Covid-19: a dúvida amazônica

Dados mostram casos e mortes em alta principalmente na capital, mas crescimento ainda é lento. Há segunda onda? O que se deve fazer?

Cemitério de Nossa Senhora Aparecida, em Manaus. Foto: Alex Pazuello
.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 30 de setembro. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Apesar de toda a especulação sobre uma possível imunidade coletiva em Manaus, as internações e mortes na cidade voltaram a subir. Na semana de 2 a 8 de setembro foram 12 óbitos, enquanto entre os dias 23 e 29 foram 33. Até ontem havia em todo o estado 302 pacientes internados, sendo 113 em UTIs – e a ocupação de leitos de terapia intensiva já está em torno de 70%. Contamos aqui que a expectativa de uma nova crise fez o governo do Amazonas voltar a decretar o fechamento de bares e balneários na capital, embora as aulas presenciais em todo o estado continuem mantidas. Agora o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB) propôs ao governador Wilson Lima (PSC) que seja decretado um lockdown de duas semanas. Lima, porém, descartou a ideia, porque “o cenário atual não se compara ao quadro dos meses de abril e maio”. Como se fosse possível esquecer que Manaus foi palco da pior tragédia brasileira na pandemia, ele ainda disse que “o Amazonas é referência hoje no combate à covid-19″… 

Um parênteses: embora as manchetes digam que Arthur Virgílio está propondo um “novo” lockdown, é bom lembrar que nunca houve confinamento total na cidade – e que, ainda no auge dos casos e mortes, ele mesmo cansou de justificar sua resistência a esse tipo de medida. O Ministério Público chegou a entrar na Justiça para a adoção da restrição, mas não conseguiu.

Na GloboNews, o prefeito disse que é “a favor do lockdown por entender que é recomendado pela Fiocruz, é recomendado pelo mundo científico e, notadamente, os casos de covid vão crescendo de maneira lamentável e perigosa na nossa terra”. Ele se refere a falas recentes do epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, que no início do mês deu uma entrevista ao BNC criticando duramente a Fundação de Vigilância em Saúde do estado – que estaria colocando “panos quentes” para tentar esconder o cenário real e deturpando as estatísticas. Orellana tem recomendado enfaticamente o lockdown.

Mas a Fiocruz Amazônia emitiu ontem uma nota técnica em que, apesar de reconhecer tendência de alta, indica apenas a reavaliação de medidas de flexibilização, sem a adoção de lockdown. Instalou-se uma situação um tanto delicada: de acordo com Orellana, ele foi orientado a não se identificar mais como pesquisador da Fiocruz em entrevistas sobre isso. Ele diz que a instituição ainda “foi além, ao afirmar que ‘a Fiocruz não recomenda lockdown’, o que antes de tudo é, no mínimo, desprovido de amparo científico e apenas reforça a narrativa do presidente Bolsonaro”. 

Mas, afinal, o que está acontecendo em Manaus e no resto do estado? Os dados do Infogripe (sistema desenvolvido pela Fiocruz que monitora as notificações de síndrome respiratória aguda grave em todo o país) mostram um crescimento na capital, mas ainda lento. Para Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe, é cedo para falar em segunda onda, embora a situação inspire cuidados. Quanto às informações sobre novas infecções divulgadas pela Fundação de Vigilância, elas não são exatamente confiáveis para avaliar a evolução da pandemia no estado (como, aliás, acontece em todo o país). Os dados oficiais mostram que ontem foram identificados 1.256 novos casos no estado em 24 horas, mas só 34 foram detectados por testes PCR, indicando pacientes que estão entre o 3º e 6º dias da doença. Os outros 1.222 diagnósticos vieram por testes sorológicos e podem ser de contaminações antigas.

Leia Também: