Depois da marca de um milhão

Novo coronavírus já chegou a 85% das cidades brasileiras. Estado de São Paulo tem mais de 200 mil infecções. E não há consenso sobre o quanto os registros oficiais estão longe da realidade

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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Na sexta, o Brasil chegou a um milhão de casos confirmados da covid-19. Até agora, essa marca só foi registrada em outro país, os EUA. Mas, apesar do número superlativo, não temos resposta para perguntas fundamentais sobre a epidemia brasileira. Por exemplo, sabemos da subnotificação de casos, mas não há consenso sobre o quão longe os registros oficiais estão da realidade. 

O estudo com testes sorológicos que está sendo conduzido pela Universidade Federal de Pelotas, por exemplo, aponta que 2,6% já tiveram contato com o vírus – taxa que, se extrapolada, poderia corresponder a seis milhões de infectados no país. Mas como o coordenador da pesquisa aponta, é arriscado fazer essa transposição: “Se o número exato é quatro, cinco, seis ou dez milhões a gente não tem como saber, porque nossa pesquisa foi conduzida em 133 cidades e não em todo Brasil”, disse Pedro Hallal ao Globo

No universo dos modelos epidemiológicos, a aposta mais recente é que teríamos chegado aos oito milhões de casos – o equivalente a 4% da população. O número é da Universidade Federal de Juiz de Fora, que vem ‘rodando’ o modelo desde março. Suas projeções são usadas pela Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, e se baseiam numa comparação com Itália e Coreia do Sul. Isso porque esses dois países testaram muito – respectivamente, o dobro e dez vezes mais do que o Brasil, que até o começo de junho só havia realizado 1,08 milhão de testes.

Mas nem tudo que está fora das estatísticas é resultado da testagem falha ou de diagnósticos inexistentes. O estado de São Paulo está, simplesmente, ignorando uma parte considerável dos números enviados pelos municípios, de acordo com apuração da Piauí. Reportagem publicada na sexta dava conta de que nos 70 dias anteriores, 11.060 casos confirmados na capital tinham ficado de fora da contagem do estado. Em Osasco, eram 1.030. Em Santos, 528… Isso se dá devido a um “atraso” na atualização dos dados. “Atraso injustificável”, critica Otavio Ranzani, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. 

A propósito: na mesma sexta que atingimos um milhão de casos o estado de SP ultrapassou as 200 mil infecções.

E um levantamento do projeto de transparência Brasil.io revela que o novo coronavírus já chegou a 85% das nossas cidades. E pior: nada menos do que 98% da população brasileira reside nesses 4.742 municípios.

Jair Bolsonaro, é claro, não se abalou diante do um milhão de casos confirmados. Na sexta-feira, ele afirmou que ‘se dependesse dele’, o ‘pessoal não teria parado de trabalhar’. Continua batendo na tecla enganosa de que a covid-19 não é perigosa para jovens, mas ao invés dos 60 anos – idade que cita habitualmente – disse que “quem tem idade 40 para baixo” tem risco ‘ínfimo’ de desenvolver complicações. 

Aliás, um levantamento do jornal O Globo mostra que, desde março, apenas 7,4% dos compromissos da agenda do presidente foram relacionados diretamente à pandemia. A médica Nise Yamaguchi, entusiasta da cloroquina, foi recebida mais vezes por Bolsonaro (4) do que o ministro interino Eduardo Pazuello (2). A única viagem relacionada à crise sanitária feita pelo presidente foi a Águas Lindas, em Goiás, onde foi visitar obras e, depois, inaugurar o hospital de campanha financiado pelo governo federal. No dia 10 de junho, ele promoveu uma reunião com todos os secretários estaduais de Segurança Pública – o que nunca fez com os de Saúde. 

A marca do um milhão de casos e das 50 mil mortes mobilizou protestos presenciais e virtuais ontem em cidades como São Paulo e Fortaleza. “A gente sabe que não são todas as mortes por covid-19 que são evitáveis, mas muitas poderiam ter sido evitadas se a gente tivesse uma atuação central e organizada de combate. Não é o que a gente vê por parte do governo federal”, disse Aristóteles Cardona Júnior, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, ao Brasil de Fato. A Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia, que também organizou os atos, lançou este mês uma campanha pela saúde do povo brasileiro. Bem forte. 

Ontem também foi dia dos tradicionais atos contrários e favoráveis ao presidente. O destaque foi para Brasília, onde torcidas e movimentos sociais foram separados pela cavalaria da PM dos bolsonaristas. O domingo terminou com o levantamento mais recente da epidemia, feito pelo consórcio de veículos jornalísticos: 16.851 infecções. Chegamos oficialmente a 1.089.990 casos.

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