Covid: Brasil negligencia o risco de novas ondas

Julio Croda, infectologista da Fiocruz, aponta: há três medidas essenciais para enfrentar as futuras mutações do coronavírus. Quais são – e como o governo brasileiro está deixando, outra vez, de adotá-las

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Nos últimos meses, a covid vem perdendo espaço para notícias como o surto de varíola dos macacos e as eleições. O descanso é merecido, já que atingimos um dos menores patamares de casos de síndrome respiratória aguda grave desde o início de 2020, com tendência de queda ou estabilidade em 25 estados. Mas ainda há muito o que se fazer – e o governo está falhando mais uma vez. Foi o que argumentou Julio Croda, infectologista, pesquisador da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Em palestra organizada pelo Instituto Gonçalo Moniz, da Fiocruz Bahia, na sexta-feira (26/6), Julio traçou um panorama da covid até aqui e o que precisa ser feito nessa nova fase. 

O pesquisador fez uma exposição das últimas pesquisas sobre a doença e os imunizantes para combatê-la, e elencou as prioridades atuais para a saúde pública – até agora negligenciadas. São três urgências: ampliar a vacinação de crianças e a dose de reforço em idosos; providenciar os medicamentos que já existem e ainda não chegaram aos brasileiros; garantir que estejam disponíveis imunizantes contra a ômicron antes do inverno de 2023. 

As vacinas foram o fator determinante para a contenção da pandemia, diminuindo drasticamente internações e óbitos – estes com mais relevância. Mas a variante ômicron, que surgiu no final de 2021, causou algumas das maiores ondas em diversos países, por ser capaz de contornar a imunidade conferida pelas vacinas – embora tenha sido muito menos mortal. Duas subvariantes causaram efeito semelhante alguns meses depois, as chamadas BA.4 e BA.5. O que explica esse fenômeno é o fato de que o vírus se transformou drasticamente: a ômicron original já era bastante diferente da cepa original, e as suas variações também se distanciaram muito. Por isso tantos casos de reinfecção. Hoje, essas duas subvariantes são predominantes em muitos países – o Brasil entre eles.

Por esse motivo, é preciso continuar investindo em medidas para minimizar os danos da covid, que ainda mata muito mais que a gripe, no país. Mas o governo continua se movendo muito mais lentamente do que o necessário. As vacinas pediátricas, por exemplo, já estão autorizadas desde dezembro, mas extremamente atrasadas. Apenas 4,4% das crianças de 3 e 4 anos tomaram a primeira dose. Entre aquelas de 5 a 11 anos, só 51,4% completaram o esquema vacinal.

Croda explica que as crianças de até 4 anos podem ser mais vulneráveis a internações por covid, e imunizá-las é extremamente necessário. Mas a Anvisa só aprovou o uso da CoronaVac para crianças de 3 a 5 anos em julho – e diversos estados tiveram de interromper a distribuição por falta de doses suficientes. Há ainda um problema para o qual se fecha os olhos: em países como os Estados Unidos, vacinas para crianças a partir de 6 meses já estão autorizadas. Por que isso não está sendo pleiteado no Brasil?

As doses de reforço também são um problema. Embora o primeiro ciclo vacinal tenha tido grande aceitação pelos brasileiros, apenas 61% das pessoas com mais de 12 anos compareceram para tomar a dose de reforço. Já está disponível, inclusive, a quarta dose para aqueles que se vacinaram há mais de quatro meses. Ela é essencial para idosos, cuja imunidade decai mais rápido, e deveria ser aplicada com essa frequência. Mas Croda manifestou uma opinião surpreendente. Segundo ele, conforme estudos de vida real, pessoas com menos de 49 anos não devem tomar o segundo reforço por enquanto – seus benefícios, nestes casos, são ínfimos, tanto que os riscos podem ser maiores.

O que falar, então, dos medicamentos? O Paxlovid, da Pfizer, foi aprovado em março; o Molnupiravir, da MSD, em maio. A Fiocruz inclusive fechou um contrato para a produção deste no Brasil. Mas até agora eles não estão disponíveis. A última notícia que se tem é de 4/8, quando a Pfizer anunciou que estava em “tratativas finais” com o ministério da Saúde para distribuição de seu medicamento no Brasil. Como as fases mais duras da pandemia ficaram para trás, a pressão popular para que o governo aja cessou – e a morosidade aumentou.

Há ainda uma outra frente na qual o Brasil não está investindo, que Croda considera essencial para a contenção da covid no futuro. São as vacinas bivalentes contra a doença – que, além de proteger contra o vírus original, como as que já estão em circulação, são feitas também para atacar a variante ômicron. A Pfizer e a Moderna já estão prestes a entregar as primeiras doses para Europa e América do Norte. O Instituto Butantan realizou, com sucesso, os primeiros testes para um imunizante trivalente – contra a cepa original do coronavírus, a delta e a ômicron. 
Os governos dos países do Norte Global organizam-se para começar a aplicá-las no início de seu outono, em setembro, para que possam conter as infecções causadas pela chegada do frio. O ideal seria que o Brasil fizesse o mesmo – temos seis meses a mais para nossa temporada de gripe chegar. As empresas já buscaram o ministério da Saúde para iniciar tratativas. A vacina nacional é uma possibilidade concreta. Este governo agirá para garantir que estejamos preparados a tempo?

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