Covid: até que ponto os lockdowns foram eficazes?

Vasta matéria na revista Nature compara os efeitos das medidas de afastamento social compulsório adotadas durante a pandemia. Resultados são muito heterogêneos, mas algumas conclusões se impõem com clareza

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Até hoje, Bolsonaro responsabiliza, por sua desastrosa gestão econômica – que gerou a terceira pior inflação do mundo –, as parcas medidas de isolamento social que os estados conseguiram implementar durante as piores fases da pandemia de covid-19. Sem coordenação nacional, o Brasil demorou para tomar iniciativas de restrição de circulação e uso de máscaras, e o governo federal fez o possível para comprometê-las – incluindo convocar manifestações de rua. Também atrasou a chegada das vacinas, a única medida que possibilitou, enfim, a reabertura das atividades sociais e econômicas que vivemos hoje. 

Mas o que a ciência descobriu sobre o lockdown? Uma matéria publicada na Nature, na semana passada, reuniu as conclusões de algumas das principais pesquisas sobre o assunto. Não há conclusão fácil, a revista alerta já de início. Mas é seguro dizer que medidas de isolamento físico possibilitaram, sim, a queda de transmissão da covid. Nos países onde elas foram tomadas mais rapidamente e com mais firmeza, a doença foi contida mais rápido e a economia sofreu menos. É difícil de estipular, no entanto, quais atitudes tiveram mais sucesso e o quanto elas foram capazes de interferir na propagação da doença.

Há ainda outros obstáculos para medir o quanto a interrupção forçada das atividades econômicas e sociais pelos governos foram efetivas. É difícil, por exemplo, especular quantas vidas teriam sido perdidas se não houvesse nenhum lockdown. Isso porque as populações, em maior ou menor medida, percebem o risco e tomam atitudes individualmente para evitar os riscos. Há ainda culturas em que a confiança no poder público é maior, e há a evidente impossibilidade de grupos economicamente fragilizados interromperem seu trabalho de um dia para outro, sem auxílio financeiro.

Entre os exemplos apresentados pela revista, dois antagônicos saltam aos olhos. A Suécia, entre os países do norte da Europa, foi o que tomou medidas de isolamento social mais brandas: não interrompeu as aulas de crianças pequenas, por exemplo. Isso fez com que seu excesso de mortalidade fosse maior que os vizinhos Noruega, Dinamarca e Finlândia, é verdade, mas o país teve menos mortes que muitos outros da Europa que fizeram lockdown mais rígido, como Itália e Reino Unido. Isso se explica por questões sociais: a Suécia é o país onde mais pessoas vivem sozinhas em todo o continente, dificultando o espalhamento da covid. Além disso, os suecos respeitaram as orientações do governo por questões culturais – e por terem meios econômicos para isso.

Já no Peru, a situação é oposta. Medidas de isolamento social foram decretadas pelo governo, mas a população – em grande parte com trabalhos precários e informais – não foi capaz de segui-las. Isso fez com que a transmissão do vírus se mantivesse alta por muitos meses. Além disso, o sistema de saúde frágil não deu conta do contingente de pessoas doentes. Isso levou o país ao posto de maior taxa de mortalidade por covid do mundo – cerca de 6,4 mortes por mil habitantes, no total.

A Nature reflete longamente sobre a dificuldade de estipular quais medidas foram as mais efetivas. Em alguns estudos, a interrupção de aulas mostrou-se crucial; em outros, nem tanto. Outras atitudes foram medidas, como o cancelamento de grandes aglomerações, o fechamento de fronteiras, o controle de aeroportos, a comunicação com a população, auxílios econômicos para os mais pobres. 

Comparar realidades muito diferentes é de fato complexo. Mas há um consenso de que os países que agiram com mais velocidade e adotando maiores restrições foram os que se saíram melhor tanto no salvamento de vidas quanto nos impactos econômicos. O caso mais emblemático é a China, mas outros países asiáticos agiram de maneira semelhante, como a Nova Zelândia e o Vietnã. “Não surpreende”, escreve a revista, “que os países que se saíram melhor em termos de salvar vidas e proteger a economia foram aqueles que agiram rápido com bloqueios rigorosos.”Ao invés da “falsa dicotomia” vidas versus economia, sugere a Nature, nas próximas crises sanitárias os governos precisam assumir que essa é, em grande medida, uma questão ética. É preciso que haja o debate público e democrático, e não tomadas de decisão, que são políticas, maquiadas com verniz científico. Mas, finaliza a matéria, há uma lição que pode ser valiosa. Se mais países tivessem agido com agilidade logo no início das infecções, como fez a China, a grave situação que o mundo atingiu, com 6,5 milhões de mortos por covid, poderia ter sido evitada.

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