Boletim do MS acompanhará saúde da população negra

• Saúde negra é centro de novas políticas interministeriais lançadas em evento no dia de ontem: indicadores de saúde; sistematização de dados; saúde materna; centros de parto normal; HIV/aids •

Foto: Forward Times
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O ministério da Saúde lançou nesta segunda o Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra, no qual se analisam diversos indicadores de saúde desta parcela que totaliza quase 60% dos brasileiros. No evento de lançamento, Nísia Trindade anunciou que as notificações de doença falciforme (uma deficiência genética que afeta a produção de hemoglobina) passarão a ser obrigatórias no sistema público de vigilância sanitária e destacou a necessidade de se estabelecerem políticas de combate aos determinantes sociais em saúde, isto é, as condições materiais e objetivas diretamente relacionadas ao processo de adoecimento e cuidados em saúde de forma geral.

“Essa pauta deve ser uma perspectiva e não um tema isolado, para que em todas as ações do Ministério da Saúde, do Mais Médicos ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde, a dimensão étnico-racial seja, de fato, vista como determinante social da saúde. Estamos retomando essa agenda com aprendizado. Aprendizado, muitas vezes duro, como foi a pandemia, como foi o governo passado. Aprendizado porque a sociedade brasileira elegeu o presidente Lula, senão essa agenda de hoje seria impossível. Nossa ideia é avançar e não podemos olhar somente do ponto de vista do senso comum – aquelas doenças com incidências com especificidade maior, como o caso da anemia falciforme, – mas é olhar este quesito raça, cor, etnia, em toda as políticas, em todos os dados da saúde, como demonstra o boletim”, explicou Nísia.

Boletim volta a sistematizar dados por raça-cor

Uma faceta perversa do desmonte do sistema público de saúde organizado nos anos de Michel Temer e Bolsonaro foi a desobrigação de se notificarem casos de doença com a discriminação étnico-racial, essencial para a compreensão de tendências do processo saúde-doença da população. Agora, tal item volta a ser parte da compilação de dados que fazem parte dos prontuários. “Estratificados pela variável raça/cor, todos os índices analisados de 2010 a 2020 são piores para as pessoas negras. São mais elevados os óbitos, as taxas de mortalidade materna e infantil, a prevalência de doenças crônicas e infecciosas e os índices de violência”, escreveu Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial (MIR), no prefácio do boletim.

Quanto ao documento, traz importantes dados a respeito da saúde materna, com comparativos de cor e raça que também em relação à vacinação e mortes, e evidenciam as consequências práticas da crise econômica, desemprego e empobrecimento dos últimos anos. Número de consultas de pré-natal, mortes maternas, mortes por covid, maiores índices de nascidos com menos de 2,5kg, dentre outros fatores, são indicadores onde a população preta aparece sempre em situação pior que os demais grupos.

Quase 70% das gestantes com HIV são negras

O Boletim também apresentou dados que mostram aumento de infecções de doenças como HIV/aids, sífilis e tuberculose, que voltaram a crescer na população em geral, porém, em proporção maior entre negros e pardos. Dessa forma, foi anunciado um investimento de R$ 27 milhões de reais em testes rápidos de HIV/aids, a fim de estimular o exame e a detecção mais rápida da doença, o que aumenta as chances de sucesso do tratamento. A descoberta precoce também pode evitar a transmissão vertical, isto é, de gestante para bebê (se tratada adequadamente, essa forma de transmissão tem 98% de chances de ser evitada).

A ideia também passa por mais exames de HIV/aids para tuberculosos, uma vez que tal doença respiratória é comum em soropositivos. Vale lembrar ainda que o SUS acabou de adotar o pretomanida em sua oferta de medicamentos, que reduz em dois terços o tempo de tratamento da tuberculose. “Algumas políticas já estão em andamento, outras em recuperação. A saúde da população negra é uma prioridade do governo federal, que compreende os determinantes sociais que causam muitos obstáculos de acesso à saúde desta população”, disse Ethel Maciel, secretária de vigilância e ambiente e saúde.

Ministérios anuncia maternidades e centros de parto normal

Ainda no mesmo evento, o ministério anunciou que investirá cerca de R$ 3,84 bilhões de reais na construção de 30 maternidades e R$ 90 milhões em centros de partos normais, uma política que visa diminuir o altíssimo número de cesáreas, uma singularidade brasileira. Trata-se de obras diretamente vinculadas ao Novo PAC, que espera atingir R$ 42 bilhões em investimentos, tanto públicos como privados.

“Nós estamos aqui vivendo esse momento histórico, porque está nas nossas mãos a oportunidade de transformação das condições de saúde da população negra, fortalecendo o cumprimento da Agenda 2030, em busca da efetiva implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável dedicados ao enfrentamento do racismo e pela promoção da igualdade racial em âmbito global. Estamos tratando sobre promover condições de vida saudáveis para todos”, disse Roberta Eugênia, secretária do MIR.

Saúde comandará trabalho com 9 ministérios

Como mencionado, o evento destacou a atuação interministerial com a finalidade de se alcançarem os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no âmbito da saúde, em esforço que se dará em torno do Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente, que reunirá nove pastas sob a coordenação da Saúde. Segundo a OMS, foram 59 mil mortes por determinantes sociais em saúde registradas no Brasil entre 2017 e 2021. “O plano de trabalho inicial inclui enfrentar 11 dessas enfermidades – como malária, esquistossomose, doença de Chagas e hepatites virais – além da transmissão vertical de sífilis, hepatite B, HIV e HTLV”, informa a pasta. O esforço reunirá, sob liderança da saúde, outros oito ministérios e funcionará até 2030, com objetivo de controlar 14 doenças de maior incidência nas populações e áreas mais vulneráveis.

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