Governo pretende vacinar metade da população em 2021 – no melhor dos casos

Plano do Ministério da Saúde, que ainda não está pronto, prevê imunização em quatro etapas

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O Ministério da Saúde divulgou ontem como espera que seja o plano de imunização contra covid-19 no Brasil. A ideia é que comece entre março e junho e seja feito em quatro etapas, terminando no fim de 2021. Na primeira, serão vacinados profissionais da saúde, idosos a partir de 75 anos, a população indígena e pessoas com mais de 60 anos que vivam em instituições de longa permanência. Isso dá 13 milhões de pessoas, ou 6% da população.

Em seguida, vêm todas as pessoas com entre 60 e 74 anos, começando pelos mais velhos – mais 22,1 milhão de brasileiros. Na terceira etapa estão incluídas pessoas com comorbidades que apresentam maior risco para a doença; segundo a Folha, não há estatísticas oficiais que permitam dimensionar a quantidade de pessoas nesse grupo. Na última etapa, serão beneficiados professores, forças de segurança e salvamento, funcionários do sistema prisional e a população carcerária. 

Segundo o governo, no fim do ano terão sido imunizadas 109,5 milhões de pessoas (ou 52% da população) em duas doses, usando, ao todo, cerca de 220 milhões de doses.

Vale lembrar que, atualmente, o Brasil tem acordos para obter cerca 142 milhões de doses, sendo 100 milhões de Oxford/AstraZeneca e outros 42 milhões das vacinas do Covax Facility. As 46 milhões de doses de CoronaVac negociadas pelo governo de São Paulo ainda não estão garantidas para distribuição nacional. E, se tudo der certo, a Fiocruz e o Instituto Butantan poderão produzir mais doses das vacinas de Oxford e da Sinovac.

O secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, disse que o plano final só vai ficar “definitivamente pronto, fechado”, quando pelo menos uma vacina estiver registrada na Anvisa. Já dissemos por aqui que faz sentido pensar os grupos prioritários de acordo com as características da vacina que se tem: em que faixas etárias ela é mais eficaz, se reduz somente o adoecimento ou também a capacidade de as pessoas transmitirem o vírus, etc. Mas aguardar a posição final da Anvisa para aprovar o plano pode acabar aumentando um desafio logístico que já é suficientemente grande. 

A pasta não definiu, por exemplo, quantos insumos (como seringas) e salas de vacinação serão necessárias, segundo a apuração d’O Globo. Em nota, o ministério disse que está “no processo” de compra de 340 milhões de seringas e agulhas e que um edital nesse sentido está para ser lançado. No Painel, da Folha, fabricantes dizem que a falta de encomendas do governo pode gerar atrasos nas campanhas de vacinação no ano que vem. Segundo a Abimo, associação de fabricantes de equipamentos médicos, o setor pode precisar de pelo menos quatro meses para atender grandes demandas

No mundo ideal

Arnaldo Medeiros também apresentou a visão do governo sobre como seria a vacina ideal. “O que nós queremos de uma vacina? Qual o perfil de uma vacina desejada? Claro, que ela confira proteção contra a doença grave e moderada, que ela tenha elevada eficácia, que ela tenha segurança, que ela seja capaz de fazer uma indução da memória imunológica, que ela tenha possibilidade de uso em diversas faixas etárias, e em grupos populacionais. E que idealmente ela seja feita de dose única, embora muitas vezes isso talvez não seja possível, só seja possível em mais de uma dose, mas fundamentalmente que ela seja termoestável por longos períodos, em temperaturas de dois a oito graus. Por quê? Porque a nossa rede de frios, nessas 34 mil salas, é montada e estabelecida com uma rede de frios de aproximadamente 2°C e 8°C”.

Sonhar não custa nada, só que a distância entre o ideal e o real pode ser gigantesca. Por enquanto, nenhuma das vacinas que apresentaram algum resultado de fase 3 consegue atender à lista de desejos do ministério. A de Oxford/AstraZeneca – única aposta do governo federal – atende à temperatura estabelecida, mas precisa ser administrada em duas doses. O mesmo vale para a Sputnik V. Já as da Pfizer e da Moderna precisam ficar em temperaturas de -70°C e -20°C, respectivamente (embora a da Moderna aguente um mês sob refrigeração comum). No Brasil, há testes de fase 3 com outras duas candidatas: a CoronaVac e a da Johnson & Johnson, que também são administradas em duas doses.

Mesmo concordando que implantar cadeias de frio para temperaturas tão baixas seja difícil, vários especialistas acreditam que isso não deveria ser uma barreira para garantir a imunização. A Folha discute algumas soluções possíveis para o Brasil. Segundo Márcia Barbosa, professora de Física da UFRGS e diretora da Academia Brasileira de Ciências, os cursos de física de universidades de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco possuem instalações com temperaturas abaixo dos -70ºC. “Mas são instalações grandes e fixas. Teríamos de adaptar a tecnologia para torná-la portátil e, a partir desses centro de pesquisa, poderíamos ampliar e distribuir”, diz ela.

O Conselho Nacionalde Climatização e Refrigeração também diz que dá para fazer adaptações. “O país conta hoje com a cadeia de produção dedicada ao armazenamento e distribuição de vacinas bastante robusta e que pode ser adaptada para a necessidade de qualquer empresa, a qualquer temperatura, inclusive a -70° C”, confirma o engenheiro Ariel Gandelman, membro do onselho.

Nós, por aqui, também acreditamos que com investimento e vontade política esse tipo de problema poderia ser contornado. O que nos parece menos factível é conseguir de fato comprar doses suficientes das vacinas da Pfizer e da Moderna, como comentamos ontem. Por ora, os brasileiros precisam se contentar em torcer para que o imunizante da AstraZeneca tenha uma eficácia razoável; que os erros no seu ensaio não atrasem muito a aprovação; e que a transferência de tecnologia para a Fiocruz corra de forma rápida, de modo que a produção nacional comece no prazo previsto.

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