Em meio a caos climático, dengue tende a piorar

• Dengue: as preocupações causadas pelo aumento das temperaturas; a vacina japonesa, contestada pelo governo; o imunizante do Butantan, quase pronto; as novas formas de combate • Fome e má alimentação na América Latina preocupa ONU •

.

Com o aumento da destruição ambiental, retrocesso em políticas de vigilância sanitária e aumento das médias de temperatura, foi-se o tempo em que a dengue era uma doença de verão. Agora, a infecção causada pelo mosquito Aedes aegypti tornou-se endêmica pelo país durante todo o ano. Em 2022, o Brasil viu o recorde de mortes por dengue, com mais de mil óbitos, cifra já atingida em 2023 também. Com a manutenção das tendências descritas no início, espera-se a continuidade de alto patamar de infecções e mortes para 2024. “Nós nunca tivemos tantos casos de dengue no período interepidêmico. O El Niño e o aumento da temperatura global vão impactar no vetor. Nós já vimos isso no inverno. O verão, o período epidêmico da doença, será bastante complicado. Poderemos ter um maior número de casos e óbitos do que tivemos no ano passado”, afirmou Julio Croda, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, à Folha de S. Paulo.

Diante da mudança das características epidemiológicas da dengue, a doença agora se expande para áreas anteriormente imunes. O próprio hemisfério norte passou a lidar com enfermidade, o que explica o avanço na criação de novas vacinas. O Sul brasileiro também deverá se preparar para lidar com o avanço da dengue. Nesse sentido, os especialistas ouvidos pela reportagem da Folha recomendam que o Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) agilize a aprovação da Qdenga, do laboratório japonês Takeda.

Ministério contesta custo/benefício de Qdenga

O Ministério da Saúde veio a público explicar os motivos de sua cautela em aderir à Qdenga. Para a pasta, além do alto preço da dose da vacina – custa atualmente cerca de 400 reais na rede privada –, a Qdenga não se adequa aos grupos tidos como prioritários, formados por crianças até 6 anos e maiores de 60. Segundo a OMS, o imunizante japonês é recomendado para o público dos 6 aos 16 anos, enquanto a proposta do laboratório é de disponibilizá-lo para a população adulta. Além disso, o Ministério alega que o impacto financeiro, calculado em R$ 9 bilhões para um suprimento de 5 anos, seria alto demais. Dessa forma, pede esclarecimentos à empresa sobre o possível público-alvo e também tenta discutir melhores preços.

Vale destacar que o Instituto Butantan está em fase final de desenvolvimento de um imunizante nacional contra a dengue, que deve ser aprovado no ano que vem. Outras estratégias de contenção do mosquito Aedes aegypti também têm sido desenvolvidas, a exemplo das armadilhas de larvicida criadas pela Fiocruz-AM e da criação em laboratório de mosquitos aedes aegypti com a bactéria wolbachia, micro-organismo que os torna incapazes de contrair e espalhar o vírus da dengue. A experiência tem sido testada e aprovada em diversos municípios, em especial na Baixada Fluminense.

Fiocruz debate novas estratégias para dengue

Entre 8 e 10 de novembro, a Fiocruz recebeu encontro do Comitê Diretor Conjunto da Aliança Dengue, que reúne especialistas de instituições de diversos países onde a dengue é endêmica. A ideia é acelerar o desenvolvimento de um novo tratamento que combine os já existentes para a doença, num prazo máximo de 5 anos. “Já temos um conjunto de dados que permite avaliar que estamos num caminho muito bom. É um projeto ambicioso, que prevê que em cinco anos a gente consiga chegar em um tratamento para uma doença que enfrentamos no país nos últimos cinquenta anos”, explicou Marco Kriegger, vice-presidente de Inovação e Produção da instituição.

FAO expõe a fome na América Latina

O relatório Panorama, da FAO-ONU, traz um quadro lastimável sobre o contexto da alimentação da população da América Latina. Segundo o documento, são 43 milhões de pessoas passando fome na região que totaliza 660 milhões de habitantes. Já a insegurança alimentar ou moderada atinge cerca de 247 milhões de pessoas. Tal condição é mais grave no Caribe, onde cerca de 60% da população se vê neste estado, enquanto na América Central e do Sul algum nível de privação alimentar toca cerca de um terço das pessoas. 

“Os números da fome na nossa região continuam preocupantes. Vemos como nos distanciamos cada vez mais do cumprimento da agenda 2030 e ainda não conseguimos melhorar os números anteriores à crise desencadeada pela pandemia de covid-19. A nossa região enfrenta desafios persistentes como a desigualdade, a pobreza e as mudanças climáticas, que reverteram o progresso na luta contra a fome em pelo menos 13 anos. Este cenário nos obriga a trabalhar juntos e a agir o mais rápido possível”, analisou Mario Lubetkin, vice-diretor e Representante Regional da FAO para a América Latina e o Caribe.

Relatório trata também do sobrepeso

Outra dimensão do fracasso das políticas públicas que deveriam garantir padrões mínimos de democracia é o sobrepeso. Na população, o fenômeno atinge 8,6% das crianças até cinco anos. Chega a um terço quando são contadas crianças maiores e adolescentes. “O sobrepeso e a obesidade são um desafio crescente, responsáveis ​​por aproximadamente 2,8 milhões de mortes por doenças não transmissíveis em 2021 nas Américas. Nos últimos 50 anos, as taxas de sobrepeso e obesidade triplicaram, afetando 62,5% da população da região”, lamentou Jarbas Barbosa, presidente da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que defendeu a revisão dos sistemas alimentares, o que significaria uma profunda ruptura com os modelos capitalistas de produção agrária que predominam na região.

Leia Também: