casos, e uma parcela significativa em estádio avançado, dos diagnósticos, ao passo que nos EUA o número não passa de 5%. O Ministério da Saúde estima 73 mil novos casos para 2023. Apesar das recomendações de exames constantes e acompanhamento médico, resta buscar as causas do fenômeno. Uma hipótese plausível é que com o processo de empobrecimento vivido no país nos últimos anos, com altos níveis de desemprego e precarização do trabalho, o autocuidado tenha diminuído entre as mulheres, em especial pobres, mais penalizadas em situações sociais deste tipo. No entanto, caberia indagar se fatores como o nível absurdo de agrotóxicos utilizados na agricultura do país e aumento do consumo de alimentos ultraprocessados concorreriam para o adoecimento de tais mulheres.

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